A necessidade de construir pontes, não muros

O mundo precisa de uma nova liderança para construir pontes, não muros, afirma o Papa na mensagem aos 500 teólogos reunidos em Sarajevo.

Por Joshua J. McElwee

Entre os dias 26 a 29 de julho realizou-se uma reunião inédita em Sarajevo, com cerca de 500 teólogos morais e eticistas com o apoio do Papa Francisco. Em uma carta ao evento, o Pontífice elogiou o foco em discernir como os acadêmicos podem responder melhor à mudança global no atual ambiente geopolítico.

A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter. A tradução é de Victor D. Thiesen.

papafrancisco2Em uma nota de três páginas lida em voz alta no início da conferência “A Critical Time for Bridge-Building: Catholic Theological Ethics Today” (Momento Crítico para Construir Pontes: Ética Teológica Católica Atual, em português), Francisco afirmou que tem “apreciado esse esforço” desde que se reuniu com os organizadores do evento no início do ano.

O tema do evento, disse Francisco, foi "a necessidade de construir pontes, não muros".

"Eu continuo repetindo isso na esperança de que as pessoas em todos os lugares prestem atenção a essa necessidade, que é cada vez mais reconhecida embora às vezes sofra resistência por medo. Somos chamados a reconhecer todos os sinais e mobilizar toda a nossa energia para remover os muros de divisão e construir pontes de fraternidade em todos os lugares do mundo", afirmou o Papa.

Mencionando que a conferência considerou particularmente como os teólogos podem abordar questões como a mudança climática e o tratamento de migrantes e refugiados, o Papa disse que no atual ambiente geopolítico "complexo e exigente", há uma necessidade de indivíduos e instituições capazes de assumir uma liderança renovada.

"Não há necessidade, por outro lado, de lançar slogans que muitas vezes permanecem vazios, ou de antagonismo entre os partidos que disputam a posição da frente. Precisamos de uma liderança que possa ajudar a encontrar e colocar em prática um modo mais justo de todos nós vivermos neste mundo compartilhando um objetivo comum", ressaltou Francisco.

A conferência de Sarajevo foi organizada pela Teologia Ética Católica na Igreja Mundial, uma rede de acadêmicos que começou em 2002 e agora possui cerca de mil membros. Pessoas de quase 80 países participaram do evento que durou quatro dias, e se desenvolveu com palestras plenárias, painéis de discussão e algumas sessões.

A carta de Francisco aos participantes da conferência foi lida em voz alta durante a cerimônia de abertura do evento, na noite de 26 de julho, pelo arcebispo Luís Pezzuto, núncio apostólico na Bósnia-Herzegovina.

O evento de Sarajevo foi a terceira conferência internacional organizada pelo grupo de ética teológica após os eventos em Pádua, em 2006, e Trento, em 2010, ambos na Itália. O primeiro focou principalmente em como os teólogos podem se envolver numa sociedade mais ampla. Em sua carta, Francisco elogiou a iniciativa pela maneira como conectou acadêmicos de vários continentes.

Citando o documento apostólico de dezembro de 2017, Veritatis Gaudium, que atualizou as normas das universidades e faculdades pontifícias, Francisco observou "a necessidade urgente de fazer contatos entre as instituições de todo o mundo que cultivam e promovem estudos eclesiásticos".

"Eu encorajo vocês, como homens e mulheres que trabalham no campo da ética teológica, a serem apaixonados por tal diálogo e rede de trabalho", disse Francisco à conferência.

"Essa abordagem pode inspirar análises que serão ainda mais perspicazes e atentas à complexidade da realidade humana. Vocês mesmos aprenderão ser cada vez mais fiéis à palavra de Deus, e mostrar solidariedade com o mundo ao qual vocês não são chamados a julgar, mas a oferecer novos caminhos”, completou.

A conferência de Sarajevo foi aberta em 26 de julho com um discurso do padre jesuíta James Keenan, um dos três co-presidentes do evento. Keenan, que também é diretor do Instituto Jesuíta do Boston College, disse que os acadêmicos se reuniram porque reconheceram que, em meio às recentes mudanças geopolíticas, "precisam estar engajados".

"Em um mundo onde o populismo nacionalista destrói qualquer cooperação global, onde o abandono do acordo de Paris espelha o abandono de migrantes e refugiados, onde a civilidade é sacrificada pela banalidade do interesse próprio e o comum é pisoteado, precisamos ser globalmente conectados e ativos, abandonando a dominação do Norte e olhando além dos interesses locais", disse Keenan.

"Precisamos continuar crescendo, aprofundando nossa rede de trabalho, fazendo com que ela se torne mais eficaz e responsiva a um mundo e a uma Igreja em extrema necessidade. Temos a capacidade, os recursos e o compromisso para fazer isso", acrescentou.

Keenan, que fundou a rede de trabalho em teologia ética, também anunciou que ele e a teóloga do Trinity College, em Dublin, Linda Hogan, estão deixando o cargo de co-presidentes do grupo global como parte de uma nova fase em seu crescimento.

Kristin Heyer, do Boston College, permanecerá como co-presidente da rede e será acompanhada pelo carmelita indiano, Shaji George Kochuthara, do Dharmaram Vidya Kshetram e Andrea Vicini, italiano também do corpo docente do Boston College.

"Hoje devemos começar novamente, atentos à urgência, mas ainda mais conscientes dos diversos talentos aqui presentes. A partir de agora, devemos crescer, incluir, inovar e expandir. Temos que ir além de nós mesmos", afirmou Keenan.

Francisco mencionou a mudança de liderança em sua carta, dizendo que gostaria de se juntar aos participantes da conferência para agradecer a Keenan e Hogan por seu trabalho e que vai lembrar dos novos co-presidentes em suas orações.

Também falando na inauguração estavam o cardeal de Sarajavo, Vinko Puljic, e Elma Belsic, membro da Youth for Peace, organização da cidade que tem como objetivo ajudar a educar os jovens e incentivar o ativismo pela paz.

Belsic disse que seu grupo quer formar uma comunidade ética que saiba questionar o que é certo e errado e entende que "escolher um caminho certo exige trabalho duro".

"Eu realmente espero que este grande encontro nos ajude a lutar juntos pelos valores certos de amor, paz e convivência", disse ela.

Nota IHU On-Line

Sarajevo foi uma cidade cercada do dia 5 de abril de 1992 até 29 de fevereiro de 1996, completando um total de 1.425 dias, na Guerra da Bósnia, um dos conflitos armados na grande Guerra Civil desencadeada com a fragmentação da Iugoslávia. Esse foi o maior cerco de guerra à uma cidade que se tem registro. Calcula-se mais de 13.900 mortos durante o cerco. Estima-se que a população de Sarajevo reduziu em quase 200 mil habitantes no período da guerra, passando de 525 mil, no censo de 1991, para algo entre 300 e 380 mil, em 1996. O cerco foi feito pelo exército da Sérvia depois de a Bósnia-Herzegovina declarar independência à antiga Iugoslávia.

A Bósnia-Herzegovina é um território constituído de uma população predominantemente muçulmana. Dentro do território iugoslavo compunham uma minoria religiosa e étnica, exterminada por séculos, e negligenciada pelo Ocidente. Durante a Guerra da Bósnia os exércitos dos novos países, Croácia, de maioria católica, e Sérvia, de maioria ortodoxa sérvia, impulsionaram uma limpeza étnica, significando um dos maiores genocídios da história, perpetuado por séculos até o final do século XX.

Fontes: National Catholic Reporter / IHU On-Line

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