Quando uma mulher-mãe sofre, seu grito, mesmo mudo, ressoa na história da sociedade.
Por Aline Grasielli Moçale e Juacy da Silva
O tornar-se mãe representa a sublimação da divindade, dentre todas as obras da criação, a mulher é a mais doce figura e carrega dentro de si, em seu ventre materno, a semente da humanidade, desde seus primórdios até a atualidade, projetando-se para a eternidade.
No entanto, a mulher-mãe, considerada o esteio da família, a depender de seu meio de convivência e grupos sociais de origem, nem sempre possui o mesmo acesso aos direitos e dignidade e, por isso, merece tratamento em termos de igualdade em todas as dimensões.
Não raras vezes, percebemos na história social, mulheres mães sendo consideradas cidadãs de segunda classe e tratadas com discriminação, preconceitos, violência, aviltadas e desrespeitadas, e é necessário olhar atento para que esse reparo socioestrutural seja uma realidade, precisa sumariamente entender que mulher-mãe não é uma figura única ensimesmada, carrega em si a estrutura de uma família, da criação de filhos, da educação primordial da primeira infância, da segurança alimentar de crianças, dos valores de um lar, desde a disponibilidade de um abraço que acalenta ao arroz presente na mesa da refeição.
Seu sofrimento desencadeia um efeito dominó amplo na sociedade como um todo que não pode mais ser velado.
A história humana, desde os seus primórdios representa a luta da mulher por libertação e uma busca incessante por respeito, igualdade de oportunidade, tratamento igualitário e dignidade, isto, ao longo de diferentes sistemas de parentesco e formas de organização familiar.
Da condição de escravas, servas de seus senhores, sejam eles esposos, maridos, namorados, noivos ou amantes, sem quaisquer direitos, e mesmo assim, muitas mulheres resistiram, lutaram e jamais foram subjugadas, assim servindo de exemplo, como arietes para romper os grilhões de todas as formas de opressão, dominação, machismo, inúmeras formas de violência, como a patrimonial, psicológica, moral, econômica, financeira ou física, em todas as Nações e sociedades, inclusive no Brasil, onde o estupro e o feminicídio estão ainda bem presentes.
A verdadeira origem do Dia das Mães ou como alguns estudiosos consideram também o Dia da Mulher, remonta à Grécia antiga, nos festivais e rituais que celebravam à divindade Rhea, considerada a mãe dos Deuses e que transcorriam durante o mês de março de cada ano.
Na maioria dos países onde o cristianismo, principalmente o catolicismo foi ou ainda é a religião dominante ou majoritária, o dia das mães também está vinculado à devoção à figura da Virgem Maria, chamada também de mãe de Deus e mãe da Igreja.
Todavia, foi desde o Concílio de Éfeso (ano de 431 da era cristã), que Maria (mãe de Jesus) foi declarada mãe de Deus, o que contribuiu para estimular uma crescente veneração à Virgem Maria, através de cultos e orações a ela dedicados. A oração “Ave Maria”, que teve origem no Século 11, foi o fato que mais contribuiu para popularizar esta veneração.
Desde o início do século passado, o dia das mães é uma das datas mais celebradas em todos os países. Essas celebrações, na conotação mais atual, tiveram suas origens em 1907, nos Estados Unidos da América, quando Anna Jarvis, uma ativista por causas sociais naquele país resolveu homenagear e reverenciar a figura de sua mãe no serviço religioso, em uma igreja, para rememorar e exaltar a memória de sua genitora, Ann Reeves Jarvis, falecida há dois anos então (1905) na cidade de Grafton, no Estado da Virgínia Oeste (West Virginia).
O evento foi uma novidade e ganhou a aceitação das pessoas que desde então passaram a apoiar a ideia daquela jovem no sentido de destacar um dia para que o país inteiro pudesse celebrar a memória e a importância das mães, não apenas já falecidas, mas também todas as mães ainda vivas, em sinal de reconhecimento pela importância da figura da mulher em todas as dimensões comunitárias e também em âmbito nacional.
O movimento ganhou corpo até que em 1912, praticamente no país inteiro as pessoas passaram a comemorar e a enaltecer, em um mesmo dia, as mães presentes (vivas) ou ausentes (já falecidas) e isto chamou a atenção do Presidente dos EUA Woodrow Wilson, que em 1914 aprovou uma Lei designando o segundo domingo do mês de maio, como o DIA DAS MÃES.
Não demorou muito para que diversos países também passassem a celebrar e enaltecer as mães como uma figura central na vida de todas as famílias, como acontece ainda hoje mundo afora.
