Sementes melhoradas para África, benção ou maldição?

Piero Morandini * e Ingo Potrykus **

Há um temor difundido nos meios de comunicação, no público e também entre os bispos de que as novas variedades de sementes farão os agricultores africanos economicamente dependentes das empresas sementeiras. Esta possibilidade pode ser verificada com as sementes, mas também com muitos outros produtos das biotecnologias, assim como para os de outras tecnologias diversas.

Muitos produtos de hoje são como as "caixas pretas". As pessoas não conseguem compreender o que acontece dentro (basta pensar nos celulares, na televisão, nos motores, etc) e por isto têm pouca ou nenhuma capacidade de repará-los ou de mudá-los de alguma forma. Para as tecnologias mais antigas o problema é menos sentido. Tomemos como exemplo uma bicicleta: consegue-se distinguir suas diferentes partes, como os pedais, as rodas e a corrente; podem-se desmontar facilmente e voltar a montar os freios e as rodas.

Em uma palavra, conseguimos entender e controlar melhor esta tecnologia, ainda que se tenha de admitir que não sabemos criar seus produtos por nós mesmos. Coisas como os computadores ou as sementes são muito mais complicados de entender, e em consequência somos menos capazes de criá-las ou ainda de apenas alterá-las.

Esta crescente dependência de quem proporciona a tecnologia pode não ser facilmente aceita, mas é algo irreversível e generalizado. E não deve ser considerado como negativo em si mesmo, já que permite obter benefício de tantas tecnologias, ainda que tenhamos pouco controle sobre elas. Seria, portanto, injusto expressar preocupação pela dependência só por quanto diz respeito às sementes e em particular para as sementes com os métodos das modernas biotecnologias (comumente chamadas geneticamente modificadas GM).

O problema da esterilidade
Um dos mitos que circulam há mais de dez anos sobre estas sementes se representou recentemente em um artigo na edição inglesa de ZENIT firmado por Robert Moyniham [1]. O mito sustenta que as sementes produzidas através das modernas tecnologias são estéreis. Isto precisamente é um mito.

Em primeiro lugar, todos os métodos de melhora genética criam e usam variabilidade genética para obter cultivos com características melhoradas (por exemplo, maior resistência a insetos, a condições adversas como escassez ou excesso de água, ou inclusive resistência aos herbicidas) e por isso todos os cultivos apresentam profundas modificações genéticas. As novas variedades melhoradas com as biotecnologias modernas se devem portanto definir melhor como cultivos geneticamente engenheirizados (GE), porque as modificações genéticas são mais precisas e predizíveis que as que se faziam no passado.

Segundo e mais importante ponto, nenhum cultivo GE comercial se fez estéril para impedir os agricultores de reutilizar as sementes.

Terceiro, muitos cultivos, especialmente nos países mais desenvolvidos, cresceram a partir de sementes comerciais. Os agricultores compram as sementes por diferentes e simples razões. Em alguns casos é a própria biologia da planta a que determina a eleição: muitos cultivos (como milho, beterraba, arroz, girassol e a maior parte das hortaliças) são tipicamente, ou com frequência, segundo as espécies, cultivadas como híbridos F1. Isto significa que as sementes usadas para semear são o resultado de um cruzamento entre dois progenitores que são parecidos (normalmente duas variedades da mesma espécie) mas diferentes por diversos caracteres, como por exemplo a altura ou o rendimento [2].

O resultado do cruzamento é em geral uma planta vigorosa, com frequência muito mais vigorosa que ambos progenitores, e os rendimentos aumentam muito.

O exemplo mais claro é o milho, em que os rendimentos podem aumentar inclusive 2-3 vezes com respeito aos progenitores não híbridos. Infelizmente, o vigor do híbrido diminui rapidamente nas gerações sucessivas.

Por este motivo mais de 99% do milho cultivado nos países desenvolvidos é milho híbrido cuja semente os agricultores voltam a comprar a cada ano. Poderiam perfeitamente usar parte da colheita para semear no ano sucessivo, mas sabem que isto comporta uma baixa significativa do rendimento.

São portanto capazes de calcular a diferença entre as duas eleições (replantar a semente ou voltar a comprar nova semente) e a grande maioria decide voltar a comprá-las. Para outros cultivos, a situação está muito mais diversificada: o arroz e a colza crescem só em parte como híbridos, enquanto que para a soja e o trigo isto acontece muito raramente.

Inclusive quando um cultivo não é híbrido, os agricultores com frequência compram a semente porque sabem que a qualidade da semente é importante. Mas produzir boa semente é um trabalho duro. As sementes devem ser puras (sem sementes de herbáceas, por exemplo), devem germinar velozmente, de modo seguro e com uma porcentagem alta. Devem também estar livres de enfermidades (vírus, bactérias, fungos...) e insetos nocivos, ter um bom rendimento e ser capazes de suportar bem condições não ótimas como pouca chuva ou calor forte.

Se falta uma ou várias características a um pouco de sementes, então a colheita está em risco. Por isto há empresas cuja tarefa é a de produzir sementes de alta qualidade, de modo que tanto a empresa sementeira como o agricultor possam obter lucro.

