Vitória contra o preconceito

Karla Maria *

A Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - Aids, fez sua primeira vítima no Congo, em 1959. Hoje se sabe que só no continente africano já morreram mais de 17 milhões de pessoas. A disseminação da doença, assim como os primeiros testes laboratoriais, começou na década de 80. No início da década de 90 o número de infectados chegou à casa de 10 milhões no mundo. Em 1987, com o apoio da Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial de Saúde (OMS) decidiu transformar o 1º de dezembro no Dia Mundial de Luta contra a Aids.

É neste momento que a sociedade brasileira passa a ver na TV e jornais suas primeiras vítimas famosas: o cartunista Henrique de Souza Filho, o Henfil (1988), o ator Lauro Corona (1989), o cantor e compositor Cazuza (1990) e o sociólogo Betinho (1997) - contaminado por transfusão de sangue. Em 1994, o governo federal cria sua estratégia de combate à Aids, aproveitando-se do fato de, na época, não haver uma lei de patentes no país. Copia a fórmula dos medicamentos anti-HIV e começa a produzi-los internamente. Sem o pagamento de royalties para os laboratórios multinacionais, inicia a distribuição gratuita dos coquetéis aos portadores do vírus HIV no país.
No mesmo ano de 1994, um missionário da Consolata teve a iniciativa de entrar na luta contra a Aids. Padre Valeriano Paitoni, italiano de Breccia, fundou a Sociedade Padre Costanzo Dalbésio, junto à Paróquia Nossa Senhora de Fátima, no Imirim, Zona Norte de São Paulo. Esta iniciativa foi inspirada pelo V COMLA - Congresso Missionário Latino-Americano, realizado em Belo Horizonte, MG, e se tornou uma resposta concreta da comunidade à dimensão missionária. Em outubro de 1991, padre Valeriano já havia fundado o Lar Betania, obra do Instituto Missões Consolata - IMC destinada a acolher e apoiar homens portadores do vírus HIV.

Inicialmente a comunidade se assustou, até porque na década de 90 a disseminação do vírus HIV era grande, bem como a falta de informação e de diálogo sobre a doença. Passou a ser preconceituosamente definida como um mal que atingia apenas determinados grupos da sociedade - homossexuais, prostitutas, e usuários de drogas.

A Sociedade Padre Costanzo Dalbésio que hoje conta com três casas de apoio - Casa Siloé, Lar Suzanne e Vila Vitória, é mantida por 50% do dízimo da paróquia, pelo grupo dos sócios fundadores, que através de um carnê todos os meses dão uma pequena oferta, o apoio do IMC e pela parceria com as Irmãs Missionárias da Consolata, que oferecem bolsas de estudo para as crianças no Colégio do Imirim. O atendimento médico é da rede pública, exceto para algumas patologias que exigem exames específicos.

Segundo a coordenadora da Casa Siloé, Marlene da Silva Ribeiro, o início foi difícil. Foi necessário buscar parcerias, formação e informação "estávamos no escuro, tivemos reuniões com médicos e psicólogos para esclarecer as inúmeras dúvidas, mas o nosso desejo de ajudar era maior", afirma.

Desde sua fundação, a Sociedade Padre Costanzo acolhe crianças soropositivas e de famílias carentes, que chegam até as casas por meio do Serviço Social do Fórum de Santana da Vara de Infância e Juventude. O juiz da Vara, dr. Raul Felice é quem defere o destino das crianças, garantindo a tutela delas ao Estado, determinando padre Valeriano como seu guardião até a maioridade.

Vila Vitória

A Casa Siloé foi inaugurada em 1995, o Lar Suzanne em 1998 e a Vila Vitória em 2006. Esta última é destinada aos jovens que já completaram 18 anos e não foram adotadas ou não voltaram para seus familiares. "É uma grande vitória ver estas crianças chegarem à maioridade, por isso a terceira casa se chama Vila Vitória, para significar as grandes vitórias que conseguimos ao longo de todos estes anos", revela padre Valeriano com um sorriso largo no rosto.

