A Carlos Araújo, que amou Porto Alegre e a democracia.
Por Selvino Heck*
As ruas de Porto estão tristes. Antes, não faz tempo, eram cheias de ternura, alegria e luz. O Porto que um dia foi alegre está infeliz, muito infeliz.
Miséria, fome, insegurança rondam as ruas. Porto está carregada de sofrimento. Pessoas sem rumo, pessoas vendendo qualquer coisa a troco de banana em todas as esquinas para comer e sobreviver, crianças voltando a pedir esmola, o que não se via há muito tempo, pessoas atiradas nas calçadas, beiras de edifícios, prédios públicos, escolas e igrejas, mais parecendo saco de batatas ou meros sacos de dormir, pessoas sofrendo o frio do inverno e da geada no corpo e nos pés, pessoas maltratadas, pessoas, pessoas, pessoas, seres humanos.
Onde está o Porto do OP, esta sigla famosa no mundo inteiro, tanto que já nem se precisava dizer que significava Orçamento Participativo? Onde está o Porto cheio de gente e sonhos dos Fóruns Sociais Mundiais (FSM), quando todas e todos diziam, cantavam, proclamavam que ‘um outro mundo é possível’ (ainda é?)? Onde está a Porto Alegre consagrada como a capital da participação popular e da democracia?
Por isso, a Via Sacra, que acontecerá dia 23 de agosto, quarta-feira, a partir das 15h, pelas ruas do Porto não mais tão Alegre, faz todo sentido neste momento da história, 2017. Será o lançamento do Grito das Excluídas e dos Excluídos, Grito que acontecerá mais uma vez em todo Brasil no dia 7 de setembro. ‘Não esqueceremos’ é a palavra de ordem do Lançamento do Grito.
O Grito dos Excluídos e das Excluídas, organizado desde 1995 pela CNBB e pastorais sociais, proclama: POR DIREITOS E DEMOCRACIA, A LUTA É TODO DIA – Vida em primeiro lugar! E canta no seu hino: “As mulheres vão, os homens também/ Não pode faltar ninguém no Grito das Excluídas/ Os jovens vão, as crianças também/ Não pode faltar ninguém no Grito dos Excluídos” (Informações: www.gritodosexcluidos.org).
A Via Sacra e o Grito abraçam todas as cores, todos os credos, todas as lutas, todas as mobilizações, todos os sonhos, todas as utopias. É para chorar, mas não só para chorar. É para celebrar, mas não apenas para celebrar. É para gritar não, mas não apenas para gritar não. É para gritar sim, mas não apenas para gritar sim. É para convocar para a luta, mas não apenas convocar para a luta. Será do contra, mas não será só do contra. Será a favor, mas não será só a favor.
A cada Estação, um ou mais temas, com cantos, poemas, falas, anúncios e denúncias.
Primeira Estação, 15h, na Ocupação Mirabal, rua Duque de Caxias. A questão de gênero.
15h30m, deslocamento para a Praça da Matriz, a Praça de todos os Poderes.
Segunda Estação: Palácio Piratini, Poder Executivo, casa do governador. Estado e políticas públicas, serviço público, Fundações.
Terceira Estação: catedral. Opção pelos pobres, fé, macroecumenismo, libertação.
Quarta Estação: Palácio da Justiça. Justiça, corrupção, privilégios.
Quinta estação: Poder Legislativo Retirada de direitos, Estado mínimo, negociatas, balcão de negócios, especialmente no nível federal.
Sexta estação: Memorial do Ministério Público estadual. Dignidade e Direitos Humanos.
Sétima Estação: Teatro São Pedro. Desmonte das políticas culturais, diversidade.
17h, deslocamento até a Rua Borges de Medeiros.
Oitava Estação: Arcos do Viaduto da Borges, construídos nos anos 1930, hoje casa da população despejada e da população em situação de rua. Povo de rua, moradia.
Deslocamento, com tochas e velas simbolizando a paz, até a rua Andrade Neves, Centro.
Nona Estação: antiga Ocupação Lanceiros Negros. Direito à cidade, violência.
18h, deslocamento até a Rua da Praia, a rua que um dia foi praia e que nos idos do início dos anos 1980 foi o primeiro espaço de manifestação pelas Diretas-Já no Rio Grande do Sul.
Décima Estação: Esquina Democrática. Democracia, soberania.
Dia 23 de agosto,15h, a Via Sacra vai acontecer nas ruas de Porto, a Porto Alegre do rio Guaíba, a Porto Alegre do mais belo pôr de sol do mundo, da gente alegre, da gente comprometida, da gente da participação, da Porto Alegre do sonho e da utopia vividas e acontecidas.
A ressurreição dos excluídos e das excluídas, milhares e que estão voltando a ser milhões – sem terras, população em situação de rua, negros e negras, sem teto, povo LGBTT, desempregadas/os, recicladoras/es, carrinheiros, quilombolas, catadoras/es, indígenas, jovens pretos e pobres, povo da ECOSOL, trabalhadoras/es, todos os oprimidos e lascados que buscam e exigem vida, vida em abundância -, haverá de acontecer no Grito e na rua. Por isso, não será só dia de choro, mas também será de alegria, não será só dia de morte, mas também de vida e ressurreição.
Nas ruas de Porto, dia 23, a Via Sacra vai acontecer, e pode acontecer em qualquer cidade deste país-continente. Será futuro, será esperança. Será a favor da revolução dos direitos e da dignidade, da soberania, da igualdade, da democracia. Diz o hino do Grito: “O Brasil está sendo golpeado/ e o povo pagando o pato/ Saquearam a democracia/ sem direito à aposentadoria/ Saúde, educação/moradia e ter dignidade/melhorar a vida do povo/no campo e na cidade/ Por direitos e democracia/ a luta é todo dia.”
Todas e todos na Via Sacra do Porto dia 23 de agosto. Todas e todos no Grito das Excluídas e dos Excluídos dia 7 de setembro.