Crise na Venezuela

Depois da proclamação de Nicolás Maduro como vencedor das eleições presidenciais no dia 28 de julho,  domingo passado, a crise na Venezuela agravou-se ontem, e o país permanece num equilíbrio frágil, à beira do precipício da violência generalizada.

Por Aien Nesci

O dia 30 de julho foi marcado por marchas massivas do chavismo e da oposição, num ambiente muito tenso. E enquanto o partido no poder investiga as acusações de uma tentativa de golpe de Estado, os seus oponentes persistem em ignorar os resultados, alegando fraude eleitoral, e proclamam-se como os verdadeiros vencedores da disputa.

Da mesma forma que tem acontecido desde o dia seguinte às eleições, a terça-feira foi repleta de declarações de governantes, líderes da oposição e pronunciamentos internacionais. Maduro fez três discursos importantes: um ao meio-dia, na Assembleia Nacional; outro à tarde, transmitida em rede nacional, e um ao anoitecer, no Palácio Miraflores, diante de uma multidão de seguidores. Edmundo González Urrutia e María Corina Machado, por sua vez, realizaram um grande evento em Los Palos Grandes, zona rica de Caracas.

Nos seus três discursos, Maduro insistiu no tema que ocupou a sua principal atenção nos últimos dois dias: os atos de violência ocorridos em algumas partes do país e pelos quais responsabiliza grupos criminosos alegadamente pagos pela oposição. Ele exibiu, inclusive em rede nacional, vídeos publicados nas redes de vários desses episódios de vandalismo. Por seu lado, não fez qualquer menção aos registros eleitorais, que ainda não foram publicados (a página oficial do Conselho Nacional Eleitoral - CNE - continua fora do ar).

Machado
Pelo contrário, Machado concentrou-se nessa questão e fez dela o foco dos seus discursos. A ex-deputada, que continua com o seu protagonismo absoluto apesar de não ter sido candidata nas eleições, gritou: “Acusam-nos que defender a verdade é violência. Violência é indignação. Desafiamos o CNE a entregar a ata, qual é o receio? Fizemos isso com as pessoas.” Às 19h13, em suas redes sociais, publicou uma página web na qual era possível ver os supostos minutos que dariam a vitória a González Urrutia por um percentual de 67% (7.119.768 votos) contra Maduro, com 30% (3.225.819 votos), com 81,21% da contagem completa.

Agitação
O clima durante todo o dia foi muito tenso. Houve motins e incidentes em várias partes do país, embora a violência não tenha sido generalizada. A Procuradoria da Venezuela confirmou que já há 750 detidos por vandalismo e um falecido: um oficial da Guarda Nacional Bolivariana, no estado de Aragua, que teria sido baleado no pescoço. Por sua vez, uma ONG chamada Foro Penal informou que há pelo menos 11 mortes devido à “repressão do Estado venezuelano durante a situação pós-eleitoral”. Até o momento desta edição, esta informação não havia sido confirmada por fontes oficiais. Inúmeros rumores e vídeos circulam nas redes sociais, nos quais tanto o partido no poder como a oposição se acusam mutuamente de agir com violência.

Apoio das Forças Armadas
Muitos seguidores de Machado pedem ao Exército Bolivariano que se torne um defensor da sua suposta vitória e se volte contra Maduro. Na verdade, na segunda-feira houve uma manifestação em frente a uma sede na cidade de Valência. Porém, na terça-feira, em outra das muitas declarações que houve, Vladimir Padrino López, ministro da Defesa e general-chefe da força, expressou seu apoio incondicional “ao presidente reeleito”. Numa conferência e rodeado por outros altos comandantes militares, afirmou: “Estamos simplesmente na presença de um golpe de Estado tramado novamente por estes fatores fascistas da direita extremista, apoiados por fatores imperiais, os americanos e os seus aliados e lacaios e sipaios”.

Em meio ao turbilhão de acontecimentos que ocorreram desde a manhã até tarde da noite, a Página/12 conseguiu acessar Miraflores e assistiu ao terceiro discurso presidencial do dia. Às duas da tarde, na Avenida Libertador, os torcedores chavistas já haviam começado a chegar. Com camisetas onde se lia “Maduro Ganhou”, bandeiras venezuelanas e bonés com o “gallo pinto” (lema do presidente na campanha), dançaram ao som da música que tocou nos últimos meses: “Viva a Venezuela, minha querida Pátria”, “Quem a libertou foi meu irmão Simón Bolívar”. Expressaram o seu apoio face à investida da oposição e celebraram o resultado de domingo. Sob forte chuva, centenas de “motorizados” também se juntaram à multidão, grupos de militantes organizados que circulam todos juntos em motocicletas, buzinando.

Maduro
“O fascismo na Venezuela não passará, não chegará, não retornará”, declarou Maduro na TV – em seu segundo discurso do dia – enquanto as pessoas marchavam em direção ao palácio. Ao conversar com os presentes, as respostas foram semelhantes: “Nicolás é o nosso presidente e o povo o elegeu novamente!”, “A Venezuela não quer ser governada pelos Estados Unidos!” Os slogans antiimperialista e “contra os nazistas” foram os mais ouvidos pela Página/12. Usando uma “boina bolivariana”, um idoso segurava um quadro com o retrato de Hugo Chávez, feito por suas próprias mãos: “Ele é meu eterno Comandante”, disse a este jornal entre lágrimas.

Na cobertura do quartel-general da Guarda de Honra Presidencial, na esquina oposta, dezenas de soldados com bandeiras contemplavam a abertura dos portões de Miraflores. Depois das seis horas, a militância entrou e encheu o jardim do palácio à espera que Maduro aparecesse na “varanda do povo”. Às sete da tarde, o líder chavista esteve presente e iniciou seu discurso cantando os versos do hino nacional venezuelano ao lado da militância. “Eu responsabilizo González Urrutia por tudo o que está acontecendo na Venezuela”, disse ele, acrescentando: “Chegou a hora da justiça”.

Afirmou também que será necessário “mobilizar o povo todos os dias, todos os dias, para marchar” e anunciou que em toda a Venezuela o sindicato “popular, policial e militar” garantirá a segurança. Em diversas regiões do país o Exército já está nas ruas. Quando se aposentou, seus seguidores começaram a sair, mas o acontecimento não terminou aí: ficaram dançando em roda ao ritmo dos jingles chavistas que continuavam tocando lá fora, num raro cartão postal de alegria em um dia muito difícil.

Cada hora que passa na Venezuela traz incerteza diante de um surto e, ao mesmo tempo, o desejo de que a tensão diminua, num país que já viveu fases recentes de violência. As atas (ou a sua ausência) continuam a ser uma das chaves, bem como o reconhecimento internacional relativamente ao resultado eleitoral. Enquanto isso, o futuro parece sombrio.

Fonte: IHU Unisinos

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