2017, ano para esquecer

Triste ano, triste 2017, que nós vivemos, ou melhor, no qual, de um jeito ou de outro, sobrevivemos.

Por Selvino Heck*

2017, nunca mais. Igual 1968, quando assassinaram a democracia definitivamente.

1964 foi o golpe e suas consequências. E foi uma longa caminhada, passando pelo assassinato de 1968, até recuperar a democracia, ter eleições diretas para presidente, construir uma Constituição Cidadã, conquistar governos populares com Orçamento Participativo, políticas públicas com participação popular, ampliar os direitos dos trabalhadores, diminuir, ainda que pouco, a escandalosa concentração de renda, o Brasil estar (mais ou menos) próximo de um país com liberdade e democracia.
2016 foi o golpe e suas consequências, passando pelo assassinato de 2017. De novo, tudo indica que será uma longa jornada: revogar as Reformas anti-trabalhadores, diminuir a desigualdade econômica e social que voltou a aumentar, expulsar do poder os usurpadores do poder que usurparam, reconquistar a democracia.

Fora-Temer-DiretasFui (re)olhar/(re)visitar meu Livro-Agenda Latino-americana de 2017, cujo tema central é ‘Ecologia Integral – Reconverter tudo’-, para lembrar o que aconteceu e do que participei/participamos. A Agenda está cheia de acontecimentos, têm, rabiscados à mão, poemas dedicados a diferentes pessoas, mil reuniões, eventos, mobilizações, greves gerais, protestos e resistência crescendo em volume à medida que o ano avançava. A Agenda confirma um governo federal golpista cada vez mais rejeitado, tirando direitos, um governo estadual dos piores, incapaz de pagar em dia o salário dos servidores em dia, princípio básico de qualquer governante minimamente digno e competente, um governo municipal, de Porto Alegre, de apenas um ano, mostrando todo seu direitismo e perseguição aos servidores, enquanto a cidade está cheia de buracos, manifestações são proibidas por lei sob pena de multa pesada, enquanto as ruas se enchem de população em situação de rua sem qualquer atendimento.

Tanta coisa em 2017 e tão poucas coisas. Mas enquanto os dias e meses iam passando, a resistência foi aumentando, a população aos poucos foi abrindo os olhos e começando a distinguir quem é quem, Globos e RBSs da vida sendo gradativamente desnudadas em suas mentiras e manipulações. O ano foi de luta, sim. O ano foi de resistência, sim. Mas ainda há uma distância grande entre a necessária mobilização de massas para derrotar os poderes estabelecidos, sua arrogância, seu conservadorismo, sua opção pelos ricos e pela injustiça, incluindo o Poder Judiciário, o pior Poder, e o Sistema de Justiça, a capacidade de, nas ruas, exigir direitos, liberdade, democracia.

2017 não terminou, não vai terminar, como disse/escreveu Zuenir Ventura em livro sobre ‘1968, o ano que não terminou’. Há a democracia assassinada, há os direitos das/dos trabalhadoras/es e dos pobres em extinção, há uma Constituição Cidadã sendo espezinhada pelos mesmos que a fizeram e nela votaram, há a criminalização dos movimentos sociais, há a violência e a insegurança campeando soltas, há o assassinato crescente de lideranças de movimentos sociais em todos os cantos do país, há a miséria e o desemprego em crescimento, o Brasil podendo voltar a fazer parte do Mapa da Fome (de onde, segundo a ONU, tinha saído em 2014), há a corrupção deslavada e sem freios, apesar dos ‘cavaleiros da limpeza ética’ e sua cruzada sem lei, há uma Nação em destroços, praticamente desgovernada.

Triste ano, triste 2017, que nós vivemos, ou melhor, no qual, de um jeito ou de outro, sobrevivemos.

É verdade que a água bateu no queixo. Mas quem tem fé, e acredita na força do povo, tem esperança. A resistência também foi crescendo ao longo do ano: lutas, greves, indignação, mobilizações, protestos, até setores de Igrejas e de classe média, antes silenciosos ou silenciados, começaram a mostrar seu desconforto, seu repúdio a tudo o que está acontecendo, Comitês de Defesa da Democracia foram sendo criados. Isto é, a vida não acabou, a inércia não ganhou a batalha, a chuva voltou a molhar a grama, o grito e a chama da desobediência civil, da inconformidade, da voz que quer ser ouvida, dos abraços que se multiplicam, da solidariedade que está viva.

2017, apesar de tudo, não matou a esperança. Como sempre, como entre 1964 e os anos 1980, passando por 1968, o tempo se fez e refez, a história e a História tornaram-se passado. Mas é hora de passar por 2017, de esquecer 2017 de uma vez.

Que venha 2018! Com as bênçãos de todos os Deuses e Deusas, e com nossa providencial ajuda.

*Selvino Heck é deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990).

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