A primeira mulher em dois mil anos da Igreja Católica

Irmã Simona Brambilla, Missionária da Consolata, assume o Dicastério para os Institutos Religiosos e Sociedades de Vida Apostólica.

Por Edson Luiz Sampel

Pela primeira vez na história bimilenar da Igreja Católica, uma mulher assume alta posição no governo eclesiástico. Uma freira, irmã Simone Brambilla, da Congregação da Consolata, conduzirá o importantíssimo Dicastério para os Institutos Religiosos e Sociedades de Vida Apostólica, órgão da cúria romana incumbido de orientar e fiscalizar o dia a dia de padres e religiosos ao redor do mundo.

O papa Francisco decerto inova sobreposse, contudo, tal “novidade” se alicerça na gênese eclesiológica, pois a Igreja, desde os albores, sempre foi sinodal, isto é, leigos e clérigos, em tese, poderiam compartilhar o exercício do poder na sociedade eclesiástica. Ao largo da história, fizeram-no em maior ou menor medida. No momento atual, o sucessor de são Pedro promove a efetiva participação dos leigos (juridicamente falando, toda mulher é leiga). Jesus Cristo, o Divino Fundador, atribuiu aos apóstolos e seus sucessores, os bispos, o múnus de governar a Igreja, pregar a palavra, administrar os sacramentos etc., porém, não com exclusividade para os membros do clero. Vislumbram-se vestígios da sinodalidade já na Igreja incipiente, empós da morte e ressurreição de Jesus, quando contemplamos os apóstolos temerosos, congregados no cenáculo com algumas leigas, especialmente com Maria santíssima, a mãe de Jesus (At 1, 12-14). Vale dizer, desde as origens da Igreja, os católicos caminhavam juntos (sentido da palavra “sínodo”); de certa maneira, governavam unidos uns aos outros.

Cuido que as oportunidades oferecidas aos leigos pelo papa Francisco têm dois objetivos. O primeiro deles é acentuar que o papel do leigo não se junge a animar e aperfeiçoar a realidade secular à luz do evangelho, com atuação extraeclesial na política, na economia, na cultura, etc., porquanto o leigo também possui uma missão a desempenhar dentro da Igreja, inclusive no exercício compartilhado do poder. O segundo objetivo, na minha opinião, visa à desoneração dos clérigos, concedendo-lhes mais tempo para que logrem cumprir seu desígnio típico e essencial à vida dos cristã ;os, ou seja, basicamente a administração dos sacramentos e a pregação da palavra de Deus.

A notícia da nomeação dessa freira é bastante alvissareira, sem dúvida. Nada obstante, percebe-se mesmo entre os leigos certa reação tímida, ou simplesmente o silêncio em face de um acontecimento historicamente tão relevante (quando não, a crítica). Isto porque os leigos, vítimas do clericalismo, não conseguem ver a si mesmos como pessoas ativas em determinados setores eclesiais, embora haja leigos juízes eclesiásticos, defensores do vínculo, chanceleres de cúrias etc., exercendo o poder. Quanto à hierarquia, gostaríamos de ouvir os bispos, máxime aqueles conhecidos como progressistas.

Irmã Brambilla conta com um eclesiástico (bispo) como pró-prefeito, mas, a última palavra cabe à freira, autoridade máxima do dicastério, como delegada do pontífice romano. Esperamos para logo a designação de um leigo como prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida. Até hoje somente clérigos geriram esse cargo da cúria romana, que cuida exatamente dos leigos.

Alumiado pelo Espírito Santo, o papa Francisco reforma a Igreja, resgatando o essencial. O bispo de Roma não cria nada de novo; ele tão somente põe em prática o ideário do Concílio Vaticano II.

Edson Luiz Sampel é Teólogo. Presidente da Comissão Especial de Direito Canônico da 116ª Subseção da OAB-SP.

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