No exato momento em que os dois gigantescos cogumelos se levantaram tragicamente do chão calcinado das cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, terminou a Segunda Guerra Mundial. Mas não é exagero afirmar que terminou igualmente a paz mundial.
Por Alfredo J. Gonçalves
No exato momento em que os dois gigantescos cogumelos se levantaram tragicamente do chão calcinado das cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, terminou a Segunda Guerra Mundial. Mas não é exagero afirmar que terminou igualmente a paz mundial. Com efeito, se é verdade que as décadas seguintes à conflagração foram consideradas como “os anos de ouro do capital”, também é certo que esse período representa uma era assombrada por dois fantasmas colossais: a ameaça de um apocalipse atômico e a guerra fria, com espiões e contraespiões por toda parte. A famosa série de filmes “James Bond e 007” constituem um retrato vivo, embora unilateralmente distorcido, dessas décadas. Mas a pergunta que permanecia sombriamente sobre os chefes das nações e a cabeça da população era esta: como seguir vivendo em paz com esses dois espectros rondando praticamente todos os países do planeta, sendo eles alinhados ou não alinhados, respectivamente, aos Estados Unidos e à União Soviética?
O fato é que esses dois polos antagônicos não representavam apenas duas forças poderosas e ameaçadoras, com capacidade de reduzir a cinzas e escombros cidades e nações inteiras, mas sobretudo os dois gigantes da economia que, a passos acelerados, protagonizavam o processo universal da globalização, o qual havia sido poderosamente fecundado pela Revolução Industrial. O capital mercantil dos séculos anteriores tinha sido superado pela industrialização, e esta, por seu turno, tinha sido provada pela crise dos anos 1930. A partir da grande guerra, serão os USA e a URSS que vão comandar o mercado otimista. Desencadearão, porém, o temor belicoso da corrida armamentista, de um lado, e a disputa pelo domínio político-ideológico, de outro. A euforia do crescimento, com “milagres econômicos” em distintos países, coexiste com medos, ameaças e pesadelos de novos enfrentamentos que, se travados, representarão verdadeiras hecatombes.
A partir dos anos 1970, acaba-se a festa dos “anos de ouro”. Uma crise do sistema capitalista de produção bate à porta e se prolonga pelas décadas outonais do século XX e primaveris do século XXI. Começam a surgir expressões como “fusão de empresas em enormes consórcios e conglomerados”, “reforma trabalhista”, “terceirização”, “flexibilização das leis trabalhistas”, “uberização”, “mobilização das unidades de produção de acordo com a oferta de matéria prima e trabalho”, “mão de obra sazonal, informal, análoga à escravidão”, “migrações em massa e em todas as direções”, “massa sobrante e/ou descartável”, entre outras tantas mais ou menos sinônimas. Numa palavra, o capital industrial e financeiro compensa suas perdas, jogando sobre os ombros dos trabalhadores o ônus da crise, ao mesmo tempo que acumula o bônus em dividendos. Aqui entra em cena a figura do economista francês Thomas Piketty para demonstrar a extrema desigualdade social que vem caracterizado as últimas cinco décadas, com destaque para a obra Economia da desigualdade. O fosso entre o pico e a base da pirâmide social agrava-se de maneira progressiva, engendrando neste país, o que Jessé de Souza chama de Ralé brasileira.
Retornemos aos anos do pós-guerra (1945ss). Convém assinalar como os documentos da Doutrina Social da Igreja (DSI) acompanharam de perto essas décadas onde prevalecia o binômio da euforia e depressão. Em 1963, o Papa João XXIII publica a Carta Encíclica Pacem in Terris, sobre o tema da paz entre os povos. Diz o documento: “Corresponde plenamente aos princípios da justiça que os governos procurem promover o desenvolvimento humano das minorias raciais, com medidas eficazes em favor da respectiva língua, cultura, tradições, recursos e empreendimentos econômicos” (n. 96). Depois, ao abrir as janelas do Vaticano para a entrada dos “novos ares modernos”, convocando o Concílio, o pontífice convida a Igreja a voltar-se para os desafios do mundo contemporâneo. Dois anos após o término dos trabalhos conciliares, em 1967, o Papa Paulo VI publica a Carta Encíclica Populorum Progressio, sobre o desenvolvimento dos povos. O texto finaliza com um chamado ao “diálogo das civilizações” (n. 73), enfatizando com redobrado empenho que “o desenvolvimento é o novo nome da paz” (n. 76).
Desnecessário acrescentar que os demais ocupantes da cátedra de Pedro – João Paulo I e João Paulo II, Bento VI e o Francisco – se encarregarão de acrescentar como a justiça e o desenvolvimento integral constituem o terreno propício para a verdadeira paz. Além disso, de modo particular com o atual pontífice, ganhará ênfase o tema da preservação do meio ambiente e do cuidado com “nossa casa comum” (Laudato Si’, 2015)), como pressuposto indispensável para a convivência pacífica dos povos.