O talento pode vir das periferias, das favelas, dos deserdados, dos sem conta bancária. O resto é ideologia da elite dominante, cujo único mérito dos filhos é ter a conta bancária dos pais para pagarem as universidades privadas.
Por Roberto Malvezzi (Gogó)
O criador do conceito de “meritocracia” foi Michael Young, um pensador de esquerda, ligado ao Partido Trabalhista inglês, quando analisava o sistema de ensino na Inglaterra e se debatia com a ideologia justificante dos privilégios da aristocracia britânica. De fato, ele cria a expressão meritocracia como uma forma de escárnio, de ironia, para desmoralizar a frágil ideologia da classe dominante. Pior, a direita brasileira vai tomar o sarcasmo como se fosse um elogio e passa a espalhar a expressão como se fosse um pilar ético para sustentar seus privilégios.
A certa altura do seu livro THE RISE OF MERITOCRACY o autor (Michael Young) chega a dizer que “o único mérito daqueles alunos era a conta bancária de seus pais”.
Porém, não para por aí. Ao defender que a saída para a qualidade do ensino inglês era o investimento em educação e nos professores, então professa a frase seguinte: “Second-rate teachers, a second-rate elite: the meritocracy can never be better than its teachers. Numa tradução livre: “professores de segunda categoria, uma elite de segunda categoria: a meritocracia nunca poderá ser melhor que seus professores”.
Papa Francisco, na Laudate Deum, também faz sua crítica à ilusão meritocrática:
Incrementam-se ideias erradas sobre a chamada «meritocracia», que se tornou um «merecido» poder humano ao qual tudo se deve submeter, um domínio daqueles que nasceram com melhores condições de progresso. Caso diverso é a sadia abordagem do valor do compromisso, do desenvolvimento das próprias capacidades e dum louvável espírito de iniciativa; mas se não se procura uma real igualdade de oportunidades, a meritocracia facilmente se transforma num para-vento que consolida ainda mais os privilégios de poucos com maior poder. Nesta lógica perversa, que lhes importa os danos à casa comum, se se sentem seguros sob a suposta armadura dos recursos econômicos que obtiveram com as suas capacidades e esforços? (LD 32).
Educação de qualidade se faz com espírito crítico, leitura de mundo, investimentos em uma escola pública, de tempo integral, com excelente infraestrutura para os alunos, com salários dignos e condições de trabalho para os professores, com um conteúdo que responda aos desafios contemporâneos. O talento pode vir das periferias, das favelas, dos deserdados, dos sem conta bancária. O resto é ideologia da elite dominante, cujo único mérito dos filhos é ter a conta bancária dos pais para pagarem as universidades privadas mais caras, ou para indicá-los sem concursos públicos aos empregos mais rentáveis.