No entanto, não demorou muito também para que os interesses econômicos, financeiros e comerciais percebessem a importância desta data para alavancar vendas e lucros, estimulando, através de técnicas de propaganda e “marketing”, diversas formas das pessoas presentearem suas mães, avós, de presentes simples a onerosos, dependendo da renda e da disponibilidade financeira das mesmas e também lautos almoços em família, geralmente as mais abastadas.
No Brasil, o Dia das Mães passou a ser celebrado em 1918, por iniciativa da Associação Cristã de Moços, um clube social e esportivo oriundo dos EUA (YMCA – Young Men Christian Association), em Porto Alegre – RS.
À medida que as comemorações aumentavam acabou chegando ao conhecimento do Governo Provisório de Getúlio Vargas que, em 1932, oficializou a data e ganhou destaque nas celebrações nacionais, envolvendo todos os segmentos do país, principalmente igrejas e, claro, também o comércio e outros setores econômicos e financeiros.
É bom que se diga que antes de morrer, Anna Jarvis, lamentou e criticou os rumos que sua ideia original de homenagear e enaltecer as ações de sua mãe, havia tomado, vinculado a uma exploração, praticamente dominada por interesses comerciais e financeiros, como aliás, continua ocorrendo na atualidade no mundo inteiro.
O dia das mães deveria ser uma oportunidade para reverenciar a memória das mães já falecidas e também das mães presentes, em todas as suas dimensões, ou seja, na figura da mulher que escolheu exclusivamente se dedicar a cuidar da casa e de sua prole, da mãe que escolheu trabalhar o dia todo no trabalho externo e ao chegar em casa ainda tem mais uma jornada como mãe; da mãe privada de liberdade que, dentro dos presídios choram a dor da separação de seus filhos; da mãe enferma que esteja sofrendo em um leito de hospital; da mãe que em seu processo de demência já não mais se lembra de sua trajetória de vida e de sua jornada; da mãe que sofre violência, inclusive violência física e acaba perdendo a própria vida, vítima de feminicídio; pela mãe que sofre calada todas a violência de um relacionamento abusivo e muitas vezes não abre a boca, sofre em silêncio, sem ter a coragem de denunciar seu parceiro, pela dependência emocional ou financeira ou até mesmo pelo medo de não conseguir suprir as necessidades de seus filhos sozinha.
Desta forma, com certeza o Dia das Mães é uma data especial para a grande maioria das mulheres que sonharam, às vezes desde a infância, em um dia terem a sublime tarefa de carregar em seu ventre materno, um novo ser; apesar de que ainda hoje, em diversos países, principalmente os mais pobres, dezenas de milhares de mulheres gestantes continuam perdendo suas vidas exatamente em decorrência de problemas dessa fase, demonstrando que a mortalidade materna ainda está presente entre nós e precisa de atenção do sistema de saúde pública.
Isto significa que o Dia das Mães não é apenas um dia de flores, presentes, mensagens, celebrações e almoços em família; mas sim também um dia, talvez igual a outro qualquer, de muito sofrimento, opressão, dor e morte para um imenso número de mães e mulheres.
No entanto, tendo em vista esta realidade social, econômica, cultural que marca diferenças profundas no que concerne à figura da mãe e da mulher situadas em diferentes classes sociais e camadas sociodemográficas, talvez seja este Dia das Mães, um momento, em nosso país para refletirmos sobre a verdadeira representação e condição da mulher-mãe em nossa sociedade, incluindo as situações de pobreza, miséria, o número crescente de meninas que estão se tornando mães ainda crianças, e, por serem e viverem na miséria acabam abandonando e até comercializando seus filhos; a figura das mães, cada vez em maior percentual, “chefes de família”, de mães trabalhadoras que não tem condições de acompanharem sequer o crescimento de seus filhos que, nas favelas ou comunidades assemelhadas, acabam sendo recrutados pelo crime organizado e pelos traficantes de drogas; das mães que moram em municípios e regiões que não contam com creches e também onde os serviços de saúde pública são inexistentes ou de baixíssima qualidade.
Quando uma mulher-mãe sofre, seu grito, mesmo mudo, ressoa na história da sociedade.
Quando uma mulher-mãe chora, suas lágrimas regam as sementes que germinarão no futuro.
Quisera um dia, realmente comemoremos o DIA DAS MÃES com mais flores desabrochando respeito, mais alegria de inclusão social e mais amor em todas as instâncias, onde todas as mães e avós, sintam-se abraçadas, respeitadas e reverenciadas pelos seus filhos e pela nossa sociedade em sua busca constante por justiça, igualdade e dignidade!