O grão de mostarda

Maurício da Silva Jardim *

Um amigo do Brasil perguntou-me porque deixei de escrever. Dei-me conta que nos primeiros meses, escrever era uma necessidade pessoal. Hoje, mais ambientado na cultura macua, se torna um desafio expressar o que sinto e vivo após um ano de missão em Moçambique.

Dizer o que para aqueles (as) que estão do outro lado do atlântico? Confesso que a tentação era expressar grandes coisas realizadas, curiosidades culturais ou os mega problemas sociais de miséria, descaso na educação e na saúde pública. Poderia também relatar o número impressionante de batismos, do acompanhamento ao projeto de construção de dez poços este ano, de iniciativas de auto-sustentabilidade, do sínodo africano ou da caminhada sinodal de cinco anos aqui na arquidiocese de Nampula, norte do país.

Nesta semana quando ouvi o texto de Mateus 13,31-32, comparando o Reino de Deus com o grão de mostarda, achei por bem falar e valorizar os pequenos gestos que silenciosamente fazem o reino acontecer. Acordei-me numa madrugada lembrando-me do chocolate, do feijão preto e do café que recebi de minha mãe no Brasil, dos telefonemas e mensagens dos amigos(as), das refeições com partilhas em nossa casa em Moma, dos momentos ao redor da fogueira para ouvir as novidades do povo, das visitas que chegam a nossa casa diariamente, das crianças que nos rodeiam e nos chamam de brancos com largos sorrisos e olhos brilhantes, do meio litro de sangue doado por uma visita da Itália a uma mulher com anemia profunda devido a situação de fome. Também penso nos pequenos gestos de partilha dos cristãos durante o momento do ofertório. Com danças trazem parte de sua produção de arroz, feijão, milho, amendoim, mandioca, galinhas e ofertam a equipe missionária.

Assim se continuasse poderia relembrar uma infinidade de grãos de mostarda. Eles são tão pequenos e silenciosos que passam por nós despercebidos. De outro lado situa-se na cultura dominante a lógica do mega, do big, do extraordinário, das cifras, da eficácia, do lucro e do espetáculo que produz visibilidade, impacto e barulho. Onde se coloca o valor da pessoa nesta lógica? A criança, o pobre, o velho e o doente onde se situam? Consciente ou inconsciente quando colocamos esta lógica no primeiro plano, passamos facilmente por cima das pessoas e nos esquecemos do grão de mostarda ou da célebre frase de Jesus: " Buscai primeiro o Reino de Deus e sua justiça e tudo vos será dado por acréscimo"(Mt6,33).

Voltemos nosso olhar a Jesus que aponta o valor das pequenas coisas que se tornam grandes na lógica evangélica. "O grão de mostarda é a menor de todas as sementes, contudo quando cresce, torna-se uma árvore, vêm os pássaros e se aninham em seus ramos" (Mt13,32). Os preciosos grãos de mostarda são encontrados em espaços de intervalo da informalidade gratuita de nossas agendas lotadas. São nestes momentos aprazíveis de gratuidade que conseguimos ver o pequeno e perdido grão de mostarda que outrora estava sufocado pela tentação da visibilidade de projetos ou planos faraônicos que fazem barulho e produzem impacto.

Hoje, na oração da manhã celebramos o dia de santa Marta, a ativa, preocupada e inquieta hospedeira que descobriu na visita de Jesus que o essencial da vida do discípulo é a escuta da palavra de Deus: "uma coisa é necessária". O pequeno grão de mostarda estava passando despercebido na atitude de Marta em fazer grandes coisas. "Marta, Marta...." . Na África estou apreendendo com os pequenos que o importante não é fazer grandes coisas, mas pequenos gestos com grande amor. Será que não são paradoxais e esquizofrênicas nossas posturas que sufocam os pequenos grãos de mostarda? Repito: "uma coisa é necessária e Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada" (Lc10, 42).

* Padre Maurício da Silva Jardim, da arquidiocese de Porto Alegre é missionário do Projeto Igrejas Solidárias Regional Sul 3 da CNBB - Moçambique - Amazônia.

 

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