Kathleen Naab
Entrevista com o Pe. Thomas Williams, professor de Doutrina Social
A nova encíclica não é uma vitória nem da esquerda nem da direita, e sim um convite aos homens e mulheres de boa vontade a "explorar ativamente novas vias para promover o desenvolvimento sustentável", afirma o Pe. Thomas Williams, LC, professor de Doutrina Social na universidade Regina Apostolorum de Roma.
O Pe. Williams deu uma entrevista à Zenit sobre a Caritas in veritate, a terceira encíclica, por muito tempo esperada, de Bento XVI, que trata do desenvolvimento humano integral como chave para compreender a doutrina social católica.
Na entrevista, o Pe. Williams explica onde a Caritas in veritate coincide com a tradição da doutrina social e o que acrescenta.
--O que Bento XVI procura conseguir com esta encíclica?
--Padre Williams: Ele deseja conseguir várias coisas. Em princípio, pretendia-se que esta encíclica aparecesse há dois anos, em comemoração do 40º aniversário da encíclica social Populorum progressio, de Paulo VI (1967). Várias dificuldades surgidas, incluindo os deficientes primeiros rascunhos do documento e a crise econômica mundial, acabaram atrasando significativamente a publicação do texto. De qualquer forma, Bento XVI sublinhou algumas importantes contribuições da encíclica de Paulo VI, que é notavelmente difícil de ler e compreender.
O Papa destaca, por exemplo, a insistência de Paulo VI em que o Evangelho tem um papel indispensável a desempenhar na construção de uma sociedade conforme com a liberdade e a justiça. Da mesma forma, indica a importante ênfase que Paulo VI faz com relação à dimensão global da justiça social e ao "ideal cristão de uma única família de povos".
--Isso explica a sugestão do Papa de que a Populorum progressio merece ser considerada como a Rerum novarum do tempo atual?
--Padre Williams: Em parte, sim. Mas fundamentalmente, talvez, Bento XVI é consciente de que a grande encíclica de Leão XIII trata especificamente do problema econômico da revolução pós-industrial e a proposta socialista a este problema. Leão XIII respondeu afirmando o direito natural à propriedade privada, os defeitos radicais da solução socialista e a necessidade que os sindicatos têm de trabalhar como força contraposta à dureza do sistema capitalista.
A Populorum progressio, por outro lado, sublinhou a ideia central do desenvolvimento humano integral, um conceito mais amplo que o enfoque especificamente econômico da Rerum novarum, e que Bento XVI assume plenamente na Caritas in veritate.
Bento XVI observa que somente uma compreensão mais plena do bem da pessoa humana e da sociedade podem proporcionar o fundamento necessário para chegar a uma autêntica sociedade justa. Isso inclui não só a dimensão econômica do homem, mas também suas dimensões cultural, emocional, intelectual, espiritual e religiosa.
Reivindica vivamente que toda a Igreja, em todo o seu ser e agir, está comprometida em promover o desenvolvimento humano integral. Isso tem sentido, claro está, somente quando compreendemos o desenvolvimento humano no contexto da vocação temporal e eterna da pessoa humana.
--Esta encíclica será vista como uma vitória da esquerda ou da direita?
--Padre Williams: O magistério papal acertadamente esquiva as categorias de esquerda/direita ou conservador/liberal. Honestamente, há muito nesta encíclica que, lido isoladamente, poderia ser usado para apoiar uma ampla variedade de posições, incluindo posições opostas.
A respeito disso, é especialmente importante prestar atenção na própria petição de Bento XVI de que a encíclica seja lida no contexto da contínua tradição da doutrina social da Igreja, ao invés de separada dela. É importante também, como os papas sempre insistiram, interpretar que partes da encíclica pertencem à contínua proclamação dos princípios fundamentais da Igreja para a justa organização da sociedade e quais representam sugestões contingentes para alcançar estes fins.
Bento XVI declara que o objetivo da renovação social é a conquista do desenvolvimento humano integral, de acordo com o bem comum. Tudo o que contribuir efetivamente para este fim será assumido e o que o impedir será descartado.
Por outro lado, enquanto pede a intervenção governamental nos mercados econômicos nacionais e mundiais, também indica que as soluções meramente técnicas e institucionais nunca podem ser suficientes e denuncia o esbanjamento de burocracias. Suas palavras deveriam servir como estímulo para os homens e mulheres de boa vontade para explorar ativamente novas vias para promover o desenvolvimento sustentável, tão necessário no mundo.
--Bento XVI identifica novos temas sociais a serem tratados no momento presente?
--Padre Williams: Ele indica alguns. Em primeiro lugar, o Papa retoma a forte declaração de 1995 de João Paulo II, segundo a qual os temas da vida, especialmente o aborto, substituíram a questão do trabalhador como o tema fundamental de justiça social da época contemporânea. Bento XVI se refere várias vezes ao vínculo essencial que se dá entre ética da vida e ética social, e destaca a manifesta contradição que implica afirmar a importância da justiça e da paz, por um lado, enquanto são tolerados - ou inclusive promovidos - atentados ao mais básico direito à vida, por outro.
O pontífice também relaciona a liberdade religiosa com o progresso e o desenvolvimento humano. Condena o fundamentalismo religioso - especialmente em forma de violência de motivação religiosa e de terrorismo - como algo que acorrenta o desenvolvimento, enquanto ao mesmo tempo observa que "a promoção deliberada da indiferença religiosa ou o ateísmo prático" também afogam o verdadeiro progresso humano, promovendo uma caricatura materialista de um avanço humano carente de transcendência.
--Ainda que Bento XVI insista em uma compreensão mais ampla do desenvolvimento que a meramente econômica ou tecnológica, também dedica muitas páginas a estes aspectos do desenvolvimento. Não há contradição nisso?
--Padre Williams: Não. Bento XVI começa reiterando uma premissa muito querida pela tradição da Igreja: o progresso material nunca pode ser o único indicador do autêntico desenvolvimento humano. Dito isso, a prosperidade material é um componente chave dentro do verdadeiro progresso e também deve ser tratado. A Igreja nunca favoreceu a visão de que a pobreza econômica é um bem a ser buscado, mas sim um mal a ser superado, e Bento XVI desenvolve este ponto e explora possíveis medidas para conseguir isso.
A maneira como se consegue isso exatamente é, claro, uma questão muito debatida e o Papa se apressa em indicar que a Igreja "não tem soluções técnicas a oferecer". Insiste, no entanto, em que se precisa de uma transformação fundamental de atitude. O egoísmo sempre será o inimigo do desenvolvimento humano e está no centro de muitos dos problemas sociais e econômicos que o mundo moderno enfrenta.
Com tudo isso, a encíclica pode ser lida como um "grito do coração" do Papa por uma maior humanização dos mercados econômicos, dos regimes políticos e associações socioculturais, que exige, no âmbito pessoal, o abandono de uma visão pragmática em favor de uma consciência moral cristã bem formada. O que diz explicitamente com relação ao cuidado do meio ambiente pode ser aplicado a outros temas tratados na carta: "o problema decisivo é a solidez moral da sociedade em geral".