Resultado da COP-15 coloca em xeque negociações multilaterais

Mario Osava, da IPS

O fracasso das conversações climáticas em Copenhague põe mais uma vez em dúvida a efetividade do sistema de negociações multilaterais que exige um consenso, por enquanto impossível, para a tomada de decisões urgentes.

"A governança global não passa pela Organização das Nações Unidas (ONU), cujo mecanismo de negociações é pouco efetivo", afirma Eduardo Viola, professor da Universidade de Brasília, que estuda a geopolítica da mudança climática. Assim demonstram processos similares que se desenvolvem no âmbito da ONU, como o desarmamento nuclear ou a Rodada de Doha, na Organização Mundial do Comércio.

Um acordo inclusive informal entre as "três superpotências climáticas", China, Estados Unidos e a União Européia, é indispensável para destravar um tratado mundial ainda invisível no horizonte, uma vez que as duas primeiras são "irresponsáveis" nesse tema, declarou o professor.

"A China parece menos irresponsável porque se oculta atrás dos Estados Unidos", porém sua proposta de reduzir a intensidade de produção de carbono em 40% equivale a um aumento de 80% de suas emissões de gases de efeito estufa até 2020, o que tornaria impossível conter o aquecimento global em 2ºC, sustentou Viola.

Acordo para disfarçar o fracasso

Os Estados Unidos, por sua vez, enfrentam "uma crise de governabilidade" por causa da paralisante "capacidade de resistência das minorias", que limita o poder do presidente Barack Obama, que enfrenta três desafios cruciais: aprovar a reforma do sistema de saúde, a lei climática e conter a perda de popularidade, avaliou. A tarefa se agiganta porque "a metade da população norte-americana nem sequer acredita em mudança climática", advertiu.

Em Copenhague tentou-se, no último momento, disfarçar o fracasso da COP-15 através de um acordo entre Estados Unidos e o grupo Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China). A tentativa não funcionou e provocou uma divisão no Grupo 77 (G77), que representa mais de 130 países do mundo em desenvolvimento em seu intento de manter vigentes as regras do Protocolo de Quioto.

Debaixo deste Protocolo, em vigor desde 2005, somente 37 nações ricas e industrializadas assumem metas compulsórias de redução das emissões contaminantes, mas o acordo perdeu força por causa da não adesão dos Estados Unidos.

De qualquer forma, a negociação direta entre Obama e o Basic aponta na mesma direção de disfarçar a dificuldade de chegar a um consenso entre 194 países, cujas desigualdades e heterogeneidades se ampliam, na questão climática.

O malogro da COP-15 estava previsto por Roberto Smeraldi, diretor da ong Amigos da Tierra/Amazônia Brasileira, que só espera um acordo global de fato para 2011 ou "quem sabe no próximo ano", tempo necessário para "amadurecer uma liderança" capaz de adotar alguma ação que arrastará os demais.

Acordo exigirá liderança com credibilidade

Segundo sua avaliação, "os avanços não passam pela negociação diplomática, que busca acordos por um mínimo denominador comum", insuficiente neste caso, a não ser pela economia e por um país líder que "assuma a dianteira", como acontece nas corridas, algum tempo depois do inicio, quando todos estão juntos.

Essa liderança, "com massa crítica e credibilidade", só pode vir de países que encabeçam as emissões de gases de aquecimento e com condições econômicas que lhes permitam assumir a vanguarda, explicou. A Europa poderia fazê-lo, mas não o fez, e condicionou suas metas às ofertas de outros grandes emissores, exemplificou à IPS.

Entre as possíveis iniciativas nesse sentido Smeraldi apontou a imposição unilateral de sanções a produtos com alta intensidade de carbono e a destinação de bilhões de dólares, como se fez para salvar os bancos na recente crise financeira, em tecnologias limpas, obrigando os demais a seguir o exemplo para não perder competitividade.

"Sería ilógico que a diplomacia se adiantasse à economía e obtivesse um acordo vinculante em Copenhague", explicou. Porém há sinais promissores, como a forte presença de empresários na COP-15, mesmo que sua voz não tenha sido ouvida nos debates, mostrando suas tecnologias, produtos e serviços.

Brasil pode ter uma liderança parcial

As mudanças na economia são rápidas, observou Smeraldi, citando como exemplo a Internet e a migração do capital financeiro para a China: em 2002, entre os 20 maiores bancos do mundo 17 eram britânicos ou norte-americanos, hoje são somente três, e os quatro primeiros são todos chineses.

O Brasil, em sua opinião, tem condições de liderar, porem parcialmente, por suas características específicas de possuidor de enormes reservas florestais e seus avanços na "civilização da biomassa", prevista por Ignacy Sachs, polonês naturalizado francês que se auto-define como "eco-sócio-economista".

Este país sul-americano está entre as seis "potências climáticas", com poder limitado em relação às três "superpotências" para encaminhar soluções globais, porém que realizou "uma revolução em sua política climática este ano", assumindo metas voluntárias de redução de emissões e do desmatamento, reconheceu Viola.

A decisão da ex-ministra de Meio Ambiente, Marina Silva, de deixar o partido governista, o Partido dos Trabalhadores, em agosto, para preparar sua candidatura à presidência da República pelo Partido Verde, foi um dos "fatores convergentes" da mudança de rumo do governo brasileiro, pois colocou o clima e o ambiente na agenda eleitoral, destacou.

Outro fator, segundo Smeraldi, foram as iniciativas dos governos estaduais. O estado de São Paulo, que concentra um terço do produto interno bruto nacional, adotou uma meta de 20% de redução absoluta de gases de efeito estufa até 2020, além dos estados amazônicos, que pressionaram por uma inclusão das florestas na negociação climática.

Há três anos o governo brasileiro "nem sequer admitia incluir o desmatamento nas negociações, só na COP-13, realizada em Bali, aceitou a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (Redd) como geradora de créditos de carbono ou os fundos climáticos", recordou.

Discurso contraditório

O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi o mais aplaudido em Copenhague, por reivindicar um forte tratado vinculante e oferecer contribuições brasileiras para a sua concretização, mas contradisse suas políticas internas, observou Sergio Santos Filho, secretário executivo da ong Instituto Socioambiental (ISA).

Lula "anistiou" o desmatamento praticado pelos ruralistas, suspendendo suas multas e concedendo prazos de três anos para cumprir regras ambientais, uma semana antes de falar na COP-15, e está cedendo a pressões dos agricultores na reforma do Código Forestal, destacou o ativista.

Além disso, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), foco orientador do governo, segue os velhos paradigmas da expansão econômica, intensiva em carbono, disse ele.

O fracasso de Copenhague é grave porque a situação do clima se agrava a cada ano e as negociações não avançam no ritmo necessário, advertiu. Em cinco anos se derreterá o gelo do Ártico, elevando o nível dos oceanos, disse Filho. O excesso de chuvas no sul do Brasil e as secas no norte amazônico já não podem explicar-se simplesmente pelo fenômeno periódico do El Niño, concluiu.

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