O caminho é o mesmo, mas a esperança de renovou. “Não ardia o nosso coração quando ele nos explicava as escrituras”? Ao final resulta que dois discípulos medrosos se convertem em dois missionários ardorosos!
Por Alfredo J. Gonçalves
No episódio evangélico dos discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35), subitamente um forasteiro põe-se a marchar com os dois fugitivos. Estes escapavam da cidade de Jerusalém, onde se dera a tragédia da cruz. Ali, o Líder havia sido condenado à execução reservada aos piores malfeitores, e logo suspenso no madeiro maldito, com sofrimento e morte atrozes. Por lá, não obstante os festejos da Páscoa, as coisas continuavam sombrias. Se o próprio Mestre tivera esse terrível fim, o que poderia ocorrer aos seus seguidores mais próximos? Melhor não esperar pela sorte, mas buscar refúgio em Emaús. No caminho, portanto, empreendiam uma travessia de medo e frustração, de fracasso e impotência. Andavam pensativos e cabisbaixos, certamente abatidos pelo trauma da dispersão, estupefatos pela traição e pelo desfecho final.
Quantos migrantes – fugitivos e refugiados da violência política, étnica, religiosa e ideológica; das mudanças climáticas cada vez mais extremadas e catastróficas, da pobreza, da miséria e fome – enfrentam atualmente a mesma travessia! São multidões provenientes da Síria, da Venezuela, da Ucrânia, do Afeganistão, do Sudão do Sul, da Etiópia, da Nigéria, de Moçambique, de Mianmar, do Haiti, da Palestina; de vários outros países da América Latina e Caribe, África e Ásia, para citar somente alguns lugares conflagrados. Em grande parte, seguem sem raiz, sem pátria e sem rumo, incertos, inseguros e inquietos quanto ao futuro. Passam a vagar pelos mares e desertos, pelas florestas e fronteiras, batendo de porta em porta, sendo recebidos em troca com preconceito, discriminação, hostilidade, xenofobia e rechaço.
Voltando ao texto bíblico, o forasteiro revela-se curioso no confronto com os dois fugitivos. Por que estão tristes, o que aconteceu, para onde estão indo, o que vão falando pelo caminho? Interessa-lhe o estado de seus rostos, o conteúdo de suas palavras, o rumo de seus passos. Na qualidade de desconhecido e estranho, reserva-se o direito de interrogar. Os fugitivos, encontrando um ouvido atento, põem-se então a narrar os recentes acontecimentos que levaram à morte o Nazareno. Inicia-se um diálogo entre os fatos brutos da vida cotidiana e as palavras da Sagrada Escritura. Coisa surpreendente: primeiro fala a experiência vivida, depois é que os relatos bíblicos entram em cena. Talvez porque a existência humana, com seus sonhos e esperanças, suas lutas e embates, derrotas e vitórias, já se encontre impregnada das sementes da Palavra de Deus. Disso decorre que esta última só venha a ser consultada e esclarecida na medida em que possa para trazer alguma luz e sentido aos fatos que tanto preocupam os fugitivos.
Fica evidente a metodologia do forasteiro. Antes de mais nada, oferecer tempo e espaço para o desabafo de quem foi golpeado pelos embates da existência e se encontra prostrado. Daí seu cuidado, sua sensibilidade, sua atenção e sua solidariedade. Nessas situações-limite da existência humana (separação, doença, fracasso, morte) nem sempre é fácil encontrar alguém predisposto a uma escuta qualificada.
Escuta que não se realiza com os ouvidos biológicos, mas com o coração. É assim que, no encontro e sempre a caminho, o forasteiro prepara um cenário para que aqueles cujas pernas foram quebradas pelas adversidades da vida possam voltar a ser sujeitos e protagonistas do próprio destino. Ele por seu lado, nesse cenário, contribui com a sabedoria e a orientação dos livros sagrados. Dessa forma, vida e Bíblia, reciprocamente iluminadas, podem dar-se as mãos para enfrentar os próximos movimentos.
Com isso, o forasteiro transfigura-se em irmão. Torna-se próximo de quem está necessitado, na exata medida em que se aproxima, caminha ao lado dos feridos, e se dispõe à cura e ao cuidado. Por fim, sendo agora um irmão, pode ser convidado à casa: “fica conosco, pois cai a tarde e o dia já declina”.
Efetivamente, o convite a entrar em casa exige um grau acentuado de relacionamento. Ninguém compartilha sua privacidade familiar com estranhos, a não ser depois de certa intimidade. Mas o forasteiro convertido em irmão vai além! Torna-se também anfitrião. De fato, tendo sido convidado igualmente à mesa, “tomou o pão, abençoou-o, depois partiu-o e o distribuiu a eles”.
Nisso revela imediatamente sua identidade: é o Senhor! O mesmo Senhor que hoje se faz forasteiro, irmão e anfitrião de cada migrante ou refugiado que se põe a caminho. O encontro com ele transforma a travessia da fuga e do medo em retorno alegre e entusiasmado. O caminho é o mesmo, mas a esperança de renovou. “Não ardia o nosso coração quando ele nos explicava as escrituras”? Ao final resulta que dois discípulos medrosos se convertem em dois missionários ardorosos!