Crise política e econômica brasileira - análise da conjuntura

O sociólogo e padre François Houtart participou de reunião do Conselho Nacional da Comissão Pastoral da Terra - CPT no final de abril e fez análise da atual crise política e econômica brasileira.

Por Antônio Canuto

A reunião do Conselho Nacional da CPT, que teve início no dia 26 de abril e se estendeu até dia 29, teve como primeira atividade análise de conjuntura feita pelo conhecido sociólogo padre François Houtart.

Houtart, 91 anos, nascido na Bélgica, teve uma atuação relevante em diversos momentos da história, sobretudo em países da América Latina. Hoje ele vive no Equador.

Ele iniciou sua fala lembrando de Dom Tomás Balduino, de quem foi amigo. Esta é a primeira vez que ele tem oportunidade de estar com a CPT.

houtart1Começou dizendo que o que se vive hoje é uma decorrência da crise financeira que é mundial. Fruto de contradição entre o capitalismo produtivo e o financeiro.

O capitalismo financeiro tem suas instituições legais FMI, Banco Mundial e OMC, e ilegais, como os paraísos fiscais. Mais de um terço da economia mundial está nos paraísos fiscais. Lá estão as grandes reservas das multinacionais.

Cresce a dívida dos estados, o que se busca compensar com a diminuição dos gastos sociais. O povo paga a crise do capital financeiro, e o Estado gasta bilhões para salvar o sistema financeiro. Estamos chegando ao fim de um ciclo, vive-se uma crise do sistema, destacou Houtart.

A crise tem multifacetas que se expressam na crise alimentar. A especulação financeira jogou na crise mais de 150 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, o que significa fome.

“A crise financeira buscou outras fontes de acumulação. E uma delas é a da agricultura, a de compra de terras onde se pode dar a acumulação de capital, que é a lógica do capitalismo. E por isso é que se assiste em todo o mundo a uma contrarreforma agrária”, analisou o sociólogo.

Além da crise alimentar há a crise energética. A energia que a humanidade utiliza é totalmente irracional, há uma superexploração das fontes de energia que está levando ao esgotamento das mesmas.

Diante da diminuição das fontes, o capital busca outras fontes imediatas e uma delas é a agroenergia, como a produção de etanol da cana e do milho. É uma solução imediata para o capital. O que se busca não é uma solução para o ambiente, mas para a acumulação do capital. Esta nova investida do capital destrói o ambiente e expulsa comunidades camponesas.

Segundo Houtart, a crise atual é tão profunda e não vai encontrar solução no sistema capitalista, pois ele é a própria causa da crise. Tem que se buscar um novo paradigma para a economia, uma nova ordem econômica. A que está aí é responsável pelas mudanças climáticas, pela concentração de CO² na atmosfera e, ainda, pela destruição das florestas e dos oceanos, que são os que absorvem o CO². Hoje em dia a China é o país que mais emite poluentes no ar, mas em termos proporcionais os Estados Unidos está em primeiro lugar. Cada americano emite 20 toneladas de CO² no espaço por ano, enquanto que cada chinês emite 9 toneladas.

Outra irracionalidade do sistema se vê pelo sistema de transportes. São levadas mercadorias de um lado para outro, e não se produz localmente o que poderia ser produzido. Tudo é dominado pela lógica da acumulação do capital. Além disso, para Houtart, outra irracionalidade são os militares. Os EUA tem hegemonia total para garantir o acesso às fontes de energia e às matérias primas. As guerras acontecem por isso.

América Latina

Houtart ao analisar a crise na América Latina centrou-se nos países ditos progressistas, que combateram o neoliberalismo – Brasil, Venezuela, Bolívia, Equador, Argentina - em que o estado estava à serviço do capital, mas não atacaram a raiz do capitalismo. Foram pós-neoliberais, mas não pós-capitalistas. Trabalharam para a redistribuição da renda, na melhora das condições de saúde e educação, mas com políticas assistencialistas.

A crise que estes países enfrentam, segundo Houtart, têm explicações externas e internas.

Externas: 1. A queda dos preços das commodities, e a América Latina se tornou dependente delas. Enquanto os preços internacionais estavam altos tudo fluía. Com a queda esgotaram-se as reservas para aplicação em política sociais. 2. A desvalorização das moedas nacionais.

Internas: 1. O descompasso entre o discurso anticapitalista e a prática que continua capitalista. Os governos tem adotado o discurso de um capitalismo moderno, que é até aplicado por algumas empresas. Mas as externalidades dos investimentos - os danos ambientais e sociais – ficam por conta da natureza e do povo.

As medidas pós neoliberais foram eficazes com diminuição da pobreza Tem uma filosofia mais humanista, mas os alicerces capitalistas permanecem intactos.

Essas poliíicas pós-neoliberais foram únicas no mundo, mas não se transformaram em políticas pós-capitalistas. O perigo é a reconstrução conservadora, e isso começa dentro dos regimes progressistas. Fala-se em modernizar o país, os pobres melhoraram, mas os ricos não diminuíram a riqueza, pelo contrário, houve maior concentração. Por isso há, também, mais conflitos sociais e ideológicos, muitos deles com os movimentos indígenas, camponeses, operário e estudantil. Quando não se pode cooptar os movimentos existentes, criam-se movimentos alternativos oferecendo vantagens econômicas. Com isso mina a resistência das comunidades.

Os movimentos que apoiaram estes governos progressistas tinham esperança de mudança. Mudança que ficou embargada por que:

1. A força do sistema é grande e exige uma economia sacrificial, que se diz é o preço do desenvolvimento. As grandes empresas impõem suas leis aos governos. Chegam até assinar contratos e acordos, mas que nunca são cumpridos.

2. A mentalidade dos líderes que acham que emplacam um capitalismo moderno, mas que está sujeito à mesma lógica do capitalismo. A URSS destruiu mais a natureza que o capitalismo ocidental, pois tanto um como outro achavam que os recursos naturais eram inesgotáveis.

Como sair desta situação?

Para a construção de um socialismo não ilusório, de um novo paradigma, deve-se pensar a transição, definindo metas e os passos a serem dados. “Devem-se definir metas, não sob o trabalho de visionários e da academia, mas resultado do trabalho de base, acompanhado de reflexão teórica”, destacou Houtart.

Reforçar a autonomia dos movimentos sociais em todo mundo, com um trabalho de base, sistemático de médio e longo prazo, para que sejam atores sociais na construção do novo paradigma e que tenham autonomia diante do movimento político, também são ações que devem ser planejadas, na visão do sociólogo.

Igreja

Na América Latina, o Concílio Vaticano II e Medellín instauraram um período com forte caráter profética na Igreja, com a Teologia da Libertação. Período, porém, curto. Depois foi seguido por um período de restauração pré-conciliar. Esta restauração encontrou no Brasil mais resistência, mas foi se implantando.

Com o papa Francisco, novos espaços foram abertos e temos que os ocupar para retomar um novo período profético, contribuindo na construção de um paradigma não capitalista, como igreja, não como ator político. “Ela deve denunciar os efeitos do sistema e anunciar os valores do Reino, de modo concreto. A igreja tem papel importante nisso. Não gritando a verdade desde cima, mas vivendo com o povo. Para a construção mais adequada dos valores do reino”, concluiu o sociólogo.

*Antônio Canuto é secretário da coordenação nacional da CPT e do setor de comunicação da Secretaria Nacional da CPT.

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