Com os missionários aprendi que a Igreja é bem mais que um lugar de culto

Duas médicas portuguesas estão na Guiné-Bissau. Pediram licença sem vencimento e partiram por um mês com os missionários da Consolata, cujo trabalho no terreno consideram “fundamental”.

Por Ângela Roque

A internet e as redes sociais encurtam as distâncias e facilitam a comunicação. Que o digam Maria João Lopes e Eunice Carrapiço, que se encontram em missão na Guiné-Bissau. “Obrigado! Sabe muito bem, ao final do dia, perceber que continuam desse lado!”, escrevia há dias uma delas na página “Wanna Come?” do Facebook, onde vão dando conta do dia a dia em solo guineense: as dificuldades, as conquistas, o desejo de fazer mais. O que publicam é visto por quase cinco mil pessoas diariamente e os textos são quase sempre acompanhados de imagens.

wannacommeEunice tem 33 anos. Especialista em Medicina Geral e Familiar na Unidade de Saúde Familiar (USF) de São João do Estoril, é responsável pela formação, na mesma área, de Maria João, de 26 anos. A profissão juntou-as e a vontade de ajudar também.

Pode não ser a fé que as move. Maria João até se diz agnóstica, mas depois de ter estado com os missionários da Consolata, em 2013, na Costa do Marfim, percebeu que a Igreja é “bem mais do que um lugar de culto", e que é “fundamental” a ajuda concreta que estes homens e mulheres dão no terreno a quem falta quase tudo. Foi isso que a levou de novo a querer partir, desta vez com companhia. Para Eunice, esta é a primeira experiência de voluntariado internacional.

Partiram no dia 11 de março para esta missão de um mês. Andam por Bissau, Bubaque e Empada com as Missionárias da Consolata, nos Centros de Recuperação Nutricional e de Saúde. Aproveitaram uma pausa no trabalho, e a internet funcionar para responder, por email, às perguntas da Renascença.

O que é  levou vocês a partirem em missão nesta altura?
Não há uma altura certa, há uma vontade de querer partir. Quando eu, Maria João, manifestei que sentia que estava no momento de partir de novo, a Eunice respondeu: “Eu apoio-te… aliás, eu vou contigo!” E assim, passamos a ser duas a querer, e o desejo foi crescendo exponencialmente.

Eu já tinha anteriormente participado numa missão de voluntariado internacional, em 2013, também com os Missionários da Consolata. O destino dessa missão foi a Costa do Marfim, onde trabalhei num Centro de Saúde e Maternidade durante um mês.

Anteriormente, em Portugal, tinha participado em alguns projetos, como o Banco Alimentar contra a Fome. Para Eunice, esta é a primeira experiência de voluntariado.

Como médicas, consideram importante ter esta experiência fora do país? Que mais valia  traz?

A grande mais-valia desta experiência, na nossa opinião, relaciona-se com o enriquecimento pessoal e humano, com a somatória de vivências e de sentimentos que podemos experimentar, com as pessoas que conhecemos e com quem vivemos e não com o eventual benefício em termos de formação profissional. Não foi, de todo, isso que nos moveu ou move. Mas, sem dúvida, acreditamos que uma experiência como esta enriquecerá a nossa prática cotidiana.

E por que a Guiné Bissau como destino? Qual foi o critério de escolha?

Na verdade, não escolhemos! Quando decidimos que queríamos partir em missão conversamos com os Missionários da Consolata, explicamos em que tipo de projeto gostaríamos de participar e quais os nossos objetivos. Tendo isso em conta, partiríamos para onde fôssemos mais necessárias e deixamos a critério dos missionários essa decisão, uma vez que são eles que conhecem os diferentes locais onde as missões estão presentes e as reais necessidades de cada um.

Que apoios tiveram para organizar esta missão? Sei que levaram convosco material didático e medicamentos, por exemplo. Foi difícil conseguir ajuda?

