O Centro Indígena de Formação e Cultura na antiga Missão IMC do Surumu acolheu nos dias 10 a 13 de abril um encontro para lançar a segunda parte do Projeto “Bem Viver” para toda a Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS).
Por Luiz Carlos Emer *
O encontro contou com a participação do gestor do Projeto e presidente da ONG Terra Brasilis, Dr. Reinaldo Francisco Ferreira Lourival, que vem colaborando há mais de cinco anos como parceiro dos povos Indígenas na questão do manejo de seus rebanhos.
Participaram mais de 100 pessoas entre coordenadores das quatro regiões da TIRSS, coordenadores do Projeto do Gado M+ (Projeto uma vaca para o Índio), Tuxauas (lideranças), pessoas que trabalham com o gado e jovens que estão se preparando para assumir o manejo do gado em suas comunidades. Participaram também alguns jovens indígenas técnicos formados em pecuária e jovens estudantes do Centro de Formação que estão se preparando em técnicas agropecuárias.
O Projeto “Bem Viver”, em sua primeira parte, que durou cinco anos, teve como objetivo construir algumas estruturas e oferecer assistência técnica para o melhoramento genético do gado. Este encontro foi para apresentar a segunda parte do Projeto que também terá a duração de cinco anos. O objetivo agora será continuar com a assistência técnica para melhorar a qualidade e a produção dos rebanhos, mas também iniciar estudo sobre possibilidades de um trabalho em conjunto entre as quatro regiões em vista da criação de uma cooperativa visando diminuir os custos no manejo do gado e maximizar o rendimento da venda do gado que necessita ser descartado para uma continua renovação do rebanho.
O coordenador do Projeto do gado M+ da Região Serras, Nilo Batista André destaca a importância do Projeto “Bem Viver” recordando que “o Projeto M+ já celebrou 44 anos de existência e veio como um presente de Deus para os povos indígenas através dos missionários e da Igreja de Roraima e que garantiu a conquista e a manutenção do território bem como a segurança alimentar e financeira destes povos. No entanto, este projeto tem passado por dificuldades de manutenção e crescimento registrando queda no número de cabeças de gado”.
Nilo Batista explica ainda que, o “Projeto Bem Viver”, com sua proposta de melhoramento genético do rebanho, “além de melhorar a qualidade do gado, vem estimulando os jovens indígenas a estudarem e se preparar como médicos veterinários e técnicos veterinários para logo assumir esta função levando nossa pecuária a um patamar mais profissional e produtivo”.
Cerca de 60% da população tem menos de 15 anos, o que constitui uma garantia para o futuro e, ao mesmo tempo, um desafio. Ao comentar sobre estes dias de encontro, o jovem indígena, Ronison Caetano Pereira, da Região Morro, diz que a iniciativa foi “uma ótima formação para ele que já está trabalhando com o gado em sua comunidade”. Segundo ele este projeto “abre novas perspectivas com a possibilidade de melhoria genética do rebanho e vai possibilitar planejar melhor o manejo da criação bovina na nossa comunidade que no momento vem sofrendo com a estiagem prolongada”.
A Presença dos Missionários da Consolata
Motivados pelo carisma ad gentes e com uma metodologia que une evangelização e promoção humana, os missionários da Consolata estão presentes em Roraima desde 1948, mas só em 1971 fizeram uma opção clara pelos povos indígenas. E em 1972 começaram a viver nas comunidades da TIRSS, no meio do povo. Uma mudança no estilo de evangelização. De uma perspectiva meramente sacramental, submissa aos poderes do latifúndio, para uma pastoral profética e libertadora vivida ao lado dos povos indígenas.
O marco referencial na luta pela libertação do território foi o compromisso “Ou vai ou racha”, quando os indígenas, em 26 de abril de 1977, reunidos em Maturuca, a 320 km de Boa Vista, decidiram dizer “não ao álcool, sim à comunidade”, iniciando o processo de organização que culminou com a criação do Conselho Indigenista de Roraima (CIR). Um compromisso que incluía a luta contra a invasão de garimpeiros e fazendeiros. Esse processo foi resultado de uma série de assembleias que começaram em 1977, na antiga Missão Surumu, onde ocorreu o encontro estes dias. Deve ser por isso que, em 2005, a igreja, a escola e o posto de saúde de Surumu foram incendiados, em um dos tantos ataques orquestrados pelos invasores.
Um grande impulso à causa indígena foi dado graças ao Projeto “Uma vaca para o Índio”, lançado em 1980, que forneceu 52 cabeças de gado a cada comunidade, que, por sua vez, ao fim de cinco anos, se comprometia a entregar igual número de cabeças a outra comunidade. Esta iniciativa, apoiada pela Igreja Católica e por muitos benfeitores, contribuiu para a criação de um rebanho comunitário de mais de 30 000 cabeças de gado, tendo-se assistido a uma diminuição do efetivo nos últimos anos.
Na TIRSS, uma área de 1,7 milhões de hectares, vivem mais de 20.000 indígenas Macuxi, Wapichana, Taurepang, Ingaricó e Patamona. O projeto bovino contribui estrategicamente para a ocupação e proteção do território, que foi homologado para uso exclusivo dos povos indígenas, em 2005, pelo Presidente Lula. Infelizmente hoje, os invasores não indígenas continuam representar uma ameaça à autonomia e à dignidade dos povos indígenas.