Desde a fundação das casas de apoio foram atendidas 94 crianças. A Vila Vitória é resultado de um trabalho comprometido com a dignidade da pessoa humana, com o desenvolvimento da criança, que chega debilitada e doente. Aos poucos com alimentação saudável, educação de qualidade, acompanhamento médico e o carinho da "família", ela se torna uma jovem cheia de vida. Como é o caso de Glaucia Michelle, que chegou pequenina ao Lar Suzanne e hoje, aos 18 anos segue com o projeto do salão de beleza "La Bella", que funciona na garagem do Lar e é fruto do apoio do padre Valeriano à profissionalização das jovens.

As casas se distinguem das demais Instituições, por se constituirem uma família, conforme o espírito do Bem-aventurado José Allamano, o fundador de duas Congregações missionárias. Abrigam no máximo 12 crianças, para que seja possível acompanhá-las individualmente. Nelas trabalham funcionários e voluntários que se dividem na manutenção e limpeza, cozinha, logística das crianças até hospital e colégio. Estão junto com as crianças também nas tarefas escolares, passam algumas noites na casa e controlam a medicação, que tem escalas e horários rígidos. "Eles são como meus filhos, eu cozinho, dou bronca, choro quando um vai embora", afirma Jurema Ralba, que começou como voluntária há 11 anos no Lar Suzanne e hoje é a cozinheira responsável pela alimentação da criançada.

O tratamento por vezes apresenta sintomas desagradáveis, por isso a presença carinhosa é essencial. Há inúmeros coquetéis e nem sempre a criança se adapta ao medicamento, há efeitos colaterais. "No começo foi difícil, eu chorava escondida, mas a gente supera tudo, a gente aprende muito com eles, a gente para de reclamar", afirma dona Olinda Rosa, que trabalha há três anos no Lar Suzanne.

A luta continua

O preconceito e a ignorância ainda são os maiores desafios na luta contra a Aids e padre Valeriano confirma: "ao dar palestras ouço perguntas que revelam como é grande a ignorância e a falta de informação, há muitos que ainda pensam que a Aids está ligada a grupos, mas hoje em dia, ela está presente em todas as camadas da sociedade. Estes preconceitos ainda são grandes e continuam", conclui.

No Brasil não há todos os tipos de coquetéis. Juliano chegou a Casa Siloé aos 8 anos e hoje reside na Vila Vitória. Aos 17 anos precisou de uma nova combinação de remédios, que não existia no país. A Sociedade Padre Costanzo importou a medicação por dois mil reais ao mês, e em paralelo entrou com um processo na Justiça contra o governo para garantir que os outros jovens fossem atendidos. "Conseguimos mais esta luta, depois de cinco meses, o governo passou a arcar com o medicamento e hoje ele recebe gratuitamente", conta aliviado padre Valeriano. E, continua, "temos que juntar as forças, nós, comunidade católica, igrejas cristãs, devemos continuar a pregar os valores evangélicos, porém, vamos acolher ou não criticar aqueles que têm uma missão mais ampla, como a Organização Mundial de Saúde, que me diz que o preservativo ainda hoje é o melhor método para ir contra a pandemia da Aids. Então eu tenho o direito e o dever de dizer também aquilo que a OMS diz para poder fazer frente a esta pandemia", desabafa o missionário.

De acordo com o último relatório apresentado nas Nações Unidas, cerca de 33 milhões de pessoas viviam com o HIV em 2007 no mundo. A taxa anual de novas infecções pelo vírus diminuiu nos últimos dez anos: enquanto em 1998, 3,2 milhões de pessoas foram infectadas, em 2007 este número caiu para 2,5 milhões. O número anual de mortes pela doença também diminuiu: de quase quatro milhões em 2001 para cerca de dois milhões em 2007. Embora a taxa mundial de novas infecções tenha baixado, o número de pessoas infectadas pela primeira vez aumentou em países como China, Indonésia, Rússia e Ucrânia e em alguns países da União Européia e América do Norte.


COMO SALVAR O BEBÊ

O risco de transmissão do vírus HIV da mãe para o filho diminuiu para 8% depois que se descobriu o tratamento com remédios (AZT). Os médicos aconselham todas as mulheres grávidas a fazer o exame. A mãe que possui o vírus não pode amamentar o filho. Você pode ajudar as crianças mantidas pela Sociedade Padre Costanzo Dalbésio, sendo um sócio colaborador.
Mais informações pelo telefone (11) 2256-7415



Mais informações sobre AIDS no Download

* Karla Maria, LMC, é estudante de jornalismo.

Este artigo foi publicado na edição Novembro 2009 da revista Missões.

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