O incêndio em São Paulo, com mais de 40 desaparecidos – portanto, mortos -, recebeu uma série de leituras, cada uma a partir de seu ponto de vista.
Por Roberto Malvezzi (Gogó)*
Ninguém quer morar nas encostas de morros, à beira de esgotos, no meio dos ratos e baratas, rodeados de mau cheiro por todos os lados. As pessoas só habitam esses lugares por falta de alternativa.
Ninguém quer morar em espeluncas, em prédios deteriorados, sujeitos a incêndios e desabamentos a todo o instante.
Mas, morar bem precisa de dinheiro. Os muito ricos fazem suas mansões e escolhem o lugar, muitas vezes em condomínios construídos em áreas de preservação ambiental, como é o caso de tantos ao longo de praias e rios, como aqui em Juazeiro-Petrolina às margens do rio São Francisco.
Mesmo a classe média, que paga a longo prazo suas habitações, por sua renda consegue crédito e condições salariais de pagar o aluguel ou sua propriedade.
O Brasil tem um déficit habitacional de 6 milhões de moradias e o programa de construção de uma moradia mais digna, o Minha Casa Minha Vida, mesmo com todos os problemas e contradições, estava oferecendo uma perspectiva para o desafio no Brasil. O atual governo praticamente desativou o programa, elevando os custos para os mais pobres, praticamente destinando o programa para a classe média que pode pagar mais alto por sua habitação. Assim atende ao mercado de imóveis, às empreiteiras e à especulação imobiliária.
O incêndio em São Paulo, com mais de 40 desaparecidos – portanto, mortos -, recebeu uma série de leituras, cada uma a partir de seu ponto de vista. Basta lembrar a frase de Leonardo Boff: cada ponto de vista é a vista de um ponto.
A mais calhorda e cruel vi em um artigo publicado na UOL do filósofo Leandro Narloch comparando, e tornando ainda pior, os movimentos de ocupação com as milícias do Rio de Janeiro. No fundo, há uma onda responsabilizando os mortos por suas mortes e pelas condições de vida de quem ocupa uma espelunca desesperadamente. Nenhuma palavra sobre a responsabilidade da prefeitura, a especulação imobiliária, a tentativa de faturar politicamente de Michel Temer e outras tantas mazelas conhecidas.
Focar nas negociatas de quem se beneficia das necessidades do povo é fugir do problema e responsabilizar quem não tem responsabilidade. É a isso que se chama de criminalização dos movimentos sociais.
Morar bem é um direito humano, que só valoriza quem não tem onde morar. Portanto, prefiro olhar do ponto de quem precisa e de quem se solidariza com quem precisa. Como tem afirmado o Papa Francisco: terra, trabalho e teto são condições fundamentais para uma vida digna.
Ou o país avança para a civilidade, ou avançaremos cada vez mais para o caos.