O clima alegre e esperançoso do Natal do Senhor favorece-nos a um bom mergulho no projeto de Deus.
Por Geovane Saraiva*
O clima alegre e esperançoso do Natal do Senhor favorece-nos a um bom mergulho no projeto de Deus. Para que essa esperança não seja passageira, somos convidados a contemplar o contexto misterioso da manjedoura, numa atitude de oração, louvor, agradecimento e súplica. Na missa da noite de Natal de 2016, na Basílica de São Pedro, o Papa Francisco falou de uma noite de glória, alegria e luz, e recordou as crianças que “jazem nas miseráveis manjedouras”. Disse que no Menino Deus “faz-se concreto o amor de Deus por nós”. Na simplicidade e fragilidade de um recém-nascido está Deus, e não na “sala nobre de um palácio”[1].
A contemplação do mistério do amor de Deus, visivelmente expresso na manjedoura, com toda sua forte simbologia, é claro que indica mudança interior. A reflexão do Santo Padre leva em conta as angústias e as dores, nas quais o mundo está envolvido, asseverando: “É um Menino que nos interpela e que nos chama a deixar as ilusões do efêmero para ir ao essencial, a renunciar às nossas insaciáveis pretensões”[2]. Francisco falou das manjedouras de dignidade, referindo-se às crianças refugiadas, migrantes, as que não nascem, as que não são saciadas e as que não têm brinquedos, mas armas.
O Sumo Pontífice alimenta no íntimo do coração o sonho de Deus-Pai: o do esforço por um mundo solidário, capaz de eliminar a indiferença, vendo-a como um dos males de nossos dias. Deixou claro o paradoxo do Natal como mistério de esperança e tristeza, falando do sabor da tristeza quando José e Maria encontram portas fechadas na hospedaria e tiveram que colocar Jesus numa manjedoura. O Natal tem sabor da esperança no mistério: “Deus, nosso enamorado, atrai-nos com a sua ternura, nascendo pobre e frágil no meio de nós”[3].
A palavra do Bispo de Roma é um forte grito e consequente clamor, querendo acordar a humanidade: “Jesus nasce rejeitado por alguns e na indiferença da maioria. E a mesma indiferença pode reinar também hoje, quando o Natal se torna uma festa onde os protagonistas somos nós, em vez de ser Ele; quando as luzes do comércio põem na sombra a luz de Deus; quando nos afanamos com as prendas e ficamos insensíveis a quem está marginalizado”[4].
Não nos cansemos de agradecer ao bom Deus, na busca permanente de dignidade de filhos, pelo coração terno, afável e generoso do Santo Padre, ele que encarnou, infatigavelmente, o projeto de Deus: o dos seres humanos renovados, livres e resgatados, cheios de esperança, numa incessante e indissolúvel conjugação de esforços, esperança essa que tem sua origem no mistério da manjedoura: da terra se confundir com o céu e o céu se confundir com a terra. Assim seja!
*Geovane Saraiva é pároco de Santo Afonso e vice-presidente da Previdência Sacerdotal, integra a Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza - geovanesaraiva@gmail.com
Homilia do Papa Francisco, Missa do Galo, Natal de 2016.
[2] Ibid
[3] Ibid
[4] Ibid