Dia da Fraternidade Humana

A fraternidade humana é muito mais do que a ausência de violência, de conflitos armados ou desarmados, de guerras; mas sim, a busca incessante de uma convivência pacífica.

Por Juacy da Silva

Conforme Resolução da Assembleia Geral da ONU em 20 de Dezembro de 2020, foi definido que em 4 de Fevereiro é o Dia Internacional da Fraternidade Humana e que este dia deve ser celebrado anualmente como uma forma de despertar a população mundial, as instituições governamentais e não Governamentais para a necessidade de promovermos a cultura da paz, em substituição aos conflitos, guerras e violência como mecanismos de resolução dos conflitos e que para tanto precisamos investir no diálogo, na mediação, na tolerância , enfim, na convivência pacífica, mesmo em meio a divergências e formas diferentes de pensar, sentir e agir.

Há poucos dias ou semanas escrevi dois artigos que foram publicados em diversos veículos de comunicação. O primeiro intitulado Fraternidade e Amizade Social, “emprestado” do título da mais recente Encíclica Fratelli Tutti, do Papa Francisco, que também é o Lema da Campanha da Fraternidade da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), deste ano de 2024, que é anualmente realizada pela Igreja Católica e a cada cinco anos de forma ecumênica juntamente com o CONIC e diversas Igrejas Evangélicas, sempre durante a Quaresma.

papa-pazAlém do tema, cabe destacar o lema da citada Campanha, em comemoração aos 60 anos de realização das Campanhas da Fraternidade, nos induz e conduz para uma reflexão quanto diz “vós sois todos irmãos e irmãs”, citação bíblica/evangelho São Mateus 23:8. Cabe-nos indagar: Será que somos realmente irmãos e irmãs, Diante de tanta exclusão, miséria e violência generalizada em todos os países, inclusive em nosso Brasil?

O outro artigo tem como título “Cultura da Paz e a não violência”, escrito em alusão ao Dia Mundial da Não Violência e da cultura da Paz, celebrado recentemente, sob os auspícios da ONU e de diversas organizações Internacionais e Governos nacionais, bem como Entidades de defesa dos direitos humanos, de solidariedade e que lutam pelo fim das guerras e a promoção da cultura da Paz, em todos os níveis de Ensino e todos os setores, grupos das sociedades e também, como primado para direcionar as políticas internas e internacionais dos países, combatendo,de forma efetiva a indústria da morte, que é representada pelo complexo industrial-militar em todos os países, principalmente nas diversas potências e super potências que fomentam guerras entre si e também guerras localizadas nos diversos países e continentes, visando apenas o lucro.

Na conclusão do último artigo propusemos mudar o milenar paradigma “si vis pacem para bellum” que traduzido significa “Se queres a paz, prepara-te para a Guerra”, criado pelo Império Romano há mais de dois mil anos e que ainda alimenta a corrida armamentista e o uso da violência , inclusive da violência extrema que são as guerras e que tem fracassado redondamente, por um outro paradigma que deve ser “Se queres a paz, estimule o diálogo, o entendimento, a não violência, enfim, estimule sempre a Cultura da Paz”.

Nesta oportunidade, voltamos novamente ao mesmo tema, tendo em vista que por resolução da Assembleia Geral da ONU 75/200, de 21 de Dezembro de 2020, foi aprovada a criação do Dia Internacional da Fraternidade Humana, a ser celebrado/comemorado anualmente em 4 de Fevereiro, como forma tanto de promover a tolerância religiosa, quanto também como mais um estímulo para promover a cultura da paz entre as pessoas, as instituições e também entre os países.

A primeira celebração aconteceu em 2021, tendo sido objeto de inúmeros pronunciamentos por diversos líderes mundiais, incluindo líderes religiosos, principalmente das religiões que tem mais adeptos entre as quais Cristãos, Muçulmanos, Hindus e de outras crenças, bem como inúmeros líderes políticos mundiais, inclusive presidentes e primeiros ministros dos países do G20, que representam mais de 80% do PIB mundial e também quase 100% da produção de armas e munições e do comércio internacional de armas, que fomentam as guerras e quase todas as formas de violência doméstica, social e dos conflitos armados.

Percebe-se nesses pronunciamentos uma grande dose de hipocrisia, pois se de um lado tais lideranças proferem discursos e pronunciamentos em favor da paz e condenando a violência e, de outro lado, seus países continuam fabricando, vendendo e gastando bilhões de dólares em armas cada vez mais mortíferas e de destruição em massa e que, anualmente, os gastos militares mundiais superam mais de 2,3 trilhões de dólares ou mais de 22 trilhões de dólares a cada década, promovendo sofrimento, destruição da infraestrutura física dos países e dezenas, centenas de milhares ou milhões de mortes, conforme dados apresentados no artigo anterior.

