Este artigo refere-se ao fiasco representado pelo recente desempenho do Partido Republicano e, principalmente, um de seus expoentes, o ex-presidente Trump, nas recentes eleições de meio de mandato do Presidente Biden.
Por Juacy da Silva
À primeira vista o leitor brasileiro, menos avisado, que, à semelhança dos seguidores da direita e extrema direita imaginam que a cor vermelha seja sinônimo de comunismo ou socialismo, vou logo avisando, este artigo não está relacionado com a recente vitória de Lula na corrida para Presidente da República, quando derrotou nos dois turnos o atual presidente.
Como já escrevi em um artigo recente intitulado “A nossa Bandeira jamais será vermelha, e daí?”, demonstrei que, ao sequestrarem alguns símbolos nacionais como a Bandeira brasileira e suas cores e parte do hino nacional, os seguidores do atual presidente imaginam que ao se enrolarem na bandeira nacional, ao rezarem em frente dos quartéis militares, em verdadeiros rituais sagrados, pedindo intervenção das Forças Armadas, para impedirem a posse de Lula, eleito democraticamente por mais de 63 milhões de votos, ao assacarem contra as Instituições, principalmente o STF e o TSE, agredindo e ofendendo seus ministros, inclusive com palavras de baixo calão, como acabou de acontecer em manifestações há poucos dias em Nova Iorque e tantas outras no Brasil, longe de um verdadeiro patriotismo, na verdade estão pregando e estimulando um golpe de estado e a instalação de uma ditadura no Brasil, verdadeiros atentados ao Estado Democrático de Direito, todas essas aberrações, como se as cores de nossa Bandeira respaldassem esses atos radicais, de uma minoria ensandecida.
Este artigo refere-se ao fiasco representado pelo recente desempenho do Partido Republicano e, principalmente, um de seus expoentes, o ex-presidente Trump, tiveram nas recentes eleições de meio de mandato do Presidente Biden, quando, tanto os integrantes e estrategistas do referido partido quanto boa parte da mídia e institutos de pesquisas, preconizavam uma derrota avassaladora do Partido Democrata, o que acabou não acontecendo.
Mas o que este pífio desempenho do Partido Republicano tem com o titulo deste artigo, podem alguns leitores e eleitores estarem se perguntando. É que, como mencionei no artigo referido, mais de 80% das bandeiras nacionais mundo afora tem a Cor Vermelha estampada, o mesmo acontece com mais da metade dos estados e capitais brasileiras e também com mais da metade dos estados americanos e diversas instituições internacionais e Igrejas que ostentam o Vermelho em suas bandeiras e estandartes.
Nos EUA existem diversas partidos políticos registrados, mas na verdade apenas dois se revezam no poder ao longo de décadas e séculos, cabendo aos demais uma expressão quase que sem significado, o que no Brasil podemos chamar de partidos nanicos.
Pois bem, o Partido Republicano tem como sua cor o Vermelho, que é mais conservador e abriga os ultraconservadores, os adeptos da direita e da extrema direita, os defensores das armas, os supremacistas brancos, grupos neofascistas e neonazistas; enquanto o partido democrata tem como sua cor o Azul e se situa mais ao centro, apesar de que este partido é também bastante conservador, diferente do que muitos acreditam que seja quase socialista ou simpático ao comunismo, em um país que é a matriz do capitalismo mundial.
Para entender essas eleições de meio de mandato, em inglês "midterm elections”, é importante destacar alguns aspectos da dinâmica política eleitoral americana tais como: os estados tem uma participação muito grande no que concerne à organização e realização das eleições, aqui não existe justiça eleitoral, nem TSE e nem urnas eletrônicas, mas é um sistema altamente complexo e tem funcionado bem ao longo de décadas e séculos, apesar da lentidão da contagem de votos e da apresentação final dos resultados.
