Dom Cláudio Hummes era amigo dos pobres e profeta da região amazônica.
Por Júlio Caldeira
Homem da esperança, alegria e simplicidade, sempre inspirou pelo seu amor a Jesus, à Igreja, à Amazônia e aos pobres. Com profunda esperança e convicção de fé, viveu e ensinou o caminho rumo a Jesus, com o anúncio do Reino de Deus por meio de obras concretas.
Vida operosa
Nascido em Montenegro, atual município de Salvador do Sul, RS no dia 8 de agosto de 1934, Aury Afonso Hummes (nome civil de dom Cláudio, como ele gostava de ser chamado) fez sua profissão religiosa em 1953, como Franciscano Menor (OFM) e foi ordenado sacerdote em 1958.
Em 1975 foi nomeado por São Paulo VI como bispo de Santo André, SP, onde permaneceu 21 anos, acompanhando de perto o movimento operário do Brasil, incluindo a greve geral dos metalúrgicos do ABC no final dos anos setenta, e no trabalho para combater a pobreza e o desemprego. Nomeado em 1996 como arcebispo de Fortaleza, CE, também se destacou no trabalho com as famílias, especialmente as mais pobres e em dificuldades.
Em 1998 foi nomeado arcebispo de São Paulo, a maior cidade do país. É recordado pela sua constante atuação na formação, evangelização, administração e ação social para atenuar os problemas causadas pela pobreza nas periferias e pelo desemprego. Em 2001 foi designado Cardeal pelo papa São João Paulo II.
De 2006 a 2010 esteve como Prefeito da Congregação para o Clero, no Vaticano, onde afrontou difíceis questões e esteve a frente do Ano Sacerdotal 2009-2010.
Depois da renúncia pelo limite de idade, regressa ao Brasil, onde em 2011 aceitou o desafio de presidir a Comissão Especial para a Amazônia brasileira, da CNBB. Nos anos seguintes foi decisivo para a criação da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), em 2014, e Conferência Eclesial da Amazônia (CEAMA), em 2020, das quais foi o primeiro presidente. Em 2019 foi nomeado pelo papa Francisco como relator geral do Sínodo Amazônico.
Nos seus últimos meses, já com a saúde bem debilitada pelo câncer no pulmão, levou uma vida de oração e depois de combater o bom combate e guardar a santidade e a fé, partiu para o encontro de Deus, a quem amou e serviu. Faleceu em sua casa, em São Paulo, no dia 4 de julho de 2022, depois de uma longa vida, exemplar e com muitas obras.
Não se esqueça dos pobres
Dom Cláudio nos deixa um legado de amor a Cristo, à Igreja e aos pobres. É recordado como amigo e quem inspirou a que o Cardeal Mário Bergoglio tomasse o nome de Francisco ao ser eleito Papa em 2014.
"Na eleição, eu tinha ao meu lado o arcebispo emérito de São Paulo, um grande amigo. Quando a coisa começou a ficar um pouco perigosa, ele começou a me tranquilizar. E quando os votos chegaram a 2/3, aconteceu o aplauso esperado, pois, afinal, havia sido eleito o Papa. Ele me abraçou, me beijou e disse: 'Não se esqueça dos pobres'. Aquilo entrou na minha cabeça. Imediatamente lembrei de São Francisco de Assis", afirmou o papa Francisco.
Esse gesto não foi por acaso. Como bom franciscano, Dom Cláudio, no seu brasão episcopal fez ecoar as palavras de Jesus vividas por São Francisco de Assis: “Omnes vos fratres” (Vós sois todos irmãos): “Quando a pessoa adere a Jesus Cristo, a consequência imediata é a preocupação com os irmãos", dizia.
Sua vida sempre esteve marcada pela preocupação pelos irmãos e irmãs, “especialmente pelos nossos irmãos mais pobres e desfavorecidos”. Seja nas cidades, metrópoles e no interior da Amazônia, seu pensamento, reflexão, obra e oração sempre teve presente a situação de tantos irmãos e irmãs marginalizados, menos favorecidos e “descartados”pela sociedade.
Compromisso com a Amazônia e seus povos
Outro importante legado deixado por Dom Cláudio é sua preocupação e cuidado pela casa comum, especialmente pela Amazônia e os povos originários.
“Dom Cláudio mostrava-se como um pastor simples e firme para expressar suas convicções de fé e suas escolhas claras em favor dos mais pobres e esquecidos. Seu amor e paixão eram por toda a criação de Deus, na sua escolha preferencial pela Amazônia e seus povos originários” (Cardeal Pedro Barreto, presidente da REPAM e CEAMA).
Nesse trabalho na Amazônia dos nove países, sempre incentivou a maior articulação e protagonismo das comunidades e povos, a atuação articulada da Igreja na escuta do clamor dos povos e da natureza, bem como na denúncia da violação dos direitos da natureza, dos povos e dos territórios amazônicos. Estas estão plasmadas nas atividades prioritárias da Rede Eclesial Pan-Amazônica e é recordada pelos agentes de pastoral e por muitos povos indígenas.
Gregório Mirabal, presidente da COICA, confederação indígena que coordena as organizações indígenas da bacia pan-amazônica, e que participou do Sínodo, ecoa esse legado: “O cardeal Cláudio Hummes, nos seus 87 anos, voou alto, aliado das lutas dos homens e mulheres da Amazônia. Suas lutas fizeram tornar realidade o Sínodo Amazónico, seu legado continua sendo um reto para toda a humanidade”.
Seu ardor missionário, unido ao sonho da Igreja e dos povos da Amazônia, tornou possível que se realizasse um Sínodo para a Região, convocado pelo papa Francisco. Pela primeira vez na história recente da Igreja, se fez um amplo processo de escuta que priorizou a voz dos povos e do território. A união dos sonhos de Dom Cláudio, do Papa Francisco e de tantas pessoas, vem dando os frutos para os novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral, não só na Amazônia, mas também para toda Igreja.
As palavras de Maurício López, ex-secretário executivo da REPAM, resumem muito do que se vem falando do legado desse grande profeta: “Não há palavras para agradecer a Dom Cláudio por tudo o que foi e seguirá sendo para aqueles que trabalham por outro mundo possível, por uma Igreja mais sinodal, encarnada e junto dos povos”.
Irmão universal
Nestas breves linhas, quis recordar ao meu grande amigo, “irmão maior” e mestre Dom Cláudio, que tive a graça de conviver nesses caminhos amazônicos desde 2011, como amigo dos pobres e profeta da Amazônia.
Insistia sempre, com muita alegria e convicção, que nunca é tarde para alcançar seus sonhos, principalmente quando se está unido ao projeto de Deus.
Obrigado, Dom Cláudio! Seu legado de amor a Jesus, à Igreja, à Amazônia e aos pobres segue vivo e dando frutos. Que daí do céu siga intercedendo por nós.