Lúcio Alcântara *
Nascido em Fortaleza, Ceará, em 1909, ordenado sacerdote aos 22 anos, em 1931, o Pe. Helder Câmara exerceu os cinco primeiros anos de sua vida sacerdotal sob a orientação direta de Dom Manuel da Silva Gomes, então arcebispo, na capital cearense, dedicando-se à causa da educação católica; dos círculos operários, com atuação especial junto aos jovens e domésticas, em uma cidade, que ensaiava os primeiros passos no caminho da industrialização; destacando-se também por uma presença combativa nos meios de comunicação social.
Dom Helder Câmara - melhor dizendo, Padre Helder, como gostava de ser chamado - foi alguém que varou a História do Brasil no século XX como muito poucos conseguiriam fazê-lo, abraçando a causa dos humildes, praticando o que de mais essencial o cristianismo propõe, apelando às consciências para a tarefa vital de construção de uma sociedade solidária. Sempre com firmeza, jamais com violência.
Durante o Concílio Vaticano II, Dom Helder Pessoa Câmara, foi considerado o mais hábil articulador dentro do Colégio dos Bispos em prol da renovação profética da Igreja, preconizada pelo Papa João XXIII e em seguida pelo seu sucessor, o Papa Paulo VI. Após 28 anos de intenso trabalho no Rio de Janeiro, assumiu a Arquidiocese de Olinda/Recife, em abril de 1964, dedicando-se seus últimos trinta e cinco anos, como arcebispo titular e depois como emérito da mesma.
Na Arquidiocese de Olinda/Recife implantou uma linha de trabalho, cheio de novidades, em consonância com as decisões do Concílio Vaticano II, o maior acontecimento eclesial da Igreja Católica no século XX. Durante esse tempo rico e abençoado, dedicou-se também a proferir conferências em todo planeta, em prol da causa dos dois terços da humanidade, que viviam e ainda vivem na pobreza e da indigência.
Depois do lançamento do livro comemorativo, "O Peregrino da Paz", no dia do centenário do nosso maior conterrâneo, em conjunto com o Prof. José Cajuaz Filho e, no final de maio do ano em curso, mais um presente para o nosso leitor, com o livro, "A Ternura de um Pastor", sobre o nosso amado pastor, Dom Aloísio, Cardeal Lorscheider, Pe. Geovane Saraiva, pároco da Parquelândia e nosso bom amigo, com este livro: "Nascido Para as Coisas Maiores", cumpre um belo e maravilhoso papel, o de permitir que a mensagem e o espírito de Dom Helder, ainda tão atual, possam chegar aos mais jovens, que não tiveram a ventura de conhecê-lo. Mas, também, propiciar aos seus contemporâneos - muitos dos quais se viram impedidos de ouvi-lo ou de lê-lo, por obra e graça da obtusidade autoritária - a oportunidade de refletir sobre candentes questões que permanecem à espera de solução. Meus aplausos ao querido Pe. Geovane Saraiva!
Nesse sentido, a presente publicação recupera um pouco do muito que se perdeu quando, imaginando-se com o poder de congelar ideias e impedir sua difusão, a longa e densa noite do autoritarismo que se abateu sobre o País, que decidiu fazer de Dom Helder uma espécie de morto vivo: dele não se falar em hipótese nenhuma, na tola presunção de ser possível calar-lhe a voz e dobrar-lhe o espírito.
Que a iniciativa do Pe. Geovane Saraiva possa sensibilizar a nossa gente ao testemunho transparente e inspirador da figura de Dom Helder Câmara. Ao longo de noventa anos, ele marcou profundamente a Igreja no Brasil. Como testemunho destacado da Boa Nova da Salvação, em coerência com ideal de pobreza, proclamada pelas bem-aventuranças do Sermão da Montanha e vivida em sua radicalidade por São Francisco de Assis, Dom Helder tornou-se um símbolo da Utopia por um mundo fraterno, por um mundo de Irmãos.
Daquele corpo franzino, que se agigantava na pregação da fé e da justiça, daquela voz miúda, que se transmutava em possantes amplificadores na defesa da vida fraterna e da paz, ficaram o exemplo de dignidade pessoal, a lição de que há de ser perseverante na dura batalha pelo ideal em que se acredita e a certeza de que, mesmo na aridez do deserto, há espaço para semear e colher. Especialmente porque ele mesmo se encarregou de nos lembrar que, se "há quem tenha entranhas de posse", também "há quem tenha essência de dádiva".
Assim foi Dom Helder. Firme na opção de ultrapassar o assistencialismo e de clamar por justiça, não apenas apontou caminhos que levam a um mundo mais justo e humano, mas ensinou a melhor forma de percorrê-los: "É possível caminhar sozinho. Mas o bom viajante sabe que a grande caminhada é a vida e esta supõe companheiros. Feliz de quem se sente em perene caminhada e de quem vê no próximo um eventual e desejável companheiro".
* Lúcio Alcântara é ex-Governador do Ceará, ex-Senador da República, ex-Prefeito de Fortaleza e membro da Academia Cearense de Letras.