CEBs avaliam o 12° e fazem análise da conjuntura mundial

Dirceu Benincá

De 28 a 31 de janeiro, a equipe ampliada nacional das Comunidades Eclesiais de Base reuniu-se no Instituto São Boaventura, em Brasília, para avaliação do 12º Intereclesial realizado em julho de 2009, em Porto Velho - RO. Na abertura da reunião, Daniel Seidel assessorou um momento de análise de conjuntura mundial e nacional. Daniel é Secretário Executivo da Comissão Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), professor na Universidade Católica de Brasília e membro da equipe de análise de conjuntura da CNBB. A seguir apresentamos entrevista concedida por ele em Brasília.

Daniel Seidel, como você analisa a tragédia do terremoto no Haiti?
Os efeitos da tragédia revelam a completa omissão e abandono dos dirigentes latino-americanos àquele povo durante muito tempo. O Haiti, constituído em sua maioria de afro-descendentes, é o país mais miserável da América Latina. Poucas ações efetivas de superação daquela realidade foram feitas. A tragédia teve tamanha proporção em função da falta de uma infra-estrutura eficiente e pelo total desamparo à vida humana. Em estruturas fragilizadas, quando acontece um caso desses, os efeitos são maiores. Morreram mais de 200 mil pessoas. Quando a gente compara com um terremoto similar que aconteceu na Itália, por exemplo, com toda a estrutura que existia lá, esse número não ultrapassou as 400 vítimas fatais.

O fenômeno foi natural, mas o alcance da tragédia foi potencializado pela precária situação social que existia. A resposta que a ONU conseguiu dar foi uma presença militar. Agora parece que vai tomar outro rumo, com possibilidades de reconstrução do que foi destruído. Por contradição da história, talvez seja o grande momento para que se possa olhar de forma solidária e responsável para o povo haitiano e oferecer uma colaboração para a construção de um projeto de sociedade. A gravidade da tragédia é também uma denúncia sobre as péssimas relações internacionais com aquele país.

Na linha das preocupações com os "fenômenos naturais", todo mundo estava na expectativa de que a Conferência de Copenhague fosse um marco de compromissos diante dos graves problemas como o aquecimento global. Por que a Conferência não teve acordos significativos?
Em Copenhague, havia a presença de dois grandes blocos de países. De um lado estava o G-8 (países desenvolvidos) e de outro o G-20 (países emergentes). Nenhum deles quis abrir mão dos seus interesses econômicos, fundamentados em uma matriz energética que causa danos irreparáveis à natureza. Com todas as tragédias que vêm ocorrendo, no mínimo foi falta de sensibilidade.

Outra coisa que chamou a atenção foi o nível de repressão às manifestações dos movimentos sociais presentes em Copenhague. Os movimentos sequer foram escutados em algum momento. Os países emergentes argumentaram que os países desenvolvidos têm que diminuir seu nível de crescimento porque estão poluindo há mais tempo. Já os países desenvolvidos atacaram os países emergentes, dizendo que eles estão com uma falta de regramento muito grande no seu processo de desenvolvimento e com práticas ambientais muito nefastas. Com isso, os setores que defendem o mercado e o neoliberalismo saíram premiados. Porém, a médio e longo prazo será uma derrota para toda a humanidade. Fala-se tanto da globalização e quando há necessidade de decisões globais, elas não acontecem.

No Brasil, há uma grande polêmica sobre o 3º Plano Nacional dos Direitos Humanos? Quais são os pontos cruciais dessa questão?
Os Planos Nacionais de Direitos Humanos são construções que antecedem ao governo Lula. Agora, imputar com essa força e agressividade que se trata de uma obra que remete à candidatura da Dilma Rousseff ou a setores do PT, isso é um equívoco. Com o governo Lula, as conferências para a construção do plano passaram a ter uma dimensão muito maior do que tínhamos antes. As conferências ganharam também poder deliberativo, o que não existia antes. Todo o alarde feito foi uma demonstração de como as elites políticas brasileiras não suportam a participação popular e a possibilidade de um maior controle social sobre suas ações. Houve e está havendo uma utilização muito grande da questão do plano por parte de alguns setores para fins de campanha eleitoral, querendo dividir a sociedade brasileira. Outro aspecto é a condenação pública de diversos pontos do plano, o que coincide com as lutas históricas dos movimentos sociais brasileiros. Tudo isso revela que devemos radicalizar cada vez mais a democracia.

Quais os principais desafios das CEBs diante da atual conjuntura?
São desafios em nível de projeto político. As CEBs precisam discutir qual é o projeto político que defendem e qual modelo de sociedade querem construir. Também precisam se juntar aos setores que estão no processo da Assembleia Popular para ajudar a construir o projeto popular para o Brasil. Como desdobramento desse projeto político mais amplo, há duas indicações bem concretas: 1ª) Discutir como se exerce o poder no ambiente pequeno, no grupo, na comunidade e na municipalidade. Esse é um exercício importante para conhecer como se faz um orçamento público, como funciona a Câmara de Vereadores etc. Assim, se tem um controle maior sobre o poder local; 2ª) Desafiar para que haja construção de candidaturas populares a partir do trabalho das CEBs.

No país, existem várias experiências positivas de lideranças que organizaram seus programas políticos a partir de um debate amplo com a população. Isso é importante porque inaugura um novo jeito de fazer política, com prestação de contas mensais nas comunidades. Deve-se insistir que a fé e a política precisam dialogar. São esferas diferentes, mas devem estar juntas na ação do cristão. Ainda temos o poder muito centralizado. Não vamos mudar isso enquanto não ensaiarmos nas nossas comunidades novas práticas democráticas. Jesus mesmo disse: "Sabeis que os governantes das nações as dominam e os grandes as tiranizam. Entre vós não deverá ser assim".

Além disso, há também o grande desafio do acompanhamento das lideranças que participam dos conselhos, do mundo da política partidária, dos que assumem espaços nos movimentos sociais, nos sindicatos etc. Existem poucos espaços que possibilitam uma reflexão sobre a espiritualidade militante, para manter a fidelidade ao projeto do Reino de Deus. As pessoas que atuam nesses espaços são submetidas a muitas pressões. Se não tiverem essa possibilidade de reflexão sobre sua prática e onde recebam ânimo e coragem, acabam desanimando dessa luta dura, mas que é muito importante.

* Dirceu Benincá, doutorando em Ciências Sociais pela PUC - SP.

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