Eleito presidente da República pela terceira vez, Luiz Inácio Lula da Silva toma posse em Brasília, no dia 1 de janeiro de 2023.
Por Juacy da Silva
No dia 1 de janeiro de 2023, o Brasil pode, finalmente, respirar aliviado, longe das ameaças abertas ou veladas de que a posse de Lula corria risco de não ser realizada. Muitas mentiras, fake news e também uma imensa campanha de ódio e desrespeito aos resultado das urnas e ataques e ameaças tanto às Instituições, principalmente os órgãos superiores do Poder Judiciário, com destaque para o STF e o TSE quanto outras que “falavam” em Golpe de Estado, intervenção militar, prisões de ministros dos tribunais superiores e até mesmo atos terroristas, como um que foi tentado em Brasília.
Inconformados com a derrota, uma minoria desses eleitores, manipulados por interesses nada democráticos e financiados por alguns empresários golpistas, durante quase dois meses tumultuaram a vida nacional com interrupção do trânsito em rodovias, avenidas e ruas de inúmeras cidades e estudos de nosso país, impedindo a liberdade de ir e vir das pessoas, colocando em risco o abastecimento de alimentos, combustíveis e outros bens e até mesmo impedindo pessoas de terem atendimento de urgência médica e hospitalar, causando não apenas problemas econômicos e financeiros, mas também disseminando o ódio, a violência e o medo.
Alguns desses fanáticos, que ao longo dos últimos anos misturaram religião com ideologia e militância política-partidária, esquecendo-se que lugar de práticas religiosas são igrejas e templos, não tinham sequer o pejo de realizaram atos religiosos em frente aos quartéis, à semelhança dos adoradores do “bezerro de ouro”, como consta do velho testamento, pedindo a Deus e também aos militares que interviessem a favor de seus desígnios, não entendendo que Deus não tem preferência política, eleitoral, ideológica e que as Forças Armadas são Instituições Nacionais, organismo do Estado Brasileiro e jamais “capitães do mato”, a serviço de governantes de plantão ou de um projeto político-partidário.
Por isso costuma-se di er que, quando a política partidária entra por uma porta, a disciplina e a hierarquia, que são as bases das Instituições militares (inclusive ou principalmente das Forças Armadas) saem por outra porta e o caos está instalado, cujo nome pode ser Guerra Civil, que, ao invés de contribuir para o progresso, o desenvolvimento nacional e o bem-estar da população, acaba gerando violência e a destruição do país, quando todos os segmentos, inclusive a economia, acabam perdendo.
Foi neste contexto de ameaças e um grande temor de que durante a posse de Lula pudesse ocorrer algum ato tresloucado de violência, afinal, os derrotados falavam e transmitiam mensagens abertas ou cifradas dizendo “não vai haver posse”, “Lula não vai subir a rampa”, “os militares vão prender Lula”, o “STM vai dar posse a Bolsonaro”, “Vamos aguardar apenas mais 72 horas” e coisas do gênero que uma verdadeira multidão vinda de todos os cantos do Brasil compareceu à solenidades da posse.
Todas essas ameaças faziam parte de uma tentativa de Golpe, alimentado, na verdade pelo silêncio do então Presidente da República, antes muito falante, principalmente em suas “Lives” nas quintas-feiras pelas redes sociais e pelos demais veículos de comunicação que “repercutiam” suas “falas”, e também quando se dirigia aos seus apoiadores no famoso “cercadinho” em frente ao Palácio da Alvorada.
Ao longo de dois meses, desde que o resultado do segundo turno das eleições lhe impuseram a derrota, o então presidente, antes muito falante e extremamente loquaz, praticamente ficou mudo, recolheu-se sem sequer falar aos seus seguidores e eleitores, alimentando, assim, uma onda de boataria e “fake news”.
Se antes fazia questão de tentar desacreditar o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas, colocá-las sob suspeição, impondo às Forças Armadas um papel que não faz parte de sua missão constitucional que é intrometer-se no processo eleitoral, tentando ser um “poder moderador” ou até mesmo fiscalizador do órgão máximo da Justiça Eleitoral, que, pela Constituição cabe ao TSE, acompanhado e “fiscalizado” pelos partidos políticos e alguns organismos da sociedade civil organizada; após o anúncio de sua derrota, simplesmente o presidente “submergiu’, como diz o pessoal da Marinha, em relação aos submarinos.
