As periferias das grandes cidades na América Latina e em todo o mundo mostram características e situações semelhantes. “A arte fala onde as palavras são incapazes de explicar”.
Por Jaime C. Patias *
Os bairros nascem e crescem sem plano de urbanização e os serviços públicos essenciais são praticamente inexistentes. Na ausência do Estado, emerge a autodeterminação de lideranças e grupos com suas regras e códigos seguidos pela população.
As representações sociais que vinculam a pobreza com a criminalidade podem gerar comportamentos que reforçam o preconceito e contribuem para aumentar a exclusão e a negação dessa população. Periferia não é sinônimo de criminalidade. São seres humanos que encaram a vida lutando para sobreviver. Aprendem desde criança que é preciso resistir e trabalhar mesmo que na informalidade.
Acompanhados por agentes de Pastoral Afro visitamos nesta quarta-feira 28/09 três ocupações na periferia da cidade de Cali no Vale do Cauca na Colômbia. Estamos no bairro “Valladito” onde encontramos Joana, liderança local que, com o apoio da Equipe da Pastoral Social da Arquidiocese de Cali, entregava cestas básicas para as mães. Andamos pelas vielas, pisamos no barro e no chão empoeirado, nos escombros e restos de construção despejados nas encostas.
Nas cozinhas comunitárias de Valladito e Mojica, algumas senhoras preparam alimentação com os ingredientes fornecidos pela Pastoral Social da Arquidiocese de Cali e pela Pastoral Afro para apoiar especialmente as crianças e mulheres. “As crianças e adolescentes são a esperança do mundo”, lemos na parede do refeitório.
É pouco, mas resulta na multiplicação do “sopão”, verdadeiro milagre da partilha e da solidariedade. Os agentes de pastoral social passam entre os barracos e vão cadastrando as gestantes e as mães com bebês para depois acompanhar com outras ações.
A Equipe de Pastoral Afro dos missionários da Consolata em Cali e Buenaventura na costa do Pacífico, desenvolve várias ações em favor da população negra. Tudo contribui para a promoção humana integral, resgatar a identidade cultural, empoderar as mulheres, desenvolver talentos e partilhar saberes. É uma resposta concreta à opção do Instituto pelas periferias urbanas e existenciais.
No intuito de ampliar os projetos, a Pastoral Afro acaba de assumir uma casa na Paróquia N. S. do Monte Carmelo no bairro “Comuneros II” e prepara um refeitório comunitário e espaço para atividades educativas e culturais. No entorno, as ocupações continuam crescendo com a chegada várias famílias.
Na Colômbia e em muitos países da América Latina e do mundo, grande número de famílias são forçadas a deixarem suas terras de origem e migrarem para as cidades onde não lhes resta outra sorte senão ocupar terrenos em lugares impróprios para morar. Erguem seus barracos de forma improvisada sem saber quanto tempo vão ali permanecer antes de serem removidos pelas forças da ordem urbana, muitas vezes, a única presença do poder público a “visitá-los”. Vão para rua e praças enquanto buscam outros espaços. É a luta pela sobrevivência no mundo da escandalosa desigualdade social que descarta os mais pobres e miseráveis. A fome, a falta de moradia digna e do saneamento básico deixam as crianças, idosos e mulheres mais vulneráveis e sujeitos a doenças.
Na periferia o povo sabe que não adianta olhar para o céu, com muita fé e pouca luta. Também não adianta ficar olhando para o chão e ignorar o que se passa ao redor. Neste lugar invisível para a sociedade o único consolo é a alegria e a força que está no sangue da população afro pois ali a vida não é fácil e é preciso ir à luta para sobreviver. Os desafios são enormes, mas ali tem muita arte e música, cores e vida, sabores e saberes. “A arte fala onde as palavras são incapazes de explicar” diz um mural em Valladito.
O Encontro da Pastoral Afro dos Missionários da Consolata no Continente América acontece no Centro de Pastoral e Espiritualidade Afro, em Cali, de 26 de setembro a 2 de outubro. Participam missionários da Colômbia, Brasil e Venezuela. Parte da programação foi aberta à outras pessoas envolvidas na causa Afro, incluindo padres e agentes leigos. Dez pessoas se reuniram em Cali, outras 20 participam por meio do Google Meet desde o Brasil, Venezuela, Bolívia, Argentina e outras cidades da Colômbia.