Protótipo de todos os tempos, os pobres, os deserdados da sorte e da fortuna, os infelizes, todos estavam refletidos naquele grito perdido que veio de longe.
Por Célio Pedro Saldanha Dornelles*
De repente, um grito. Aquele grito. O grito perdido no meio da multidão. Um grito, aquele grito misturado com a multidão de gente. No meio, e do meio do povo. Sim, um clamoroso pedido de ajuda, de socorro, de piedade, de dó, de compaixão.
O grito era o porta-voz, o interlocutor de todo aquele povo-multidão. Protótipo de todos os povos, de todos os tempos, os pobres, os deserdados da sorte e da fortuna, os infelizes, sim, todos estavam refletidos, espelhados naquele grito perdido que veio lá de longe, rolando no tempo e no espaço e chega a todos os deserdados e infelizes dos nossos tempos.
Quando aquele grito gritou, clamando por compaixão, por misericórdia, implorando por piedade e ajuda, não era só, tão somente o grito–perdido de um coitado mendigo, mas era sim, o clamor de socorro, de clemência, era como o que o choro surdo, sumido de todos os povos do mundo, implorando na voz do mendigo, gritando pelas praças, ruas e becos de todos os lugares, de todos os tempos, de ontem, hoje e sempre.
Aquele grito lastimoso, mas confiante de um pobre cego sentado à beira de um caminho, sim, daquele caminho. Coincidência, acaso, desígnio de Deus Pai, ele estava lá, sentado à beira daquele caminho. Não era só um caminho qualquer, mas sim aquele caminho, pois que Jesus estava passando por ali, bem perto dele.
“Quando Jesus passar, eu quero estar no meu lugar”, já cantava o nosso grande compositor religioso, padre Zezinho. Quando Jesus passava com seus discípulos e considerável multidão de pessoas, Bartimeu, o filho de Timeu, o mendigo cego estava sentado ali, à beira do caminho. Ao ouvir que era Jesus, o passante, começou a gritar: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim”. Muitos o repreendiam para que se calasse, mas ele gritava e gritava: “Senhor, Filho de Davi, tem piedade de mim, olha para a minha miséria e pobreza. Eu não tenho nem morada, nem alimentos, nem remédios, nem saúde, não tenho segurança, é verdade, Senhor, eu não tenho nada”.
Era o grito – pedido de socorro, do mendigo, sentado à beira do caminho, rodeado por uma multidão anônima, isto é, sem nome. O pobre cego como a multidão pobre são anônimos, nunca possuem nome.
Mas, o importante é que esse grito de um pobre cego não caiu em vão, no vazio de sua cegueira pobre, mas caiu sim, repercutiu nos ouvidos do Amigo dos pobres e dos sem nome, caiu, esse grito desesperado, nos ouvidos do perdão e da misericórdia, nos ouvidos da bondade e da compaixão.
No meio da multidão sem nome, anônima, alguém ouviu esse clamor de um pobre, que, do mais profundo da sua anônima pobreza gritou exclamando por misericórdia e piedade: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!...”
E de repente, o Filho do Homem e de Deus exclamou em voz alta: “Parem, parem tudo, chamem aquele homem!” e eles o chamaram: “Coragem, vai, Ele está te chamando, levanta-te e vai!”
Sim, era o chamado, o Filho do Homem e de Deus, o estava chamando. Momento forte e bonito, quando Deus chama o filho, para tirá-lo do seu nada, do seu abismo do nada, da sua miséria e erguê-lo à altura de filho, do anonimato do nada, para a plenitude da graça e da luz, não somente da visão física dos olhos, mas a plenitude da luz, da fé e da filiação divina.
O pobre cego, todo embrulhado em um velho, rasgado e imundo cobertor, apoiado em um cajado – aqui o evangelista Marcos registra – “deu um pulo, abandonou todas aquelas coisas que possuía e caminhou em direção a Jesus, pensando: Ele está me chamando, sim, é Ele, é a graça, é a luz, é a vida, eu não posso perder esse momento, não posso deixar escapar esta ocasião, caso contrário, Ele passou por mim, e eu não percebi”.
“Deus está me chamando hoje, não sei se vai me chamar amanhã!”
E ajudado, meio arrastado por aquelas pessoas, ele foi a Jesus. Solenemente, o Pai Criador e o filho indigente, parados frente à frente, a divina majestade e a pobreza humana, a luz celestial e a completa cegueira, Jesus e o pobre cego.
Jesus pôs a sua mão celestial, divina e milagrosa na face do homem cego e a sua outra mão no coração do pobre homem. Serena e majestosamente lhe perguntou: “Filho, o que queres que eu te faça?”
O cego, imensamente feliz, apenas conseguiu balbuciar: “Pai, que eu veja!”
E enquanto Jesus lhe restituía a luz da visão dos olhos, a sua outra mão, aquela no coração, lhe restituía por dentro a luz da graça, da filiação divina, da fé e do amor. Jesus o ergueu novamente como uma nova criatura, que, como filho de Deus, é onde ele sempre deve estar, onde é o seu lugar!