A velocidade vertiginosa das últimas décadas, em termos de mudanças tecnológica, atropela ritmos e passos.
Por Alfredo J. Gonçalves *
A velocidade vertiginosa das últimas décadas, em termos de mudanças tecnológicas, atropela ritmos e passos. Há mais de meio século (1967), o estudioso francês Guy Debord escreveu o livro Sociedade do espetáculo. Quem sabe atualmente outro cientista poderia escrever sobre a Sociedade da pressa, ou do ruído, do barulho, da agitação. Agitação febril, ansiosa, alucinada, endiabrada. O modelo capitalista e globalizado de produção/consumo vem atropelando o ritmo da natureza, do corpo humano, das estações, do círculo virtuoso de purificação das águas, das relações interpessoais, e assim por diante. Ao mesmo tempo que atropela, igualmente, os passos de um processo natural de descoberta e de conhecimento.
O avanço extraordinário das inovações tecnológicas, entretanto, dificilmente vem acompanhado de avanços similares no desenvolvimento humanizado da sociedade ou da civilização. Se é certo que verificamos uma prodigiosa e progressiva capacidade de lidar com o mundo cibernético e virtual da Internet, com profissões inusitadas e conexões cada vez mais complexas, também é verdade que, no campo das relações afetivo-sexuais, tornamo-nos com frequência verdadeiros nanicos. As novas gerações de modo todo particular – crianças, adolescentes e jovens – cedo adquirem uma espantosa rapidez e uma imediata familiaridade com o universo dos botões, dos games, das redes digitais e das telinhas.
Quanta dificuldade, porém, no campo dos desejos, instintos, emoções e sentimentos! Como reconhecer, identificar, administrar e dialogar sobre o que sentem e pensam? Como relacionar-se com a própria pulsão afetivo-sexual e, mais complicado ainda, com a atração/repulsão pelo outro, o diferente, o estranho? A trilogia paixão, amor e relacionamento torna-se, ao mesmo tempo, um desafio e um fascínio. Fascínio que atrai, sem dúvida, mas que vem revestido de medo. Não é raro encontrar “jovens” com mais de trinta anos que temem o fracasso de uma relação sadia e ousada e que, consequentemente, optam por experimentos efêmeros, provisórios, temporários. Esses experimentos breves e superficiais acabam substituindo a aposta por uma união mais robusta e duradoura. Se falar que, em não poucos casos, terminam em tragédia.
Resulta de tudo isso uma forma de crescimento disforme, irregular, desigual, doentio. De ponto de vista técnico e profissional, caminha-se a passos largos; do ponto de vista emocional, vai-se a passo de tartaruga. Binários diferentes, diferentes velocidades. Em lugar de construir planos e estratégias em vista de um futuro firme e sólido, o mais fácil é buscar respostas imediatas para os problemas imediatos. Crianças, adolescentes e jovens parecem sofrer de uma sede perpétua por coisas novas, inéditas e exóticas. E sofrem igualmente uma inquietação febril por jogos e brinquedos cada vez mais sofisticados. Tornam-se rapidamente adultos e espertos no que diz respeito às novidades tecnológicas. Mas, pelo que concerne à maturidade afetiva, boa parte permanecerá num “estágio infantil” estacionado ou cristalizado.
Enquanto determinada dimensão do corpo e do espírito se desenvolvem, às vezes até mesmo de forma precoce, outra dimensão parece atrofiar-se com a idade. Com relativa frequência, criam uma espécie de bolhas ou casulos idealizados, onde vivem, sonham, conectam-se e formam os seus amigos e amigas. Amigos e amigas que, diga-se de passagem, podem ser incorporados hoje ao grupo de referência e, como a mesma velocidade, amanhã mesmo deletados. Mantêm pouca ou nenhuma interação com a realidade cotidiana em que se movem. Parte considerável deles acaba virando “estranho” no interior da própria família e da rede de parentesco.
Além disso, como já alertava Henri Lefebvre na obra Sociologia da vida cotidiana, escrita nas últimas décadas do século XX, em nossos dias o volume de informações é de tal envergadura, que não há tempo (às vezes nem vontade) para uma digestão reflexiva e menos ainda para a elaboração de critérios críticos na formação de um pensamento próprio. Tampouco há tempo para um aprendizado relacional, no confronto e diálogo com o outro e os outros.