Produzir estas sementes comporta gastos e portanto as sementes não podem ser simplesmente presenteadas, do contrário a empresa deixaria de existir. É o agricultor quem deve decidir se as sementes valem verdadeiramente o preço ou se produzem verdadeiramente o que custam. Com frequência portanto os agricultores fazem pequenas provas sobre novas variedades em uma ou duas estações seguidas antes de comprar uma grande quantidade para a semente. Primeiro querem verificar se a qualidade superior anunciada pela empresa corresponde à verdade.

Quando uma nova variedade encontra a aceitação dos agricultores, então podem estar seguros de que é uma boa variedade e de que o preço é razoável. Os agricultores - os compradores de sementes - são os que decidem se uma semente e a empresa que a produz terão êxito.

Segurança
Outro mito é que não há ainda dados para decidir se os cultivos GE são seguros para o homem ou o meio ambiente.

Após quase 15 anos de cultivos com fins comerciais (e mais de 25 anos de pesquisas sobre os cultivos GE), com um número de plantas cultivadas que gira em torno de 200 bilhões em uma superfície de 1 bilhão de hectares, podemos dizer que até hoje não houve danos maiores com respeito aos causados pelas variedades convencionais, e com frequência foram menores.

Várias academias nacionais e internacionais (Estados Unidos, Índia, Brasil, França, Alemanha, Inglaterra, Itália, China, México, a Pontifícia Academia das Ciências e a Academia do Terceiro Mundo) fizeram declarações a favor desta tecnologia.

Estas destacaram em particular os benefícios bem documentados e os potenciais para os agricultores pobres do mundo. Também numerosas sociedades científicas e organizações internacionais (WHO, FAO) (ver [3] uma lista longa mas incompleta) examinaram a questão e chegaram à conclusão de que, sobre a base da grande experiência acumulada e de milhares de publicações científicas, os cultivos GE não apresentam novos ou diferentes riscos com respeito às variedades convencionais e podem (e de fato o fazem) reduzir ou aliviar alguns dos impactos negativos da agricultura convencional.

O fato de que as plantas GE não compartilham novos riscos está ilustrado com o seguinte exemplo: Há diversas plantas tolerantes aos herbicidas que foram desenvolvidas com técnicas convencionais menos precisas e que foram aprovadas para os cultivos sem o longo e custoso processo requerido para as plantas GE (o processo inclui uma avaliação do risco e um processo de análise bem regulado que dura entre 5 e 10 anos com custos da ordem dos mais de 10 milhões de dólares). Estas variedades convencionais (por exemplo colza, girassol, arroz ou trigo) cultivadas sobre milhões de hectares apresentam o mesmo risco, e às vezes, a mesma modificação genética, que as plantas GE tolerantes aos herbicidas.

Benefícios
Em suma, os dados mostram de modo evidente que as plantas GE oferecem grandes benefícios. Os oferecem hoje em todo o mundo e de modo particular para os milhões de agricultores nos países em vias de desenvolvimento. De fato a grande maioria (90% de quase 13 milhões) dos agricultores que usam plantas GE são camponeses pobres dos países em vias de desenvolvimento, alguns dos quais em países africanos como Burkina Faso e África do Sul. [4]

Isto deveria ser matéria de reflexão para aqueles que espalham falsidades entre os africanos sobre as opções a sua disposição para o desenvolvimento agrícola. Os leitores indecisos são convidados a ler o livro de Robert Paarlberg Starved for Science. [5]

À luz do que se disse até agora cremos firmemente que não só é "uma obrigação moral permitir que estes países façam sua própria experimentação", como sugeria Pe. Gonzalo Miranda, professor de bioética na Universidade Pontifícia Regina Apostolorum, mas também que se lhes proporcionem instrumentos (a educação) para fazê-lo.

Também consideramos um luxo inútil, e por isso mesmo um pecado por parte dos países ocidentais, requerer uma regulação maníaca para esta tecnologia quando uma agricultura africana em parte estancada significa morte e desnutrição para muitos. A segurança alimentar para a África começa com produzir mais alimento. Agora.

* * *

* Piero Morandi é pesquisador de Fisiologia Vegetal e professor de Biotecnologias Vegetais Industriais na Universidade de Milão.

** Ingo Potrykus é presidente do comitê "Humanitarian Golden Rice" e Professor Emérito em Ciências Vegetais do Instituto Suíço Federal de Tecnologia.
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[1] Robert Moynihan, "In Africa, will new seeds bring a better life?" (ZENIT Oct. 5, 2009). Em espanhol: http://www.zenit.org/article-32972?l=spanish

[2] http://www.isaaa.org/Kc/inforesources/publications/pocketk/Pocket_K_No._13.htm

[3] Lista de Academias/sociedades científicas/ organizações que apoiam o uso de plantas GE.

http://users.unimi.it/morandin/Sources-Academies-societies.doc

[4] http://www.isaaa.org/resources/publications/briefs/39/executivesummary/default.html

[5] Robert Paarlberg. "Starved for Science: How Biotechnology Is Being Kept Out of Africa", Harvard University Press, March 2008.

 

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