Valdirene Correa, Carlos Rosa e Everton Rodrigues
O Fórum Social Mundial surge com a ideia e o slogan de que "um outro mundo é possível". No entanto, nem sempre se vê a manutenção dessa proposta. Percebe-se muitas vezes um desvirtuamento dessa ideologia, vista unicamente como uma alternativa de melhoria econômica para as cidades que recebem esse evento, conforme o discurso do prefeito de Porto Alegre que visualizou apenas os ganhos econômicos que terá pela grande visita de pessoas, quando falou da volta do FSM para o RS. Diferente dessa engessada visão, é preciso que o Fórum continue com o objetivo de superar a política meramente econômica nesse atual modelo que beneficia poucos, para uma que seja também econômica, mas que alcance o social.
É nesse contexto que precisamos avaliar o FSM, onde e como conseguimos implementar nossas propostas, sendo essa uma das tarefas fundamentais de quem está lutando pela construção desse outro mundo.
Sabe-se que para fazer qualquer balanço é necessário ponderar prós e contras do processo construído até aqui e, principalmente, criar espaços de reflexão, sem medo de presenciar opiniões adversas. Acima de tudo, é preciso lembrar que o Fórum Social Mundial é, por princípio, um espaço que se "opõe ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e por qualquer forma de imperialismo", ou seja, surge com a ideia de romper as correntes que aprisionam e impedem a liberdade de pensamento.
Cabe salientar que o FSM teve importantes influências do fato ocorrido em 1° de janeiro de 1994, quando o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) ocupou Chiapas chamando a atenção do mundo sobre as ideias da globalização através das denúncias feitas pela internet sobre os acordos do Nafta (México, Canadá e EUA). A partir daí, grandes mobilizações antiglobalização ocorreram pelo mundo, sendo a manifestação na cidade de Seattle em 1999, um dos exemplos mais considerados. Após diversas mobilizações no planeta, surge a necessidade de criar um espaço capaz de organizar propostas e práticas, o Fórum Social Mundial.
As primeiras edições do FSM foram em Porto Alegre, não por uma questão econômica, mas por ser uma cidade exemplo da participação popular e políticas sociais, sendo o Orçamento Participativo o grande instrumento de tudo isso. Porto Alegre já era uma cidade com um conjunto de práticas que o FSM pretendia buscar.
Dez anos depois, o que antes justificou o FSM em Porto Alegre, agora está sucateado. O OP (Orçamento Participativo) foi desarticulado por vontade do atual executivo municipal, que criou uma instância superior ao OP, a Governança Solidária, que ninguém sabe o que é e como funciona. A arte que era tratada como um processo de descentralização da cultura na cidade como um todo, hoje não existe. O que o FSM propõe é a construção de uma nova cultura política, e Porto Alegre, que era um exemplo e hoje já não é mais, é um bom objeto de análise, tendo em vista que o processo participativo transformou-se em espetáculo.
Afinal, o que queremos? Processos contínuos e participativos ou apenas eventos? O que queremos como processos não devem ser considerados para a arte?
Vale aqui comentar que os EUA se constituíram enquanto superpotência dominante, através do sonho americano, armas, poder econômico e a indústria do entretenimento de Hollywood, produzindo filmes, músicas, artistas que circulam por todos os lugares justificando todas as ações, imposições e guerras, tornando o mundo domesticado aos interesses norte-americanos. Existe uma deliberada imposição daquilo que é produzido no EUA. E vivemos esse drama também através da arte que lá é enlatada para o planeta.
Nesse sentido, é importante observar que também hoje no FSM, muitas temáticas ainda são abordadas no formato espetáculo e evento e a questão cultura e arte é o maior exemplo. Esses temas como forma de contribuir para o desenvolvimento do pensamento crítico têm ficado em segundo plano. O que se observa é que também no FSM a cultura e arte têm sido tratadas apenas como mero entretenimento para as massas e não como elemento gerador de discussões. E dentre as discussões possíveis deve estar a questão da autonomia do artista em relação a sua obra, bem como a forma de divulgação de seu trabalho.
Existe hoje um movimento de cultura livre que nasce da necessidade de envolver economicamente mais grupos culturais do mundo que supere a lógica do atual mercado por meio de novos modelos de produção, consumo e remuneração dos artistas. O FSM precisa compreender que atualmente há uma grande demanda de diferentes agentes culturais que buscam novas alternativas de geração de renda, a partir daquilo que criam, que é diferente dos modelos até aqui construídos e que precisam ser debatidos, compreendidos e praticados.
No FSM não é possível aceitar artistas que praticam o tão conhecido "jabá" (http://pt.wikipedia.org/wiki/Jabacul%C3%AA) nos veículos de comunicação, que corrompe e impede as diversas manifestações culturais no mundo, fortalecendo apenas algumas gigantes empresas do entretenimento e artistas que estão de acordo com essas.
Outro aspecto que o FSM ainda não percebe como relevante para debate é a questão dos direitos autorais totalmente restritivos e inadequados para o momento que vivemos e para a construção de um outro mundo possível.
Em encontros do Fórum Social Mundial, é necessário que se entenda que não basta a participação de artistas apenas em shows ou em espetáculos descolados de processos contínuos, mas sim é preciso deles na promoção de debates e reflexões, permitindo em conjunto com outros agentes artísticos, de uma forma mais ampla e participativa, tornarem-se também sujeitos coletivos de um movimento para mudar a percepção e superar a realidade imposta pela indústria cultural.
Os artistas não devem viver num mundo paralelo, acima da sociedade como a indústria construiu, ou de fazerem arte pela arte. Todo e qualquer artista que participa do FSM, e não circula nos debates ou nas ruas do FSM, então, não pertence à ideologia e, portanto, não quer construir um outro mundo possível.
Precisamos construir um processo cultural/artístico no FSM que seja participativo e capaz de criar novas ideias e propostas. E nessa perspectiva, cabe lembrar da economia solidária como algo importante, que deve ser realmente considerado por sua complexidade orgânica, onde a participação, o consumo consciente, a preocupação com a natureza, a gestão coletiva são questões necessárias para uma outra sociedade mais humana e que supere a lógica insana do lucro.
Nesses 10 anos de FSM precisamos de espaços participativos continuados para refletir sobre cultura e arte enquanto processo e o diálogo interplanetário de cultura Livre - FSM Grande Porto Alegre - 10 anos - http://musicaparabaixar.org.br/?p=584 será o momento para tal. Vamos participar?