O mandato dos Deputados Federais é de apenas dois anos e o voto é distrital, não obrigatório, assim, todos os estados, regiões, condados (municípios) e comunidades passam a ser devidamente representados na Câmara Federal e cada partido só pode apresentar um candidato a deputado por distrito, cabendo às “eleições primárias’, dentro de cada partido a escolha do candidato a concorrer nas eleições gerais e este processo se repete a cada dois anos, uma eleição coincide com a escolha para Presidente da República e a outra ocorre exatamente no meio do mandato do presidente que estiver de plantão na Casa Branca.
O interessante também é que os militares não se metem na vida política eleitoral do país, pois sabem que são subordinados política e estrategicamente ao chamado ‘poder civil” e sua função precípua é defender o país, o território nacional contra invasão ou agressões de países estrangeiros e também poderem ser usadas como forma de garantir os interesses nacionais americanos dentro e fora do território nacional.
Por isso, em mais de dois séculos e meio de vida como Nação independente, JAMAIS houve um golpe militar nos EUA, mesmo durante a Guerra Civil e tantas outras guerras nas quais o país tenha sido envolvido.
Apesar disso, tanto na Câmara Federal quanto no Senado e também em cargos de governadores e até mesmo de Presidente da República, são ou já foram ocupados por militares das diferentes forças e patentes quando na reserva e, aí sim, agem de fato como civis, ou seja, agentes políticos e jamais como porta vozes das forcas armadas que estão na ativa. As forças armadas são o braço militar do país, do poder nacional e seu emprego , unicamente externo, quem define é o Congresso Nacional, cabendo ao Presidente o Comando Supremo das mesmas, tanto em tempo de paz quando de Guerra. São instituições permanentes do Estado (EUA) e jamais instrumento de política interna partidária. Aqui costuma-se dizer, os presidentes e o Congresso são passageiros, mas as forças armadas são instrumentos permanentes de defesa do país e jamais do governo de plantão.
A Câmara Federal é constituída por 435 cadeiras com mandato de apenas dois anos, enquanto o Senado tem 100 cadeiras, duas por estado, cujo mandato é de seis anos, sendo renovado em um terço de dois em dois anos, coincidindo também com as eleições gerais e as do meio do mandato do presidente incumbente, que está no cargo.
Outra pergunta importante, qual o peso do Congresso americano na vida nacional e na dinâmica política, eleitoral e institucional dos Estados Unidos? Aqui existe uma independência e também, nem sempre, uma harmonia entre os poderes legislativo e executivo e o Congresso americano quando comparado com os Poderes Legislativos da maioria dos países tem um grande poder e serve como contrapeso tanto para delimitar os espaços dos demais poderes (Executivo e Legislativo), principalmente em sua capacidade legisladora, fiscalizadora e de defesa dos interesses dos seus constituintes (os eleitores espalhados pelo país e representantes eleitos nos vários distritos).
Historicamente, com raras exceções, os Presidentes quando das eleições de meio da mandato estão relativamente desgastados e essas eleições apontam também as perspectivas para as próximas eleições presidenciais, de governadores, senadores e deputados federais que devem ocorrer dentro de dois anos, a contar as eleições de meio de mandato.
Esse desgaste pode ser maior ou menor, dependendo a gestão do presidente de plantão, da conjuntura econômica mundial e nacional e da existência ou permanência de conflitos, guerras ou outros fatos que colocam em risco a paz e a convivência interna ou internacional.
Biden, o atual presidente, que derrotou Trump nas últimas eleições, apesar de que o ex-presidente continua com sua narrativa, sua cantilena, como acontece com os grupos e pessoas de direita e extrema direita no Brasil, de que a eleição foi roubada, foi fraudulenta, apesar de que foi derrotado tanto nas urnas, no voto popular quanto nos votos no Colégio Eleitoral, muito embora seus seguidores, ensandecidos terem em 6 de Janeiro de 2021 invadido o Congresso, tentando impedir a proclamação dos resultados que declararam Biden vitorioso e também ter perdido inúmeras, dezenas de batalhas judiciais tentando questionar os resultados das eleições, pois bem, o atual presidente às vésperas das eleições de meio de mandato tinha uma das piores avaliações na história recente dos EUA, conforme inúmeras pesquisas de opinião pública demonstravam, em torno de apenas 39% de aprovação.
