Papa a bispos: pode-se viver a alegria cristã ignorando o gemido das crianças?

Papa Francisco envia Carta aos bispos do mundo inteiro por ocasião da Festa dos Santos Inocentes, celebrada no dia 28 de dezembro.

Por Rádio Vaticano

"Hoje, entre o nosso povo, infelizmente, ouve-se ainda a lamentação e o pranto de tantas mães, de tantas famílias, pela morte dos seus filhos, dos seus filhos inocentes”: é o que afirma o Papa Francisco na Carta enviada aos bispos do mundo inteiro por ocasião da Festa dos Santos Inocentes, celebrada na última quarta-feira, 28 de dezembro.

papaencontromundialdasfamilias“Faz-nos bem ouvir uma vez mais este anúncio; ouvir dizer de novo que Deus está no meio do nosso povo. Esta certeza, que renovamos de ano para ano, é fonte da nossa alegria e da nossa esperança.” Como pastores – evidencia – “fomos chamados para ajudar a fazer crescer esta alegria no coração do nosso povo. É-nos pedido que cuidemos desta alegria”, exorta Francisco.

A nosso malgrado, o Natal é acompanhado também pelo pranto, observa o Pontífice lembrando que os evangelistas anunciam-nos o nascimento do Filho de Deus envolvido também numa tragédia de dor.

O evangelista Mateus apresenta-nos essa tragédia com grande crueza, citando o profeta Jeremias: «Ouviu-se uma voz em Ramá, uma lamentação e um grande pranto; é Raquel que chora os seus filhos» (2, 18). É o gemido de dor das mães que choram a morte de seus filhos inocentes, causada pela tirania e desenfreada sede de poder de Herodes.

Trata-se de “um gemido que podemos continuar a ouvir também hoje, que nos toca a alma e que não podemos nem queremos ignorar ou silenciar”, acrescenta o Santo Padre na Carta aos bispos.

“Contemplar o presépio, isolando-o da vida que o circunda, seria fazer do Natal uma linda fábula que despertaria em nós bons sentimentos, mas privar-nos-ia da força criadora da Boa Nova que o Verbo Encarnado nos quer dar”, observa o Papa, advertindo que essa “tentação existe”.

“Pode-se viver a alegria cristã, voltando as costas a estas realidades? Pode-se realizar a alegria cristã, ignorando o gemido do irmão, das crianças?” – pergunta-se Francisco.

“Hoje, tendo por modelo São José, somos convidados a não deixar que nos roubem a alegria; somos convidados a defendê-la dos Herodes dos nossos dias.” A coragem para a proteger dos novos Herodes dos nossos dias, que malbaratam a inocência das nossas crianças.

“Uma inocência dilacerada sob o peso do trabalho ilegal e escravo, sob o peso da prostituição e da exploração. Inocência destruída pelas guerras e pela emigração forçada com a perda de tudo o que isso implica. Milhares de crianças nossas caíram nas mãos de bandidos, de máfias, de mercadores de morte cuja única coisa que fazem é malbaratar e explorar as suas necessidades.”

Apenas como exemplo, hoje, por causa das emergências e das crises prolongadas, 75 milhões de crianças tiveram de interromper sua instrução, cita Francisco na missiva enviada aos bispos, trazendo outros dados:

“Vivemos num mundo onde quase metade das crianças que morrem com menos de 5 anos é por desnutrição. Calcula-se que, no ano de 2016, 150 milhões de crianças realizaram um trabalho infantil, muitas delas vivendo em condições de escravidão.”

“Segundo o último relatório elaborado pelo UNICEF – acrescenta o Papa –, se a situação mundial não mudar, em 2030 serão 167 milhões as crianças que viverão em pobreza extrema, 69 milhões de crianças com menos de 5 anos morrerão entre 2016 e 2030, e 60 milhões de crianças não frequentarão a escolaridade básica.”

Em seguida, o Santo Padre faz uma premente exortação aos bispos do mundo inteiro:
“Ouçamos o pranto e a lamentação destas crianças; ouçamos também o pranto e a lamentação da nossa mãe Igreja, que chora não apenas pela dor provocada aos seus filhos mais pequeninos, mas também porque conhece o pecado de alguns dos seus membros: o sofrimento, a história e a dor dos menores que foram abusados sexualmente por sacerdotes.”

“Pecado que nos cobre de vergonha. Pessoas que tinham à sua responsabilidade o cuidado destas crianças, destruíram a sua dignidade. Deploramos isso profundamente e pedimos perdão. Solidarizamo-nos com a dor das vítimas e, por nossa vez, choramos o pecado: o pecado que aconteceu, o pecado de omissão de assistência, o pecado de esconder e negar, o pecado de abuso de poder.”

Também a Igreja chora amargamente este pecado dos seus filhos e pede perdão, afirma o Papa aos bispos, expressando o desejo de renovar junto com eles o “empenho total para que tais atrocidades não voltem a acontecer entre nós”.

“Revistamo-nos da coragem necessária para promover todos os meios necessários e proteger em tudo a vida das nossas crianças, para que tais crimes nunca mais se repitam. Assumamos, clara e lealmente, a determinação «tolerância zero» neste campo”, exorta o Papa afirmando, ainda, que “a alegria cristã não é uma alegria que se constrói à margem da realidade, ignorando-a ou fazendo de conta que não existe”.

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