Egon Heck *
Naquele dia agitado de final do ano de 2007, Farid e seu grupo Kaiowá Guarani decidiram retornar à um pedaço de seu território tradicional no município de Rio Brilhante. Já estavam acampados há quase dois anos, após serem expulsos, por jagunços, de um pedaço de suas terras na aldeia Lagoa Rica, município de Douradina.
Ficaram felizes quando ainda encontraram algumas árvores na beira do Rio Brilhante. Ali fizeram seus barracos. Mais tarde vieram mais famílias que foram recebidas com a alegre sombra da natureza. Começou a partir de então um longo período de espera. Cabia à Funai fazer a identificação e regularização da terra. O Ministério Público Federal, logo procedeu a um estudo preliminar, encontrando referências históricas e da expulsão dos índios deste local.
Lugar aprazível. Apesar da extrema carestia, da mínimo necessário para a sobrevivência, ali um pouco mais de uma centena de pessoas começavam um longo rosário de sofrimentos e esperança. Apesar de mortes por desassistência, atropelamento e mesmo suicídios diante das ameaças de expulsão, nada abalou a confiança e certeza do grupo: essa terra é nossa e nela queremos viver e ser enterrados como nossos antepassados.
Os dias foram passando e as ações e decisões judiciais se multiplicando. A cada pequena vitória uma celebração da vida. O espaço que efetivamente ocupam não passa de um hectare. Procuraram não ultrapassar os limites para não dar pretexto a pretensos proprietários.Em frente aos barracos apenas um pequeno pátio e um campinho de futebol. O espaço dos rituais ficou entre as árvores. No portão à beira da estrada um grupo de seguranças, bem armados, impediam a entrada de qualquer pessoa. Os índios tinham que varar através das lavouras uns mil e quinhentos metros até a estrada. Ali existe um acampamento dos sem terra. Com eles fizeram amizade e eram acolhidos nos barracos. Tinha até um ponto de reunião no barraco de dona Gloria. Tinha também algum barraco dos indígenas. Ali receberam dezenas de delegações nacionais e internacionais que vinham conhecer essa dura realidade. Colocavam os visitantes na garupa da bicicleta e os transportavam até o local da moradia. Vários representantes da imprensa também assim chegaram até lá. Dava gosto de ver aquele desfile de bicicletas transitando em meio ao milharal.
Fui visitá-los algumas vezes. Era uma alegria contagiante ver aquelas crianças brincando livremente à sombra das árvores. Ao mesmo tempo era visível a inquebrantável confiança que alimentavam cada dia com os rituais e reuniões. Os vários prazos de despejo foram vencidos com a força dos Nhanderu (líderes religiosos) como seu Olimpio, com quem partilhei muitos passos na Marcha pela Terra e pela Vida, de 110 quilômetros, no inicio de agosto. Tiveram no Ministério Público um apoio fundamental. Fizeram milhares de amigos pelo Brasil e pelo mundo.
Agora os barracos que alimentaram tantas vidas e esperança serão provisoriamente destruídos pela ganância e injustiça. A partir de amanhã eles esperam continuar recebendo mais visitas e solidariedade, à beira da estrada para onde estão sendo tangidos. Da sombra agradável que os acolheram serão obrigados a ir ao assombro do outro dado da cerca, até os poucos metros e uma das estradas mais movimentados do país, a BR 163. Ali animais e pessoas correrão o risco de morrerem atropeladas. Quem será o responsável?. Eles, juntamente com milhares de amigos e aliados do mundo inteiro clamarão por justiça. Com certeza poderão contar sempre com o apoio irrestrito e solidários dos amigos e companheiros do Cimi e muitíssimos outros que acreditam que vocês conquistarão vossos direitos e uma nova sociedade será possível e necessária.
* Egon Heck, assessor do Cimi-MS.