Se a personalidade de Maria aparece nos relatos evangélicos, a sua ligação com a natureza, em geral, está nas suas aparições, que acontecem a céu aberto, raramente nos lugares santos e fechados.
Por Ronaldo Lobo*
Maio é o mês dedicado a Nossa Senhora e a espiritualidade mariana brota em todos os cantos. Nesta devoção carinhosa dos devotos, Maria ocupa um lugar preferencial entre todos os santos! Inegável que a piedade mariana é uma característica marcante da religiosidade popular latino-americana, e mais ainda, brasileira. Para os devotos de Nossa Senhora de Fátima é o mês dedicado a ela. Quem não lembra as nossas comunidades cantando ‘A treze de maio na Cova da Íria, no céu aparece a Virgem Maria’. Aos devotos da Aparecida, a concentração está nos preparativos para os 300 anos desta data extraordinária. A imagem da Aparecida está passando de diocese em diocese, Brasil afora. Sem dúvida, a devoção a Nossa Senhora da Conceição Aparecida é o coração da religiosidade popular brasileira, em todo país. Gostaria de refletir, neste espaço da espiritualidade, um pouco sobre a devoção mariana tendo no fundo a carta do Papa ‘Laudato Si’ e o tema da Campanha da Fraternidade deste ano, ‘O cuidado da casa comum’.
A sagrada escritura: o magnificat de Maria Lc 1,46-55
Os evangelhos contam-nos a vida de Jesus (e não de Maria), são escritos tardios, e são resultado de uma experiência pós-pascal da comunidade cristã. Eles não têm interesse em contar a vida de Maria em particular, no entanto, nos poucos relatos que aparecem, apalpamos um pouco da sua vida. A maioria dos textos marianos encontramos no evangelho de Lucas, pode ser que Lucas recorreu a esta fonte para escrever tais relatos. Maria que encontramos na anunciação dá o seu ‘sim’ somente depois de questionar e esclarecer umas coisas com o anjo e não antes. Depois, ela visita Isabel e partilha com ela as coisas que só passam dentro do coração de uma mulher e não com os homens. Se na anunciação o anjo a encontra na quietude de sua casa, no cântico de magnificat, o povo a encontra na explosão da sua personalidade revolucionária. Encontramos nestes relatos, uma mulher singela, mas forte e corajosa, que toma as atitudes concretas diante das variadas situações da vida.
Na sua oração diária, muitos devotos leem e meditam o magnificat. A mensagem de Maria que se esconde no cântico do magnificat é extraordinária, nem sempre divulgada e entendida. Maria do magnificat é uma mulher de pé no chão, corajosa, pragmática, confronta a realidade e vê como Deus age na história. Mais ainda, como Deus toma o partido dos fracos e pobres da história, os excluídos da sociedade, esmagados nas mãos dos poderosos. Em certo sentido há algo de revolucionário e tem influenciado muitas comunidades a buscar seus direitos. Segundo A. Murad ‘Maria nos inspira um jeito de ser cristão atual, da cidadania planetária. Ela nos abre uma trilha nova e desafiadora, que integra mística e consciência histórica, espiritualidade e compromisso ecológico-social’.
Muitas vezes tais traços desaparecem das nossas devoções marianas, fazendo de Maria uma personalidade meiga, doce e a senhora do silêncio! Jesus se torna o grande testemunho da maternidade da Maria, vejam os valores e virtudes plantados na personalidade de Jesus, que floresceram na sua vida pública! A sua ordem, diante de Jesus aos servos, no casamento de Caná da Galileia ‘fazei o que ele vos disser’ se torna um mega mandamento da vida cristã.
