Iniciativa da Ceama e da Pontifícia Universidade Católica do Equador favorecerá o intercâmbio de estudos das realidades dos povos amazônicos e sobre a incidência pastoral local da Igreja
Por Daniel Gomes
Nos 12 últimos anos de sua vida, o Cardeal Cláudio Hummes (1934-2022), já como Arcebispo Emérito de São Paulo e ex-Prefeito da Congregação para o Clero, dedicou-se de modo especial à realidade dos povos originários na Amazônia e da presença da Igreja naquele território: a partir de 2011, presidiu a Comissão Episcopal para a Amazônia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); em 2014, ajudou a fundar a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), da qual foi o primeiro presidente; em 2019, foi Relator-geral do Sínodo dos Bispos para a Amazônia e, de julho de 2020 a março de 2022, presidiu a Conferência Eclesial da Amazônia (Ceama).
Morto em julho, aos 87 anos de idade, em decorrência de um câncer, o Cardeal Hummes desejava que a presença da Igreja na Amazônia e a realidade dos povos originários fossem temas de atenção permanente no ambiente universitário. E isso agora começa a se concretizar. Em 24 de agosto, na Pontifícia Universidade Católica do Equador (PUCE), na cidade de Quito, aconteceu o lançamento da “Cátedra Universitária Amazônica Cardeal Cláudio Hummes, OFM”.
Com a Cátedra, também foi dado início ao Programa Universitário Amazônico (Puam), coordenado pela Ceama e a PUCE, que contempla uma sugestão presente no documento final do Sínodo dos Bispos para a Amazônia, de que haja um ambiente universitário católico na Amazônia, atento às realidades locais e com a participação dos povos originários e das comunidades. Além disso, com a cátedra universitária será favorecido o intercâmbio de estudos e pesquisas sobre a temática da amazônica.
Na solenidade de instalação da Cátedra, Maurício Lopes, vice-presidente da Ceama, lembrou que esta leva o nome do Cardeal Hummes como reconhecimento por tudo que o Purpurado fez, “mas, sobretudo, para que seu legado, seu testemunho, siga vivo entre nós”.
Padre Fernando Ponce Léon, S.J, Reitor da PUCE, destacou que dar o nome de uma cátedra a uma pessoa não é algo trivial, mas indica que os trabalhos serão feitos tendo como inspiração o exemplo do Cardeal Cláudio Hummes.
Um espaço inspirador sonhado por Dom Cláudio
Ao longo da cerimônia, três pessoas que acompanharam o Cardeal Hummes nos muitos trabalhos que realizou em prol da Igreja na Amazônia e dos povos originários recordaram fatos da convivência com o Purpurado e algumas de suas preocupações e sonhos para a região amazônica.
Uma dessas pessoas foi o Prof. Dr. Luis Liberman, fundador do Instituto Universitário de Água e Saneamento e do Instituto Diálogo Global da Cultura do Encontro. Ele lembrou que a criação de um ambiente universitário que refletisse sobre a Amazônia foi um dos desejos de Dom Cláudio.
Liberman se referiu ao Cardeal Hummes como “amigo, irmão, maestro, pastor e profeta” e que sempre deu o testemunho cristão diante de cada pessoa que sofria. “A esperança estava permanentemente na linguagem de Dom Cláudio, mas não era uma esperança ingênua. Ele entendia que a esperança é um caminho a ser feito. Não basta falar de esperança, ela ocorre quando nos comprometemos com o próximo, comentou.
“Tenham a certeza de que esta Cátedra é um espaço inspirador e que nos permitirá germinar o legado de Dom Cláudio para a Igreja latino-americana”, concluiu.
Amigo e aliado dos povos indígenas
Já Patricia Gualinga, liderança do povo indígena Sarayaku e integrante da Ceama, lembrou o quanto Dom Cláudio sempre buscou estar próximo dos indígenas da pan-amazônia, ouvindo suas preocupações de modo atento e preocupado com as maneiras pelas quais a Igreja poderia caminhar ao lado dos povos originários.
Ela recordou a primeira vez em que teve contato com o Cardeal Hummes, em 2015, nos encontros iniciais da Repam com os povos indígenas. “Depois que discursei, um senhor bem alto, com uma cruz bem grande no peito, eu não sabia que ele era o Cardeal Hummes, me disse com muita convicção: ‘eu estou de acordo contigo, Patricia. Vamos trabalhar juntos para que essa Amazônia, que sempre foi marginalizada, esteja no centro. Vamos fazer com que haja essa mudança’”, rememorou, pontuando que já a partir daquele momento teve a certeza que haveria maior atenção da Igreja com indígenas.