Finalmente, faltando apenas 48 horas para a posse de Lula, o então presidente resolveu falar à nação através de um discurso um tanto sem nexo, dando mostras de uma certa improvisação e nada disse de concreto aos seus seguidores, cuja minoria de fanáticos ainda estavam acampados em frente ao alguns quartéis Brasil afora, com destaque para um grupo que durante meses esteve em frente ao Quartel General do Exército, no Setor Militar Urbano em Brasília, o que causou enorme decepção, principalmente quando esses e outros seguidores viram o avião da FAB levantar voo do Aeroporto de Brasília rumo aos EUA, o ex-presidente irá passar algum tempo em uma mansão luxuosa enquanto seus adeptos estavam em barracas sofrendo a inclemência do tempo, calor e chuva.
Para completar o enredo, na véspera da posse de Lula, o vice-presidente, na verdade presidente em exercício por mais 24 horas convocou uma cadeia nacional de rádio e televisão e, por extensão também alguns veículos alternativos de comunicação, a chamada “mídia virtual”, para um pronunciamento à Nação.
É importante reconhecer que o pronunciamento do General Hamilton Mourão, vice-presidente que ao longo de quatro anos andava meio excluído pelo presidente Bolsonaro, como se diz “não se bicavam”, mesmo sendo preterido para compor a nova chapa que tentaria a reeleição, tendo sido substituído por outro general da reserva, ex-ministro da defesa e fiel escudeiro de Bolsonaro, repito, o presidente em exercício que também é senador eleito pelo estado do Rio Grande do Sul, encontrou neste pronunciamento a oportunidade para tentar firmar-se como o futuro líder das forças de direita e extrema direita, já mirando o cenário das eleições presidenciais de 2026.
Em meio a tudo isso, Lula, já eleito e diplomado pelo TSE, foi, finalmente empossado como o trigésimo nono presidente da República, para dirigir os destinos do Brasil pela terceira vez, um fato histórico na vida política nacional, demonstrando que apesar dos pesares, é de fato um líder carismático e tem apoio popular, mesmo estando fora das estruturas de poder conseguiu eleger-se democraticamente para um terceiro mandato presidencial, enquanto Bolsonaro, mesmo usando todos os instrumentos do cargo e do poder acabou passando à história como o único presidente que ao tentar a reeleição acabou sendo derrotado.
Voltando ao título desta reflexão, destacamos que para entender o governo Lula que se inicia é fundamental ler com atenção três documentos: a) o relatório final do Gabinete de Transição Governamental, Brasília, Dezembro de 2022, que em 100 páginas contém um diagnóstico da situação do país ao final do Governo Bolsonaro, cujo conteúdo pode ser percebido, quando, logo de início deixa claro do que se trata “RADIOGRAFIA DO DESMONTE DO ESTADO E DAS POLÍTICAS PÚBLICAS”; b) Discurso de Lula no Congresso Nacional logo após ser oficialmente empossado como novo Presidente da República e, c) Discurso de Lula no Parlatório ao lado da Rampa de Acesso ao Palácio do Planalto.
Nesses três documentos estão bem claros, o diagnóstico da situação nacional e as diretrizes do novo governo para todas as áreas de competência direta e indireta do Governo Federal e os mecanismos de articulação do Poder Executivo com os demais Poderes da República (Congresso Nacional/Legislativo e o Poder Judiciário); com os Governadores recentemente eleitos e reeleitos cujas posses também ocorreram neste primeiro dia do ano de 2023 (com quem Lula deve se reunir dentro de poucas semanas para detalhar as ações entre o Governo Federal e os governos estaduais, principalmente para a retomada de mais de 14 mil obras paralisadas durante a gestão anterior), com o setor empresarial e com a sociedade civil organizada ou desorganizada ultimamente.
Lula deixa claro, por exemplo no slogan de seu novo mandato, um tripé fundamental sobre o qual pretende imprimir novos rumos e novas dinâmicas na gestão pública: Esperança; União e Reconstrução.
Este tripé é desdobrado nos fundamentos de sua grande estratégica ou o que podemos denominar de Conceito Estratégico Nacional, que para ser implementada ou implementado precisa da participação de todos os setores e segmentos da sociedade brasileira, o que significa de fato o que denominamos de a Vontade Nacional: Justiça; Sustentabilidade; Criatividade/inovação; Inclusão; Democracia e Soberania.
Tendo esses princípios como a grande estratégia/Diretriz Estratégica do novo Governo, caberá a todos os ministros, representando todas as áreas de atuação do Governo Federal, definir as políticas de Governo (políticas públicas) e as ações correspondentes, abrindo os espaços para a participação de todas as forcas nacionais.