Maria e a natureza
Se a personalidade de Maria aparece nos relatos evangélicos, a sua ligação com a natureza, em geral, está nas suas aparições, que acontecem a céu aberto, na natureza e raramente nos lugares santos e fechados. Em Guadalupe, ela aparece ao Juan Diego numa Colina. Juan Diego, ia de madrugada do seu povoado para assistir a suas aulas de catecismo e participar da Santa Missa. Ao chegar junto à colina, chamada Tepeyac amanhecia e escutou uma voz que o chamava por seu nome. Ele subiu ao cume e viu uma Senhora de sobre-humana beleza, cujo vestido era brilhante como o sol, a qual, com palavras muito amáveis e atentas conversou com ele. Em Aparecida, foi no rio Paraíba. O rio Paraíba, que nasce em São Paulo e deságua no litoral fluminense, era limpo e possuía uma grande quantidade de peixes em 1717, quando os pescadores Domingos Garcia, Felipe Pedroso e João Alves resgataram a imagem de Nossa Senhora Aparecida de suas águas. Encarregados de garantir o almoço do conde, então governador da província de São Paulo, que visitava a Vila de Guaratinguetá, eles subiam o rio e lançavam as redes sem muito sucesso próximo ao Porto de Itaguaçu, até que recolheram o corpo da imagem. Na segunda tentativa, trouxeram a cabeça e, a partir desse momento, os peixes pareciam brotar ao redor do barco.
Não foi diferente em Lourdes e em Fátima. No dia 11 de fevereiro de 1858, num vilarejo de Lourdes, perto de uma gruta a Virgem Maria aparecia à Bernadete Soubirous, que foi buscar lenha junto com sua irmã e amiga. Chegando perto do córrego, ela percebe uma rajada de vento e, quando olha para a gruta, do outro lado, vê uma jovem, vestida de branco, com uma faixa azul, um rosário e duas rosas douradas nos pés. E em Fátima, no vilarejo de Cova de Íria. Lúcia, Francisco e Jacinta estavam apascentando seu pequeno rebanho e brincando num lugar chamado Cova da Íria. De repente, observaram dois clarões, e em seguida viram, sobre a copa de uma pequena árvore chamada azinheira, uma Senhora ‘vestida como sol’ de beleza incomparável. Apareceu-lhes no dia 13 de maio de 1917 e continuou aparecendo sucessivamente, na mesma data até o outubro de 1917, disse-lhes ser a Nossa Senhora do Rosário.
Seja numa colina, num rio, na gruta ou nos campos de pastagem, todos apontam-nos à natureza, onde Maria aparece e dá a sua mensagem. Hoje quantos rios são sujos, campos e grutas destruídos e colinas estão desmoronando pela ganância da humanidade perto das comunidades que veneram a virgem? Os devotos de Maria, junto com a sua devoção mariana, têm a obrigação de cuidar da mãe natureza. Mais ainda, vem à tona a devoção expressa em diversas maneiras, tais como: reza do terço, oração, canto, novena, consagração, festas, romarias, peregrinações, tudo feito com muito afeto. Vejam como tais momentos são adornados pelos dons e dotes da natureza: as flores, folhas, frutas, o espaço da natureza em si, as águas, os rios, as caminhadas nos bosques, a procissão nas estradas. E o que dizer das cidades que escolheram o seu nome homenageando a mãe divina? Hoje há no Brasil mais ou menos 200 cidades em nome de Maria, imagine o número das paróquias e comunidades a ela dedicadas!
Conclusão
Sejam os portugueses ou os espanhóis, ambos trouxeram tal devoção nas suas caravanas, e a partilharam com os conquistados. (Dizem que o próprio Pedro Alvares Cabral era um devoto de Maria, levando inclusive, consigo a imagem de Nossa Senhora da Esperança). Muitas vezes, Maria foi um elo entre os dois opostos: os conquistadores e os conquistados. Os colonizadores junto com a Igreja, sentiram-se protegidos da Virgem, a conquistar mais terras para a cristandade usando violência, destruindo a cultura indígena, desmatando a natureza e infligindo a violência. Por outro lado, os conquistados, embora colonizados e escravizados, na devoção mariana sentiram a sua proteção materna e acharam aconchego. A eles, Maria aparece seja nos montes ou nas águas trazendo a sua mensagem e consolo. Mais ainda, o fenômeno é o mesmo, se olhamos as grandes aparições de Fátima, Lourdes e dos outros lugares. Os santuários marianos, cada um com sua história do passado, acolhem milhares de pessoas todos os anos sendo verdadeiro símbolo da reconciliação.