Karla Maria *
"Toda a Igreja precisa ser missionária, e para ser missionária precisa mexer nas estruturas. As Comunidades de Base ajudam a formar missionários para atuar de modo transformador na sociedade".
Sérgio Ricardo Coutinho é professor de Ciências da Religião da Universidade Católica de Brasília e atua principalmente com os temas: História da Igreja Católica, Concílio Vaticano II e Comunidades Eclesiais de Base - CEBs. Como assessor nacional das CEBs, Coutinho tem auxiliado na preparação e metodologia de trabalho que será utilizada no 12º Encontro Intereclesial, que ocorrerá em Porto Velho, de 21 a 25 de julho de 2009.
Com o tema "CEBs: Ecologia e Missão", e o lema "Do Ventre da Terra, o Grito que vem da Amazônia", o 12º Intereclesial espera reunir aproximadamente três mil delegados, representando mais de 80 mil comunidades espalhadas por todo o Brasil. Com o objetivo de trocar experiências e renovar seu compromisso com a Igreja, durante os dias na Região Amazônica os delegados visitarão hospitais, Casas de Detenção e conhecerão como vivem os garimpeiros e indígenas. Terão ainda a oportunidade de ouvir testemunhos como o da senadora Marina Silva, de dom Pedro Casaldáglia e de dois prêmios Nobel: Rigoberta Mechú (Guatemala) e Desmond Tutu (África do Sul).
Em preparação para o Intereclesial, e para o encontro com toda esta realidade, a coordenação da Ampliada Nacional orientou a realização de dias de formação para os delegados de todo o Brasil. Em uma de suas assessorias, durante a formação dos delegados do Estado de São Paulo, realizada em Itatiba, nos dias 7 e 8 de março, Sérgio Coutinho concedeu entrevista à revista Missões falando sobre sua expectativa com relação ao 12º Interecleial e sobre as CEBs no Brasil.
Os enviados a Porto Velho estarão em meio às discussões em torno de conflitos agrários, aldeamentos indígenas e agressão à cultura dos povos locais, devastação da floresta, agronegócio e implantação de usinas hidrelétricas e barragens. O que se espera destes delegados, tendo em vista tamanha complexidade daquilo que irá se discutir e viver durante o encontro?
Nós acreditamos que eles sejam multiplicadores de informações que estão sendo debatidas aqui, no encontro em preparação para o Intereclesial, e que tragam de Porto Velho pautas para o dia a dia em suas comunidades. Se as lideranças comunitárias, ou seja, os delegados, puderem estudar o texto base sobre o tema da Amazônia já é uma forma de se criar consciência, de que maneira podemos interferir no processo político. Como estas lideranças são capazes de gerar uma opinião púbica, achamos que este seja um processo em rede, que vai alcançando o maior número de pessoas, lógico que não é a totalidade, mas ajuda em muito a tomada de consciência e postura diante da questão. Encontros de preparação ajudam na formação de uma opinião pública. Espera-se, portanto, que os delegados multipliquem as informações e sejam formadores de opinião, em suas comunidades.
Por que realizar o 12° Intereclesial na Amazônia?
O Intereclesial na Amazônia vai fazer com que as Comunidades sejam de fato Comunidades Ecológicas de Base, e que haja preocupação com a vida como um todo. A vida que envolve o planeta, o cosmo, a solidariedade com outros seres vivos, com a necessidade de pensar a terra como uma comunidade viva. A CNBB já fez uma Campanha da Fraternidade em 2007 sobre a Amazônia e isso sensibilizou muitos cristãos católicos a serem missionários na região.
O que esperar deste encontro nacional das CEBs?
Estamos com uma expectativa muito grande, com uma metodologia muito diferente, vai ser o ver, julgar e agir, mas este Intereclesial vai privilegiar bastante o ver. Fazer com que os delegados destas comunidades possam ir lá e ver como é esta realidade, dialogar com esta realidade, obviamente vão ter que comparar com o lugar onde moram. Vão fazer esta comparação por meio do diálogo. Eu acho que o Intereclesial na Amazônia vai favorecer muito a tomada de consciência e a expectativa é que estes delegados possam voltar e fazer com que a Amazônia entre de fato na pauta nas comunidades.
As CEBs iniciaram suas atividades na década de 70, e tiveram papel fundamental na conscientização política e humana, durante a ditadura militar. Hoje percebemos que muitos setores da Igreja as vêm com um certo descrédito. O que são as CEBs?
As CEBs são a Igreja na base, uma CEB tem quatro elementos fundamentais em sua composição: fé, celebração da fé, comunhão e missão. Quando se fala de fé, fala-se do uso da Palavra com os círculos bíblicos, com uma leitura que faz a ponte fé e vida, um olho na Bíblia e outro na vida. O segundo elemento é a celebração semanal vivida em comunidade, este é o aspecto litúrgico, geralmente celebrado por leigos, como uma igreja ministerial, não porque as CEBs não querem padres, mas sim pela falta deles. Quando não há padres, os leigos assumem seu batismo e realizam as celebrações nas comunidades. O terceiro elemento é o Conselho Pastoral Comunitário, que seria a dimensão da comunhão, onde estão as representações de todos os movimentos e grupos. O Conselho é onde as pessoas sentam, debatem e tomam as decisões necessárias para a caminhada da comunidade. Por último, o elemento missionário. Não podemos misturar CEBs com movimentos e pastorais, estes são serviços e a Comunidade Eclesial de Base não é serviço.
Documentos publicados recentemente falam da necessidade de a Igreja recuperar o modelo CEBs de ser Igreja. Como recuperá-lo? É possível?
Para a Igreja recuperar isso é necessário que as paróquias vejam os quatro elementos das CEBs. Se isso acontecesse, teríamos uma Igreja seguindo Jesus de maneira central e mais forte, muito mais, do que simplesmente ficar fazendo um culto a Jesus, dando valor às questões transcendentais e emocionais, perdendo de vista as questões concretas da sociedade. O mundo está pegando fogo e o pessoal está olhando só para o céu. Tem que olhar para cima e para baixo, fazer esta ponte. Há também que se mudar aquela compreensão muito reducionista, que é pensar a paróquia como matriz. A paróquia é uma comunidade de comunidades e elas podem ou não ter uma capela, elas podem se reunir em um ginásio, num colégio, num centro comunitário. Se a gente compreender que Igreja é comunidade, então qual a menor estrutura desta Igreja? As comunidades, estas células são a inicial estrutura eclesial.
O Documento de Aparecida afirma que a Igreja precisa ser missionária. Como as CEBs assumem este chamado?
A missão é vista como um compromisso sócio-transformador, que é a missão de toda a Igreja, não exclusiva das CEBs. Todos os que se consideram Igreja tem esta dimensão missionária. O Documento de Aparecida ressalta isso, e as Comunidades Eclesiais de Base ajudam a formar estes missionários para atuar de modo transformador na sociedade.
Karla Maria, LMC, é estudante de jornalismo e colaboradora da revista Missões.
Publicado na edição Nº05 - junho 2009 - Revista Missões. www.revistamissoes.org.br