Egon Heck
"A notícia sobre a "alegria" da Famasul revela o recrudescimento da disputa ideológica, política, administrativo, parlamentar, judicial e midiática que já está em curso. Os povos indígenas e seus aliados mantém-se mobilizados com sólidos argumentos para impedir a consagração dos interesses capitalistas sobre as terras indígenas e dos trabalhadores."(Paulo G - 4/10/09)
O direito à alegria é sagrado e universal. Deveria até constar na declaração universal dos direitos humanos. Agora quando essa alegria se dá com a negação dos direitos coletivos de povos ou comunidades, então o nome é outro, é no mínimo sacanagem.
A corda e o acórdão
Quando os interesses de políticos e grupos econômicos tentam tripudiar sobre o direito dos povos indígenas, estão na verdade fazendo apenas uma leitura jurídica, insustentável quanto ao processo dos direitos dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul. Gostaria de trazer a análise que a esse respeito faz um dos maiores conhecedores em termos de legislação referente aos povos indígenas hoje no Brasil. Ele assim se expressa a respeito da "temporalidade", com a qual trombetearam forças da direita que seria o fim da demarcação de terras indígenas no Mato Grosso do Sul:
"A ânsia da direita em extrair as conseqüências nefastas e genocidas para os povos indígenas os leva a não considerar ou a menosprezar o seguinte tópico da Ementa do Acordão do julgamento da Petição nº 3388, que decidiu sobre a regularidade da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, elaborada pelo Relator, Min. Carlos Brito:
"11.2. O marco da tradicionalidade da ocupação. É preciso que esse estar coletivamente situado em certo espaço fundiário também ostente o caráter da perdurabilidade, no sentido anímico e psíquico de continuidade etnográfica. A tradicionalidade da posse nativa, no entanto, não se perde onde, ao tempo da promulgação da Lei Maior de 1988, a reocupação apenas não ocorreu por efeito de renitente esbulho por parte de não-índios. Caso das fazendas situadas na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, cuja ocupação não arrefeceu nos índios sua capacidade de resistência e de afirmação da sua peculiar presença em todo o complexo geográfico da Raposa Serra do Sol"
Este tópico da ementa aparece logo após o tópico que reconhece o marco temporal dos direitos originários dos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam como sendo o início da vigência da CF, em 5/10/1988. Isto significa que os invasores das terras indígenas não têm como pretender se legitimar nas terras que ocupam com base nas agressões e violências que praticaram e ainda praticam contra os povos indígenas.
E esta é exatamente a hipótese que há décadas massacram os Kaiowá/Guarani, no Mato Grosso do Sul, como oprimem vários outros povos indígenas."(Paulo Machado). Portanto pretender prender com uma corda às terras Guarani, através do referido acordão é no mínimo uma insanidade.
Sepé Tiaraju
Desde o mês de setembro Sepé Tiaraju, Guarani, é um dos 10 inscritos no livro de Aço dos Heróis Nacionais. Não vi, nem ouvi que algum dos 300 mil Guarani sobreviventes do massacre e que hoje estão em cinco países da América do Sul, tivesse se regozijado ou festejado a homenagem, justa, sem dúvida. Dos descendentes Estados coloniais querem muito mais do que reconhecimentos, que mais soam a dor de consciência pelo massacre perpetrado do que um gesto de reconhecimento de direitos, e principalmente de suas terras tradicionais, espaços vitais para sua sobrevivência com dignidade.
Os Guarani continuarão sua dura jornada histórica de resistência e luta, buscando cada vez mais articular e unir suas forças para a conquista de seus direitos. O mês de outubro é o mês especialmente dedicado aos povos da Grande Nação Guarani. Vários encontros e eventos estão sendo realizados nos diversos países em que vivem hoje. Na próxima semana será realizada uma Aty Guasu-Grande Assembléia Guarani na Terra Indígena Yvy Katu, um encontro com representantes dos diversos países no Paraná. O Encontro continental previsto a ser realizado com o apoio do Ministério da Cultura e vários outros ministérios e entidades nacionais e internacionais, seria realizaria na aldeia Guyraroka, foi transferido para início do próximo ano para Foz do Iguaçu. Está agendado o III Encontro Continental Guarani, previsto para se realizar no Paraguai no próximo ano. E assim a agenda de luta do povo Guarani vai se ampliando com um mundo cada vez mais solidário com sua causa.
Sepé Tiaraju certamente estará inspirando e dando força a seu povo nessa luta que continua tão desigual quanto em todo o período da invasão colonial. Os Guarani não precisam de um herói no livro de Ação. Precisam sim, o reconhecimento de seus direitos, o respeito e o reconhecimento de suas terras e seu teko - maneira de ser e viver Guarani.
Abrindo portas fechando estradas
Os Terena no Mato Grosso do Sul, decidiram por um ato de visibilidade à situação de morosidade e paralisação dos trabalhos de identificação de suas terras. Na madrugada de ontem fecharam as BR 163 e MS 162 para dizer ao país que os processos de identificação e regularização de suas terras estão inexplicavelmente paralisadas. "Queremos que demarquem logo nossas terras. Só queremos isso. E caso não houver continuidade, nós vamos demarcar nossas terras, do jeito que sabemos fazer", expressou um dos líderes.
Desta forma, fechando estradas, é que entendem poder abrir as portas para a continuidade dos trabalhos demarcatórios de suas terras. Enquanto a direita comemora os povos indígenas fazem avançar a esperança.