Diante dessa avaliação negativa por parte da opinião pública e diversos fatores mundo afora que geram instabilidade internacional e afetam diretamente a dinâmica política interna dos EUA, as previsões (sempre as eternas previsões dos estrategistas republicanos, diversos veículos de comunicação, principalmente os mais conservadores e os institutos de pesquisa), davam como certa que uma verdadeira ONDA VERMELHA varreria o país; (cuidado para não pensar que seria a invasão da China aos EUA ou outro país comunista, cujas bandeiras, à semelhança da americana e do Partido Republicano também ostentam o vermelho como cor que as identificam).
Durante as eleições de meio de mandato diversos presidentes recentes, desde Bill Clinton, Bush e Obama o partido do Presidente que estava no cargo, seja Democrata ou Republicano sofreu pesadas derrotas e, mesmo Trump, quando das eleições de meio de mandato em 2018, seu partido (Republicano) perdeu 40 cadeiras na Câmara Federal e o comando daquela Casa Legislativa.
Os prognósticos, baseados em fatos históricos, na avaliação pífia do atual mandatário (Biden) indicavam que o Partido Democrata seria derrotado fragorosamente e iria perder o controle tênue que tem no Senado (50 senadores democratas e 50 senadores republicanos), cabendo à Vice-Presidente, Kamalla Harris, que também preside o Senado (função institucional), desempatar nas votações, a favor do partido democrata, que é seu partido e também o partido de Biden.
Resultado, apesar do apoio aberto e financeiro do ex-presidente Trump e vários de seus fieis escudeiros a diversos candidatos a governador, senador e deputado federal país afora, a grande maioria, mais de 80% de seus apoiados não conseguiram vencer, ou seja, conquistar cadeiras pertencentes ao partido democrata ou manterem as suas próprias cadeiras, como foi a fragorosa derrota do Dr OZ, apoiando ostensivamente por Trump, para o atual vice governador do Estado da Pennsylvania e futuro senador John Fetterman, cuja esposa é brasileira.
Assim, o Partido Democrata conquistou 50 cadeiras no Senado e ainda aguarda a realização do segundo turno na Geórgia, onde o candidato democrata ficou na frente, mas como não atingiu 50% mais um dos votos, novas eleições estão marcadas para o dia 6 de dezembro próximo.
Para a Câmara, como ainda faltam alguns distritos para totalizarem os votos dos candidatos a deputado federal, até o momento, o Partido Republicano já tem maioria e, tudo leva a crer, apesar da divisão interna do mesmo, onde um grupo de extrema direita, sob a liderança de um expoente ultra conservador e radical, Andy Biggs, do Arizona, contesta a possibilidade do atual líder na minoria e já escolhido para ser líder da nova maioria (Republicanos) Kevin McCarthy , da Califórnia, ser eleito quando da escolha da próxima mesa diretora da legislatura que se inicia em 3 de janeiro de 2023.
No momento os Republicanos já conquistaram 219 cadeiras na Câmara e, assim tem maioria para ocupar a Presidência daquela casa legislativa e, as projeções indicam que no final os democratas serão derrotados por terem apenas 214 ou 215 cadeiras e os Republicanos entre 220 e 221 cadeiras, bem longe da ONDA VERMELHA prevista há alguns meses ou mesmo nas vésperas das eleições.
No que concerne aos governadores apenas 35 estados tiveram eleições, os demais 16 o mandato dos atuais governadores se encerram dentro de dois ou quatro anos, pois não existe coincidência nacional para as eleições de governadores.
O Partido Democrata elegeu 18 governadores, surrupiando, inclusive, dois governos estaduais que estavam sob o comando Republicano e no cômputo geral, entre governadores eleitos e que ainda estão no mandato, os Republicanos , mesmo perdendo dois governos estaduais, continuam governando 25 estados e os Democratas outros 24 estados, se bem que no geral em termos de população, o Partido Democrata governa vários estados mais populosos, como New York, Califórnia, Illinois, Pennsylvania, Michigam e também os dois estados importantes que “tomaram’ dos Republicanos, Maryland que escolheu seu primeiro governador negro da história e Massachusetts que tradicionalmente é o berço de ideais liberais, mas que ultimamente tem estado sob a influência conservadora.