A organização foi da responsabilidade dos Missionários da Consolata. Os custos de deslocação e estadia ficaram a nosso cargo. O material que angariamos foi cedido por duas empresas farmacêuticas e por amigos. Como não nos foi possível obter apoio para o transporte, acabamos por não pedir mais apoios, que acabaríamos por não conseguir trazer. Mas as pessoas foram muito generosas conosco, sem dúvida, e facilmente conseguiríamos mais materiais…

Agora, já no terreno, estão sendo apoiadas por alguma instituição?

Temos o apoio dos Missionários da Consolata e é com eles que colaboramos. Quer em Bissau, Bubaque ou Empada, os três locais por onde iremos passar, ficaremos sempre hospedadas com as Irmãs Missionárias da Consolata e trabalharemos nos seus Centros de Recuperação Nutricional. Em Empada, colaboraremos no Centro de Saúde, uma vez que, de momento, a população se encontra sem acesso a cuidados médicos.

Partiram por um mês. Era o vosso mês de férias?

Não, na verdade para este mês ser possível, estamos em licença sem vencimento.

E o que é que esperam conseguir fazer ao longo deste mês em missão?

Esperamos dar o nosso melhor e conseguir o que for possível, sempre pensando na melhoria dos cuidados de saúde prestados a estas populações.

Criaram o blog “Wanna come?”, onde vão dando conta do que estão a fazer. Qual é o objetivo? Esperam que isso ajude outros a também querer fazer voluntariado?

O objetivo da criação do “Wanna Come?” foi que esta missão não fosse apenas nossa, mas de todos aqueles que acessam ao nosso blog e ao Facebook. De fato, ao acompanharem o nosso dia a dia e as nossas vivências, esperamos que possam sentir esta missão como um bocadinho vossa. Não temos todos de partir numa missão internacional, mas podemos todos tentar perceber o que isso significa, ou contribuir de alguma forma. As redes sociais aproximam realidades e agilizam a partilha de experiências.

Para além dos textos têm partilhado também fotos e vídeos. As imagens ajudam a transmitir o que sentem?

Procuramos que as imagens sejam ilustrativas do nosso dia a dia, das emoções pelas quais passamos, do carinho com que somos brindadas diariamente. Procuramos mostrar o lado fantástico que África tem, o calor das pessoas, a calma da vida… Enfim, o que nos é transmitido.

Num dos textos que partilhou no blog, Maria João conta que quando foi em missão para a Costa do Marfim, em 2013, regressou “tão agnóstica” como quando foi, mas passou a ser “profundamente crente” no trabalho desenvolvido pelos Missionários da Consolata. Por quê? O que é que mudou na visão que tinha dos missionários e da Igreja?

Não tinha verdadeiramente uma visão dos missionários e não conhecia os Missionários da Consolata antes dessa experiência, em 2013. Com esta experiência percebi que a Igreja, e nomeadamente os missionários, podem ser fundamentais no terreno e que essa importância ultrapassa em larga escala as questões religiosas e a evangelização.

Na Costa do Marfim, em Marandallah, a grande maioria da população é muçulmana. Aí, conheci uma Igreja que luta por um povo, que vive com esse povo, independentemente das suas crenças religiosas, que o ajuda em áreas como a saúde ou a educação. Com os missionários aprendi que Igreja é bem mais do que um lugar de culto. Aprendi que se o dinheiro escasseia, que se constrói uma escola ou um centro de saúde e a missa pode acontecer debaixo de uma árvore. Criei a minha visão do que é ser missionário, uma visão empírica, baseada no que vi e vivi e que, admito, se afasta bastante da visão que tinha da Igreja.

Do que já experienciaram até hoje, que importância tem a presença de missionários católicos nesses países?

São fundamentais. Os Missionários da Consolata, que são o instituto que conhecemos, estão verdadeiramente onde ninguém quer estar, nos locais mais inóspitos, com as populações mais isoladas. Nesses locais, desenvolvem um trabalho maravilhoso ao nível da saúde, da educação – não só através da instrução de crianças e jovens, mas também da população no geral –, colaboram com as entidades locais e vivem nas comunidades.

Fonte: Renascença

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