Gagueira não tem graça, gagueira é um problema social!

Conviver com a gagueira fez-me ser quem sou. Descobri que falar é uma forma de libertação dos sofrimentos da gente e que gagueira é um problema social!

Por Nei Alberto Pies*

Vivemos a ditadura da fala. Quem não fala bem, compromete suas possibilidades de inserção social e seu desenvolvimento humano. A sociedade brasileira ainda não assiste de forma correta e suficiente todas as pessoas que tem dificuldades de comunicação através da fala.

Toda discriminação, além de ser um problema pessoal para quem a sofre, é também um problema social. A gagueira, como outros tantos limites humanos, deixa marcas e imprime jeitos de resistir, para sobreviver socialmente. Os gagos ainda sofrem muito por falta de apoio e compreensão.

gagueira1Como eu, pelo menos 2 milhões de pessoas em todo o nosso país gaguejam de forma crônica (há anos ou décadas), conforme dados do Instituto Brasileiro de Fluência. Este dado corresponde a 1% da população, que, além de apresentar alguma forma de gagueira, sofre com o preconceito e desvantagens econômicas e sociais.

A gagueira, por ser um problema social importante, ganhou também um dia internacional: dia 22 de outubro.

A fala é o meio mais eficaz e mais utilizado para a nossa comunicação e interação social, porém não a única. Esta é a descoberta para alcançarmos reconhecimento social, através da comunicação.

Os gagos do Brasil precisam de apoio especializado e reconhecimento social. Se não falamos fluentemente ou temos algum grau de timidez para nos expressar, arranjamos jeitos de ser reconhecidos e valorizados socialmente por alguma outra habilidade ou virtude humana. O reconhecimento social é uma das maiores necessidades humanas.

Se não somos “experts” na fala, podemos ser bons na escrita, no canto, na música, na representação, no estudo, na convivência ou nas relações. A qualidade da nossa comunicação depende da interação de
todos, inclusive do apoio e compreensão que temos de dar àqueles que sofrem para se comunicar.

Os problemas de comunicação, em especial dos que sofrem com gagueira, constituem-se um problema social, uma vez que interessa a todos.

O ser humano é especialista em compensar. Sem compensar não sobreviveria, porque se não é possível ser bom em tudo, é necessário ser bom e útil em alguma coisa. Por isso a gente se faz gente “agarrando-se” ao que tem de bom, em coisas que tem facilidade e que nos rendam reconhecimento dos outros.

Todos precisam ser queridos, amados e promovidos através dos outros. O reconhecimento social é uma das maiores necessidades humanas, pois ninguém sobrevive se não comprovar para si mesmo o quanto é útil, importante, querido e estimado pelos outros.

A autoestima e autoaceitação são preponderantes para a cura ou convivência com a gagueira. A gagueira é influenciada por fatores neurobiológicos ou emocionais. Conhecer-se, estudar o seu problema, procurar auxílio e terapias, aumenta as possibilidades de conviver socialmente, sem maiores traumas.

É fundamental, ainda, assumir publicamente os limites da fala e da comunicação sempre que se puder. Assumir os limites da fala propicia discernimento e tranquilidade interior para lidar com os desafios de
se comunicar melhor. Quem fala se liberta.

Falar: forma mais concreta de nos apresentar ao mundo.

Falar é a forma mais concreta de nos apresentar ao mundo. Por isso mesmo, falar pressupõe primeiro aceitar-se como se é para depois buscar o reconhecimento junto aos outros. Também por isso que podemos afirmar que falar impõe-se como uma ditadura na comunicação.

A felicidade de “seres falantes” alicerça-se tanto nos fracassos e limites como nos êxitos e nas conquistas, pessoais e coletivos.

Uma boa convivência pressupõe a aceitação de todos os limites humanos e a superação de todas as formas de discriminação social.

Conviver com a gagueira me fez entender mais de humanidade. Passei a entender então que são as coisas que têm defeitos e as pessoas é que tem limites. Ao perceber-me no meio de milhares de pessoas que sofrem com problemas de comunicação através da fala, passei a defender a gagueira como problema social.

Se a comunicação depende tanto da fala, não deixemos que ela se transforme em ditadura! Façamos todos os esforços para ajudar os gagos que não desfrutam de tanta fluência na fala e saibamos reconhecer suas limitações.

*Nei Alberto Pies, professor, escritor e ativista de direitos humanos.

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