Quanto ao Partido Republicano tem nos Estados do Texas, da Flórida, da Geórgia e de praticamente todos os Estados do Sul do país, e diversas do meio oeste sua área de influência que já vem de muitas décadas. Diante disso o país continua bem dividido tanto política e ideologicamente quanto geograficamente, daí a normalidade da alternância dos partidos no poder, em todos os níveis, do local, ao estadual e nacional e esta alternância, diferente do que apregoam os extremistas de direita no Brasil, jamais colocou em risco a soberania e a vida nacional dos EUA, independente das cores das diversas bandeiras, a maioria das quais tem a cor vermelha.
Para completar este quadro do fiasco da onda vermelha é também importante que, da mesma forma como ocorre no Brasil, que na verdade importou esta narrativa conservadora, mistificadora e retrógrada que mistura religião com política partidária e que transforma templos e púlpitos em palanques eleitorais, o ex presidente Trump acaba de se lançar novamente como pré candidato a presidente pelo Partido Republicana. Talvez isso também ocorra no Brasil proximamente.
Existe uma narrativa abraçada por diversas Igrejas Evangélicas, tanto tradicionais quanto pentecostais, neo pentecostais, diversas seitas ou mesmo por parte de uma grande ala da igreja católica que se alinham com o Partido Republicano e, interessante, que tem sido objeto de pesquisas acadêmicas, é a ideia de que Trump teria sido escolhido por Deus para ser presidente (como imaginam os seguidores do atual presidente no Brasil), que o conservadorismo, inclusive formas de atuação da extrema direita e até mesmo por grupos religiosos que se aproximam da ideologia nazifascista, de que este é o plano de Deus para salvar o país das garras de Satanás, representadas pelos comunistas, socialistas, abortistas, destruidoras dos valores da família e coisas do gênero. Qualquer semelhança com o que ocorre no Brasil não é mera coincidência.
Todavia, parece que a maioria da população não tem “comprado’ esta narrativa e mais um grande embate deverá ocorrer dentro de dois anos quando das novas eleições gerais, ai sim, mais quentes, mais excitantes quando, além de um terço do Senado, toda a Câmara Federal e diversos governos estaduais, distritais e parlamentos estaduais estarão sendo escolhidos, juntamente com a escolha do futuro Presidente do país.
Enfim, mesmo que a ONDA VERMELHA tenha sido um fiasco, o futuro de Biden não será tão fácil, pois ao perder o controle da Câmara Federal seu governo será muito mais fustigado pelo Partido Republicano no Congresso, pela grande mídia, principalmente a mídia ultra conservadora, que aqui também se alimenta e alimenta as fake news e as falsas narrativas e pelos grupos ativistas de direita e extrema direita.
O que vai acontecer dentro de dois anos, só o futuro nos dirá, mas tudo estará envolto em uma moldura de interesses econômicos, financeiros, ideológicos e geopolíticos internacionais e a conjuntura política, econômica, financeira, cultural e religiosa interna dos EUA e suas relações internacionais.
Finalmente, é preciso também acompanhar as relações entre a direita e extrema direita norte americana, inclusive dentro das igrejas e a presença de forcas semelhantes no resto do mundo, inclusive no Brasil, cabendo destaque para a influência das igrejas evangélicas, cujas origens tanto em nosso país quanto em diversas países são frutos do trabalho missionário, cultural e ideológico das igrejas protestantes e católica americanas e como a relação entre as religiões, principalmente o protestantismo, a ala conservadora da Igreja Católica e a política tem dado suporte para o radicalismo, o obscurantismo, a mistificação política e ao avanço das forças políticas e ideológicas de direita e extrema direita, mas isso, por mais que esteja bem ligado ao que acontece nos EUA e no Brasil, deve ser objeto de análises mais aprofundadas por pesquisadores e estudiosos do fenômeno da mistificação das massas pela propaganda política e também das redes sociais e a difusão das fake news e violência política.