Em 8 de março de 1917, 23 de fevereiro do calendário russo de então, 90 mil trabalhadoras têxteis de Petrogrado, Rússia, entraram em greve, pedindo ‘Pão para os nossos filhos’ e ‘Retorno dos nossos Maridos das Trincheiras’.
Por Selvino Heck*
Em 8 de março de 1917, 23 de fevereiro do calendário russo de então, 90 mil trabalhadoras têxteis de Petrogrado, Rússia, entraram em greve, pedindo ‘Pão para os nossos filhos’ e ‘Retorno dos nossos Maridos das Trincheiras’, em meio a e por causa de uma grave crise política, econômica e social, durante a Primeira Guerra Mundial. Nas cidades reinavam a fome e a miséria. Milhões morriam ou eram feridos nos campos de batalha. A greve das operárias foi o estopim da Revolução de 1917. “As bandeiras vermelhas voltaram a tremular nos bairros populares. Foram recriados os soviets de operários e soldados. Era o fim daquele regime opressivo e secular, que cairia dentro de alguns dias” (Augusto C. Buonicore, As Mulheres e a Revolução Russa, www.altamiroborges.blogspot.com, 07.03.17).
A revolucionária comunista russa Alexandra Kollontai escreveu: “O Dia Internacional das Mulheres de 1917 tornou-se memorável na história. Nesse dia as mulheres russas ergueram a tocha da revolução proletária e incendiaram todo mundo. A revolução de fevereiro se iniciou a partir deste dia.”
Até 1921, cada país celebrava o dia das mulheres em datas diferentes. A unificação deu-se em 1921, à luz da greve das operárias têxteis de Petrogrado de 1917. Segundo Ana Isabel González, “foi para relembrar a ação das mulheres na história da Revolução Russa que o Dia Internacional das Mulheres passou a ser comemorado de forma unificada no dia 8 de março. A decisão da unificação foi tomada na Conferência de Mulheres Comunistas, coincidindo com o Congresso da Internacional Comunista, realizado em Moscou em 1921”.
Escreveu Lenin no jornal Pravda, em 8 de março de 1921: “A metade feminina da raça humana é duplamente oprimida pelo capitalismo. A operária e a camponesa são oprimidas pelo capital, mas primeiro, e acima de tudo, inclusive na mais democrática república burguesa, permanecem, primeiramente, privadas de alguns direitos, porque as leis não lhes concedem igualdade com os homens; e, em segundo lugar, - e este é o aspecto mais importante – permanecem escravas do trabalho doméstico. Continuam sendo escravas do trabalho doméstico porque são sobrecarregadas com a monotonia do mais mesquinho, duro e degradante trabalho na cozinha e nas tarefas domésticas familiares.” (O presidente golpista Michel Temer contradisse Lenin, dizendo que o papel da mulher é exatamente esse: ser ‘do lar’, ver os preços no súper e cuidar dos filhos. E o fez no Dia Internacional da Mulher, 8 de março de 2017, cem anos depois da Revolução Russa.)
As mulheres russas conquistaram o direito ao voto poucos meses depois, em julho de 1921, (para efeito de comparação: as mulheres brasileiras começaram a votar em 1932), seguidas pelas alemãs, austríacas, inglesas. A revolução russa impulsionou fortemente as conquistas políticas. Segundo Lenin, “esse é só um passo na libertação das mulheres. Mas nenhuma das repúblicas burguesas, incluindo as mais democráticas, se atreveu a dar o primeiro passo”.
As palavras, e a constatação, de Lenin são de 1921. A Revolução russa completa 100 anos em 2017. E, em boa parte, o quadro então descrito por Lenin pode ser descrito hoje no Brasil e no mundo com as mesmas palavras. A realidade continua praticamente igual.
Em alguns casos, a realidade ainda é pior ou pode piorar. Em 8 de março de 2017, milhares de mulheres (e homens) brasileiras foram às ruas para protestar e exigir direitos, igualdade. Diziam panfletos distribuídos em Porto Alegre: NENHUM DIREITO A MENOS. PELO FIM DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES. Machistômetro: o Machismo está em pequenas e grandes atitudes. Começa com piadas ofensivas, chantagear; passa por xingar, destruir bens pessoais, machucar, dar tapas; e termina por causar lesão corporal, mutilar e MATAR.
O Brasil está em quinto lugar no ranking de assassinatos contra mulheres. 2,9 milhões de brasileiras já sofreram alguma violência de gênero na Universidade. 13 é a média de mulheres assassinadas por dia no Brasil. 50,3% desses assassinatos foram crimes cometidos por conhecidos das vítimas. O mercado de trabalho é muito desigual entre homens e mulheres. 20,2% é a diferença de rendimento das mulheres em relação aos homens. 36,6% é a proporção de mulheres no mercado de trabalho. Os homens são ainda maioria, ocupando 63,4% dos empregos. Embora esses números venham melhorando, um relatório divulgado pelo Fórum Econômico Mundial mostra que, mantido o ritmo atual, somente em 2095 vai-se atingir globalmente um nível de paridade justo em termos econômicos e de oportunidades entre homens e mulheres.
Novas ameaças estão, não no horizonte, mas na porta. A Reforma da Previdência e Trabalhista do governo golpista vai acabar com direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores.
Os desafios de 1917, da Revolução Russa, continuam colocados no Brasil e no mundo em 2017. As operárias têxteis de Petrogrado, contudo, não lutaram em vão. Muitos direitos foram conquistados nestes 100 anos: direito ao estudo; ao trabalho remunerado, ao voto, aposentadoria, licença maternidade remunerada, documentação para as mulheres do campo, direito ao divórcio, e assim por diante.
A sempre presidenta Dilma Rousseff disse no dia 8 de março de 2017: “Todos os avanços foram conquistados com esforço, coragem e determinação. As mulheres sabem que a democracia é o lado certo da história”. Segundo Dilma, o governo Temer está desarticulando e fragilizando políticas de proteção à mulher. Os anúncios e conquistas da Revolução Russa – democracia, pão, trabalho, direitos – estão longe de estarem realizados, especialmente no Brasil, onde uma elite corrupta, antidemocrática e antinacionalista historicamente negou direitos e igualdade.
A luta das mulheres (e dos homens) continua. Novas, muitas e profundas Revoluções precisam e vão acontecer.