O papa tem pensamento ecológico e quer inseri-lo no corpo teológico e doutrinal da Igreja.
Por Juacy da Silva
“Estamos perto de superar muitos dos limites do nosso maravilhoso planeta, com consequências graves e irreversíveis: desde a perda de biodiversidade e alterações climáticas ao aumento do nível dos mares e à destruição das florestas tropicais. A desigualdade social e a degradação ambiental andam de mãos dadas e têm a mesma raiz: a do pecado de querer possuir e dominar os irmãos e irmãs, a natureza e o próprio Deus. Mas este não é o desígnio da criação.” papa Francisco, série sobre a Catequese, Vaticano, 26/08/2020.
“Os profetas estavam presentes e contra a propagação da injustiça. Amós levantou-se contra os líderes que não se importavam com viúvas e órfãos (Is 9:11-17). O profeta Ezequiel denunciou opressão ao pobre, à prática de roubos, à posse de penhor, os empréstimos com usura e recebimento de juros (Ez 18:12,17). Falou também sobre reis que matam o mais fraco, desprezam o estrangeiro, a viúva, o pobre e trazem desonra aos pais (Ez 22:1-16)”. Fonte: Os Profetas contra a injustiça social, Ronaldo José Vicente, 1980poderosos que vendiam escravos justos e condenavam os pobres (Am 2:6; 4:1; 5:11,12; 8:4,6), Isaías falou sobre os líderes que enriqueciam em detrimento dos pobres (Is 3:14; 5:8-10), e também os denuncia.
Da mesma forma que os profetas do Velho Testamento, que viveram em torno de oitocentos e seiscentos anos antes de Cristo, como Isaias, Jeremias, Ezequiel, Amós e vários outros, bradaram suas vozes contra os governantes e poderosos da época, que oprimiam o povo, faziam injustiças contra os pobres, as viúvas e os órfãos, os estrangeiros (migrantes modernos), pessoas e camadas sociais excluídas e exploradas, como ainda hoje continua a acontecer, o Papa Francisco ao enfatizar que a Igreja precisa ser Sinodal, em saída, Samaritana, PROFÉTICA, pobre e estar ao lado dos pobres, também não se cansa de falar, escrever e fazer suas exortações contra aqueles que degradam o meio ambiente, destroem a natureza, poluem o ar, os solos e as águas, não respeitam os direitos dos povos tradicionais, suas culturas, seus territórios, dos trabalhadores, nem o direito dos consumidores e colocam em risco a vida no planeta e a própria sobrevivência da humanidade e demais seres criados por Deus, pura e simplesmente para garantirem seus lucros e sua ganância.
Como coube ao Papa Leão XIII defender os trabalhadores que em pleno avanço da industrialização, eram tratados praticamente como párias, explorados desumanamente, ao publicar a Encíclica Rerum Novarum, em maio de 1891, sobre as relações de trabalho e produção, lançando as bases para o surgimento da Doutrina Social da Igreja, coube também ao Papa Francisco a consolidação dos ensinamentos e posicionamentos da Igreja em relação `as questões ambientais, dando um grande passo ao tratar dessas questões em outra dimensão que é a ECOLOGIA INTEGRAL, onde enfatiza que tudo, natureza e seres humanos estão interligados, enfatizando, que o “grito da terra, é também o grito do pobre”, por quem a Igreja faz uma opção preferencial.
Francisco não se cansa de exortar de que “na origem de todos os problemas ambientais está a ação humana’, da mesma forma que desmistifica uma dualidade equivocada que tenta separar a crise ecológica da crise socioeconômica, ao dizer “não existem duas duas crises, mas apenas uma e complexa crise socioambiental” e que a sua superação também exige ações integradas e que mudem radicalmente as estruturas e formas de ação que promovem a destruição da biodiversidade, dos ecossistemas e dos biomas.
