Campanha pelo desarmamento

Antônio Rangel Bandeira *

Morrem em média cem brasileiros a cada dia vítimas de arma de fogo. Essa é a conclusão de pesquisa feita nos dados do Sistema Único de Saúde de 2002, pela médica Luciana Phebo, de nossa equipe. Como resposta a essa realidade, que assusta e nos envergonha, a população apoiou, pressionou nas ruas, e o Congresso acabou votando o Estatuto do Desarmamento.

A nova lei prevê a realização de uma Campanha de Entrega Voluntária de Armas. Esse mês, governo e sociedade se uniram para realizá-la. Os objetivos da campanha são reduzir o número de armas de fogo em circulação, e conscientizar a população sobre o perigo que representa para a família manter uma arma em casa. Analisamos campanhas dessa natureza já realizadas em 23 países: 9 campanhas nas Américas, 6 na Europa, 5 na África, 2 na Ásia e 1 no Pacífico. Constatamos que umas deram certo, outras nem tanto.

A Austrália recolheu 600 mil armas, mas os Estados Unidos fracassaram no Iraque, por falta de legitimidade. Acompanhamos a vitoriosa campanha "Menos Armas, Mais Vidas", realizada pelo governo do Paraná, que nos últimos cinco meses recolheu mais de 20 mil armas. Essas experiências foram avaliadas pelo Ministério da Justiça, especialmente pela Polícia Federal, que elaborou um plano de ação participativa que tem tudo para dar certo. O modelo consiste em facilitar ao máximo a entrega de armas, estabelecendo-se uma anistia enquanto dure a campanha: não se pergunta a origem da arma, e indeniza-se armas registradas ou em situação irregular; inclusive as de número de série raspado, pois são as armas ilegais as preferidas dos delinqüentes e que mais nos interessam tirar de circulação.

A entrega é anônima, e só têm que dar um nome quem quiser ser indenizado. Não só as delegacias e quartéis serão locais de recebimento, mas também igrejas, ongs, associações de moradores e outras entidades que se credenciem junto à PF. No Paraná, as estações de rádio são as campeãs na recepção de armas. A campanha é uma ótima oportunidade para quem quer se desfazer de uma arma, porque poderá fazê-lo dentro da lei e receberá uma remuneração por isso. O Exército destruirá as armas recolhidas, o que responde à preocupação de muitos de que sua arma não seja desviada para o crime. Por outro lado, a partir de dezembro, quem possuir arma de uso proibido ou não registrada - e o registro custa R$ 300,00 -, estará cometendo um crime passível de prisão. Mas, não é apenas a ameaça de punição que está levando à formação de filas para a entrega de armas. É a consciência generalizada de que a arma dá uma falsa ilusão de segurança, e o interesse pessoal na indenização, para usufruto ou doação a uma instituição filantrópica, como tem sucedido.

Alguns mal informados, no entanto, criticam a campanha afirmando que ela "não vai desarmar os bandidos, mas apenas os homens de bem". A campanha não tem a ingenuidade de achar que bandido vai entregar arma. Ela visa exatamente o "homem de bem", cujas armas estão sendo roubadas pelos bandidos, vendidas a qualquer um, e cujos lares são cada vez mais cenário de suicídios e roletas-russas de adolescentes, homicídios conjugais e acidentes, principalmente com crianças. Em nosso país, de cada três pessoas hospitalizadas por ferimento com arma de fogo, uma foi devido a acidente (Phebo, SUS, 2002). A campanha busca precisamente fornecer aos "homens de bem"informações pouco difundidas, fruto das pesquisas já realizadas no Brasil e em outros países, e que concluem pelo alto risco de se manter uma arma em casa.

Mesmo tendo como alvo a proliferação de armas nas mãos dos "homens de bem", a campanha acaba afetando o bandido, pois o roubo de armas dos primeiros é uma das fontes que abastece o crime. A eficiente polícia chilena, denominada Carabineros, acaba de divulgar que, das 1.657 armas apreendidas com delinquentes no último semestre, 80% havia sido vendida legalmente para cidadãos sem antecedentes criminais.

A campanha é apenas um aspecto do Estatuto do Desarmamento. A maioria de seus 37 artigos se destina a fornecer às autoridades os meios para atacar diretamente, e com eficiência, o tráfico ilegal de armas e munições que alimenta o crime organizado. Mas, que não se subestime o potencial de uma campanha de desarmamento bem feita. Em Curitiba, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado, ela diminuiu em 31% os incidentes e crimes com arma de fogo. Na Austrália, reduziu em 36% os homicídios com essas armas. Como dizia a campanha realizada no Uruguai, "quem tem arma de fogo, tem um problema". A campanha brasileira está aí para comprar a sua arma, e ajudar você e sua família a resolver esse problema.

* Sociólogo do Viva Rio

 

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