Lula reafirmou por diversas vezes que pretende governar para todos e todas, e, nisto não tem nada de novidade, afinal, todos/todas pagamos impostos, taxas e contribuições que são carreados para os cofres públicos e, dentro do espírito republicano todos os organismos e instituições públicas, em todos os níveis, devem atender e direcionar suas ações com ética, impessoalidade, transparência, com eficiência, eficácia e efetividade as demandas e necessidades da população brasileira, independente das preferências políticas e partidárias dos eleitores e contribuintes. Isto significa que as ações de todos os governos não podem ser direcionadas e nem alimentar apenas os famosos “currais eleitorais” das autoridades eleitas ou designadas.
Já em sua decisão em relação à nova configuração organizacional da estrutura administrativa de seu governo, Lula recriou algumas “pastas” (ministérios) que haviam sido extintos ou rebaixados em importância pelo governo anterior e, também, cria novos ministérios como o Ministério dos Povos Originários ou povos indígenas, nomeando como ministra uma indígena, deputada federal eleita pelo PSol de São Paulo e como Presidente da FUNAI uma também deputada federal indígena, em final de mandato. Vale a pena recordar que durante os governos militares os presidentes da FUNAI quase sempre eram militares das Forças Armadas.
Pela primeira vez na história do Brasil, após mais de 500 anos de destruição das culturas indígenas, violência, extermínio e invasões dos territórios indígenas e toda sorte de exclusão, os povos indígenas são reconhecidos e incluídos com destaque na política pública brasileira e na estrutura do Poder Nacional, este é um fato novo e com grande visibilidade internacional, da mesma forma que o resgate das políticas ambientais darão ao Brasil um novo “status” no cenário geopolítico internacional.
Durante seus dois discursos, referidos anteriormente, tanto no Congresso quanto no Parlatório, Lula chamou a atenção para as várias formas de desigualdade ainda existentes no Brasil, a volta de nosso país ao mapa da fome e de insegurança alimentar, aos níveis de pobreza vergonhosa que nosso país ainda ostenta e da baixa qualidade dos serviços públicos prestados pelas diversas instâncias governamentais como educação e saúde de baixa qualidade e a degradação ambiental, principalmente o desmatamento e as queimadas que estão destruindo todos os nossos biomas.
Além disso, Lula mencionou a necessidade de uma nova legislação trabalhista e de equacionar as questões orçamentárias, fiscal, tributárias e os desafios para a re-industrialização do Brasil, como caminhos necessários para que o país volte a crescer, gerar emprego e distribuir melhor a renda nacional. Esses são alguns dos desafios que demandarão uma participação e colaboração muito grande por parte do Congresso Nacional, razões mais do que suficientes para que o novo governo tenha uma base sólida no Legislativo.
Com certeza isto indica não apenas algumas de suas prioridades de governo mas também os anseios, interesses e aspirações nacionais, além de outras que podem se captadas na leitura dos documentos mencionados.
Com certeza, diante da realidade nacional e da realidade internacional, extremamente graves tanto pelos aspectos sociais, políticos, geopolíticos e econômicos quanto do balanço de poder e dos conflitos existentes, internos e internacionais, este novo governo de Lula não será “um mar de rosas” mas deverá enfrentar inúmeros desafios, cuja superação, vai exigir não apenas esperança, resiliência por parte da população, mas, fundamentalmente, uma grande capacidade de diálogo com todas as forças políticas, econômica e sociais, inclusive institucionais e buscar a superação do abismo que existe no Brasil atualmente não apenas em termos econômicos e sociais, mas também entre concepções políticas e ideológicas distintas e até mesmo antagônicas, ou seja, duas visões de mundo totalmente distintas e em confronto. Sem esta superação, que é a única chave para um futuro de paz, harmonia e conciliação nacional, o Brasil estará fadado a “perder o bonde da história” e, assim a esperança, a união e a reconstrução poderão dar lugar ao aprofundamento e agravamento das crises que bem conhecemos.
Tendo em vista que o diálogo é uma via de mão dupla, espera-se tanto que Lula promova este diálogo, este entendimento nacional, em torno de um projeto de Nação, de país, quanto que a oposição, principalmente as forcas de direita e de extrema direita reduzam sua belicosidade e percebam que sem dialogo, quem será inviabilizado não será apenas o governo Lula, democraticamente escolhido pela maioria dos eleitores, mas também toda a população brasileira e as futuras gerações.