Assim, também em maio de 2015, o mês dedicado a Maria, foi publicada a Encíclica Laudato Si, documento fundamental não só no sentido de que consolidou outros documentos e posicionamentos de papas anteriores sobre as questões ligadas ao meio ambiente, mas também onde faz um apelo para que todas as igrejas cristãs (Católica e Evangélicas) e também outras religiões não cristãs possam se unir em um esforço coletiva para salvar o planeta da degradação, da destruição em marcha acelerada que, se não for barrada, trará muito mais desgraças e desastres “naturais” do que está acontecendo na atualidade.
Dando continuidade às suas exortações e ações voltadas para a ecologia integral, em 15 de outubro de 2017 Francisco anunciou a convocação de um Sínodo dos Bispos da Pan Amazônia, cujos trabalhos preliminares foram realizados em todas as paroquias, Dioceses e Arquidiocese desta imensa região.
O Sínodo dos Bispos da Pan Amazônia foi realizado entre os dias 06 e 27 de outubro de 2019, no Vaticano, em Roma, quando foi elaborado e aprovado um documento final intitulado “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para a Ecologia Integral”.
Em 02 de Fevereiro de 2020, coube então ao próprio Papa Francisco também trazer a público sua Exortação Apostólica “Querida Amazônia”, em que ele fala de seus sonhos para a Amazônia: Sonho social, sonho cultural, sonho ecológico e sonho eclesial.
Outros momentos significativos nesta construção de um pensamento ecológico inserido no corpo teológico e doutrinal da Igreja podemos identificar em seus constantes pronunciamentos, como o ocorrido em sua viagem à Bolívia, em seu encontro com camponeses, indígenas e outros grupos de excluídos, dando surgimento ao chamado três “Ts”: Teto, Terra e Trabalho.
Em tom profético, “Na Bolívia, o Papa Francisco ouviu por mais de uma hora inúmeros excluídos - catadores de papel, indígenas, pobres trabalhadores rurais e urbanos e clamou contra as injustiças. Ele pediu trabalho, teto e terra para todos. "São direitos sagrados. É preciso lutar por eles. Que o clamor dos excluídos seja ouvido na América Latina e em toda a Terra". – Fonte Campo Grande News, 12/07/2015.
A mesma tônica e ênfase podemos identificar em todos os seus constantes pronunciamentos em suas viagens apostólicas como também em outras manifestações como em relação às diversas conferências do clima, em audiências com delegações e personalidades estrangeiras que visitam o Vaticano.
Guardadas as devidas proporções, à semelhança da Doutrina Social da Igreja que é o pensamento oficial da Igreja em processo de consolidação desde o surgimento da Rerum Novarum, também a Laudato Si, aos poucos vai incorporando tanto o pensamento e exortações apostólicas de Francisco, quanto a contribuição surgida ao longo desses pouco mais de oito anos de sua existência, fruto de reflexão por parte de diversos setores da Igreja e também fora da Igreja.
Em recente encontro com Reitores de Universidades públicas e privadas, várias religiosas, inclusive ligadas à Igreja Católica, em Roma, há menos de duas semanas, Francisco anunciou que está elaborando um complemento, digamos, uma atualização da Laudato Si, fruto tanto das mudanças ecológicas que tem ocorrido e também fruto das diversas discussões, encontros, conferências que tem ocorrido mundo afora, tendo, principalmente a crise climática e outros aspectos da degradação dos biomas e dos ecossistemas, como suas bases.
Esta nova publicação, cujo título é ‘Laudate Deum’ (Louvai a Deus), na verdade uma nova Exortação Apostólica, virá a público nesta semana, mais precisamente, no dia 4 de outubro de 2023, por ocasião do Dia de São Francisco de Assis, Dia da Natureza e dos Animais e também o dia de encerramento das celebrações do Tempo da Criação e dará continuidade ao conteúdo e preocupações, exortações e linhas de ação contidas na Laudato Si.