“Ele foi um amigo, um aliado dos povos indígenas. Ele estava convencido dessa luta, desse processo, da necessidade de defender a Amazônia. Sabia do rumo do que ser feito, tinha muita alegria e humildade. Ele tinha tanta luz, essa era a sua personalidade, a sua forma de ser”, comentou.
O ‘Francisco’ da Amazônia
Também o Cardeal Pedro Barreto, Arcebispo de Huancayo, no Peru, ex-presidente da Ceama (tendo sucedido a Dom Cláudio nesta função), destacou que o cardeal brasileiro nunca se distanciou se sua espiritualidade franciscana. “Ele vivia a espiritualidade de São Francisco de Assis: de sensibilidade, de humildade. Para mim, Dom Cláudio é o [São] ‘Francisco’ da Amazônia”, comentou.
Cardeal Barreto ressaltou que Dom Cláudio era um homem alegre e de esperança ativa, pela qual animava todos aqueles com quem convivia, algo que nem a enfermidade foi capaz de tirar-lhe: “Em nosso último encontro, meses antes de sua morte, ele estava debilitado, a voz já era tênue, mas seu espírito permanecia muito forte”, disse, lembrando, também que Dom Cláudio “tinha coragem de sonhar novos caminhos”.
Expressando sua admiração pelo Bispo, que já emérito manteve-se ativo na Igreja e atento à causa amazônica, o Cardeal Barreto recordou que na Repam, “Dom Cláudio teve muita prudência, mas, ao mesmo tempo, muita firmeza para buscar novos caminhos. E na Ceama, ele abriu o caminho para o que agora vivemos como uma graça muito especial”, concluiu.
As primeiras preocupações da cátedra
O último conferencista no ato de lançamento da ‘Cátedra Universitária Amazônica Cardeal Cláudio Hummes, OFM’ foi o Prof. Dr. Luiz Arriaga Valenzuela, irmão jesuíta, que preside a Associação das Universidades da Companhia de Jesus na América Latina (Ausjal).
Valenzuela ressaltou que é urgente assegurar a dignidade dos povos originários da Amazônia e que a Igreja também deve se empenhar para tal, seguindo o mandato de sempre direcionar o olhar para os mais pobres e jamais ser indiferente às realidades de desigualdade social e crises climáticas, e com valorização das experiências, da cultura e da história das comunidades locais.
O presidente da Ausjal destacou que os povos originários da América Latina e do Caribe ocupam 400 milhões de hectares, sendo que 80% deste território é de área nativa e quase 50% é classificado como intacto, de modo que, efetivamente, colaboram para a preservação da biodiversidade. “A conservação desses ecossistemas e a defesa dos direitos coletivos dos povos originários são chaves na luta para deter e reverter a crise climática e de direitos”, opinou.
Por fim, Valenzuela listou quatro pontos de atenção para a recém-criada cátedra: fazer do discurso e da prática dos direitos humanos o ponto de chegada de todas as ações; construir um olhar internacional e intercultural que permita à cátedra conectar-se com os problemas globais e locais; que os estudos, espaços e ações de incidência sejam construídos tendo em conta a complexidade das situações vivenciadas no território amazônico; e que os projetos de pesquisa derivados de ações concretas sejam estruturados a partir de olhar inter e transdisciplinar.
Em entrevista ao Vatican News (em espanhol), Maurício Lopes, vice-presidente da Ceama, afirmou que o Programa Universitário Amazônico é um caminho universitário educativo, com temáticas alinhadas aos quatro sonhos do Papa Francisco na exortação apostólica Querida Amazonia, publicada em 2020. Abrangendo o sonho social estão as temáticas de direitos humanos e das alternativas de desenvolvimento; no marco do sonho ecológico, os processos formativos em ecologia integral, espiritualidade ecológica e outros processos que ajudam a fortalecer o tema do cuidado; no sonho cultural, as reflexões acerca da interculturalidade, o diálogo do saber, a perspectiva das identidades amazônicas; no sonho cultural, reflexões sobre as identidades dos povos e dos territórios; e, por último sonho eclesial, com as perspectivas dos ministérios e questões de Teologia.
Entrevista