Além dos conflitos internos e das guerras entre facções do crime organizado ou terrorismo em várias partes/países do mundo, enquanto as organizações internacionais e diversos governos nacionais e a opinião pública se mobilizam contra a violência e as guerras, desde 24 de Fevereiro de 2022, estamos presenciando diariamente as atrocidades cometidas pela invasão da Rússia contra a Ucrânia, que em praticamente dois anos de uma Guerra insana, sem justificativa, apenas para exercitar suas pretensões territoriais imperialistas, já destruiu praticamente toda infra estrutura daquele país e obrigou o deslocamento forçado de mais de 8 milhões de pessoas, ou aproximadamente 20% da população total do país, conforme dados das agências humanitárias privadas ou nacionais e também do alto comissariado das Nações Unidas para refugiados e vítimas de guerras.

Imaginemos que uma Guerra dessas estivesse acontecendo no Brasil, 20% de nossa população seriam mais de 40 milhões de pessoas afetadas por um conflito bélico desta natureza.

De forma semelhante também enquanto o mundo tenta celebrar mais um Dia Internacional da Fraternidade Humana, estamos assistindo diariamente pelos diversos meios e veículos de comunicação as atrocidades da Guerra conduzida por Israel que, a titulo de exterminar o Hamas, grupo que luta pela libertação da Palestina e a garantia de um território para que o povo Palestino também tenha sua nação com território reconhecido por outros países, conforme diversas resoluções já aprovadas por Assembleias Gerais da ONU que indicam que a única solução para este conflito secular é a convivência de Judeus e Palestinos em dois territórios soberanos e independentes.

No dia 7 de Outubro de 2023, o Hamas promoveu um ataque terrorista de grande proporção dentro do território israelense, matando mais de mil pessoas, inclusive mulheres, crianças e outros civis, além de sequestrar mais de 220 pessoas.

Como resposta o Governo de Israel declarou Guerra total contra o Hamas, mas na condução desta Guerra verdadeiras atrocidades tem sido cometidas, encurralando não apenas os integrantes daquele grupo considerado como terrorista tanto por Israel quanto por outros países, mas também mais de 4,9 milhões de Palestinos que estão vivendo, há décadas em verdadeiros campos de concentração, impedidos, pela Guerra de receberem sequer ajuda humanitária, água, medicamentos e outros serviços essenciais para sobreviverem.

Nesses quase quatro meses de Guerra mais de 25 mil Palestinos já foram mortos, além de muito mais feridos, a grande, imensa maioria civis inocentes, incluindo crianças, mulheres e idosos que não são terroristas, da mesma forma que a grande maioria da população das favelas e morros dominados pelo narcotráfico e milícias no Brasil são pessoas trabalhadoras e não integrantes do crime organizado.

Imaginemos que para combater o crime organizado, as milícias e traficantes, as forças policiais e de segurança lançassem indiscriminadamente bombas, tiros de canhão, destruíssem casas/barracos, impedissem a população que vive nessas áreas de sair das mesmas? Qual o nome que daríamos para isso? Será que a política de terra arrasada, como está ocorrendo na Palestina e na Ucrânia e em todas as guerras é uma forma de buscar a paz?

A fraternidade humana é muito mais do que a ausência de violência, de conflitos armados ou desarmados, de guerras; mas sim, a busca incessante de uma convivência pacífica, da construção do diálogo e da renúncia de todas as formas de violência na busca da paz, do entendimento.

Por isso, é fundamental que as pessoas, as instituições, os governantes e também as organizações internacionais envidem esforços na busca da justiça, da justiça social, da Justiça ambiental, da justiça inter geracional, que as desigualdades, a exclusão, a discriminação, o racismo estrutural, os preconceitos, a intransigência e todas as formas de intolerância, de ódio, de concentração de renda, riqueza e propriedade sejam combatidas.

Só assim estaremos promovendo a verdadeira CULTURA DA PAZ, de sociedade mais justas, onde todas as pessoas tenham oportunidades iguais e os frutos do crescimento econômico, do desenvolvimento científico e tecnológico sejam repartidos de uma forma mais fraternal e solidária.

Se os países ao invés de investirem na produção e comercialização de armas e munições e outras parafernálias que só contribuem para promover a violência, o sofrimento e a morte, investissem esses trilhões de dólares em políticas públicas para corrigir tantas mazelas sociais, econômicas, religiosas, culturais e políticas que são as verdadeiras causas de tais problemas, com certeza estaríamos promovendo a Fraternidade Humana e não precisaríamos de um dia especial para cultuar este sonho quase irrealizável.

Só podemos materializar a Fraternidade Humana quando promovermos uma “civilização do amor”, uma “terra sem males”, uma “sociedade do bem viver”, onde a ganância, a prepotência, a usura, a busca ou a corrida maluca por acumulação de bens materiais, em detrimento da imensa maioria da população forem abandonadas e, realmente, investirmos na convivência pacífica dentro de nossas famílias, de nossas comunidades, de nossas igrejas, religiões, do ambiente de nosso trabalho, nossas cidades, nossos Estados e nossos países e, claro, também que nas relações internacionais, onde e quando a paz seja um objetivo permanente e não as guerras e a violência, como atualmente acontece.

Esta é a reflexão e também as ações que precisamos realizar não apenas em ocasiões “especiais” como quando celebramos o Dia Internacional da Fraternidade Humana, mas todos os dias e o ano todo, ao longo da história.

Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da PEI Pastoral da Ecologia Integral. Email profjuacy@yahoo.com.br

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