Tendo em vista que a Igreja Católica é o maior grupo de fiéis existentes no mundo, em torno de 1,37 bilhão de pessoas se classificam como católicas, sendo que em alguns países este percentual, como no Brasil, o país com a maior população católica (50% do total), ou seja, em torno de 105 milhões de brasileiros professam a fé católica, com certeza, se os ensinamentos, as exortações do Papa Francisco em relação à Ecologia Integral fossem seguidos, praticados poderíamos ter uma verdadeira revolução ecológica no Brasil e no planeta.
No entanto, o chamado de Francisco é que a defesa ecologia integral não é algo exclusivo apenas da Igreja Católica, mas também das demais Igrejas Cristãs, de outras religiões, dentro do espírito do ecumenismo e do diálogo inter religioso, bem como dos governantes, dos empresários, enfim, das lideranças dos diversos segmentos da sociedade e da população em geral, enfim, o apelo e a exortação dirigem-se a “todas as pessoas de bem”, preocupadas com o futuro do planeta e das próximas gerações (Justiça Inter geracional).
No caso do Brasil, por exemplo, a Igreja Católica tem uma imensa capilaridade social e geográfica e está presentes em todos os Estados e o Distrito Federal e em todos os 5.568 Municípios e tem mais de 105 milhões de fiéis,que diária ou semanalmente participam de celebrações nas mais de 12 mil paróquias e 120 mil comunidades.
Conforme dados recentes da CNBB e do Vaticano, existem no Brasil 278 arquidioceses, dioceses e prelazias, dirigidas por 326 bispos e arcebispos, mais de 30 mil padres e mais de 28 mil religiosas, inúmeros estabelecimentos de ensino, em todos os níveis, além de mais de cem mil leigos e leigas engajados/engajadas em atividades pastorais, movimentos e organismos da Igreja, uma força imensa que poderia estar a serviço da ecologia integral, tendo em vista que a mesma está direta ou indiretamente vinculada a toda ação evangelizadora da Igreja, principalmente na dimensão sociotransformadora.
No entanto, em pouco mais de 1% desta imensa rede eclesiástica a Pastoral da Ecologia Integral está implantada e realizando ações sociotransformadoras, isto significa que a Igreja no Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer para ser esta força e este instrumento de transformação ecoteológico, como nos exorta o Papa Francisco. Creio que a Igreja, tanto em termos de corpo de fiéis quanto de sua hierarquia estão precisando de passar pela conversão ecológica e poder abraçar com mais entusiasmo o magistério de Francisco nesta dimensão da ecologia integral.
Oxalá, a voz profética do papa Francisco em defesa dos pobres e dos excluídos, na defesa da ecologia integral, da conversão ecológica, da espiritualidade ecológica, da justiça ambiental, da Justiça inter geracional, da cidadania ecológica, das ações de sustentabilidade e da mobilização profética possa, de fato, ser ouvida e praticada, para começar, por todos os setores da Igreja e que, como cristãos católicos possamos fazer a diferença, principalmente abraçando, por exemplo, implantando e fortalecendo a Pastoral da Ecologia Integral, implementando a proposta continuidade na Economia de Francisco e Clara, que traz, em seu bojo, novos paradigmas que podem, realmente, “realmar a economia”, e integrar e garantir a dignidade de todos os pobres e excluídos, de nosso país, na divisão equitativa dos frutos do progresso, na inovação tecnológica e do desenvolvimento nacional e mundial.
Omissão e conivência com crimes ambientais, que na concepção de Francisco e da Igreja são pecados ecológicos, contribuem para aumentar o consumismo, o desperdício, a degradação ambiental e a destruição de todas as formas de vida no Planeta, inclusive da vida humana.
Isto tudo, deve ser objeto de uma reflexão bem profunda por parte dos fiéis católicos e também de cristãos de outras Igrejas (Evangélicas). Isto é conversão ecológica, única forma de transformar hábitos, costume e prática que não respeitam os limites da natureza.