A nova constituição da cúria romana, 'Pregai o Evangelho' parte do princípio que o poder da Igreja emana da denominada missão canônica e não do sacramento da ordem.
Por Edson Luiz Sampel
“Com o ajutório de leigos qualificados, os clérigos disporão de mais tempo para se dedicar à cura de almas, vale dizer, às funções típicas do ministério sacerdotal: batizados, celebração de missas, oitiva de confissões, casamentos, exéquias, condução de paróquias etc.”
Aos 5 de junho de 2022 entrou em vigor a nova constituição da cúria romana, "Pregai o Evangelho". A referida lei, elaborada pelo papa Francisco, traz mudança profunda no governo eclesiástico porque parte do princípio de que o poder na Igreja emana da denominada missão canônica (espécie de mandato) e não do sacramento da ordem (restrito aos padres e bispos). Assim, os leigos também podem exercer cargos importantes na Igreja. De fato, estabelece o número 5 dos Princípios e Critérios para o Atendimento da Cúria Romana: "Caráter de vigário da cúria romana. Cada instituição curial cumpre sua missão em virtude do poder recebido do pontífice romano, em cujo nome opera com poder vicário no exercício do seu múnus primacial. Por esta razão, qualquer fiel pode presidir um dicastério ou organismo, dada a particular competência, poder de governo e função deste último." Observe-se a frase "qualquer fiel". Deveras, os leigos estão incluídos.
O renomado canonista pe. Guirlanda, SJ, afirma que a "Pregai o Evangelho" confirma a tese de que o poder na Igreja não está atrelado ao sacramento da ordem, isto é, circunscrito principalmente a padres e bispos; o sumo pontífice outorga a missão (missio canonica) a quem lhe aprouver. Espera-se que ao menos o dicastério que trata dos assuntos afetos ao laicato seja doravante presidido por um leigo.
Todavia, à luz da novíssima legislação, nada impede que até mesmo a Congregação para a Doutrina da Fé, um dos mais importantes dicastérios a serviço do papa, seja também conduzido por um leigo.
De qualquer forma, a constituição em apreço não transformará apenas a realidade da cúria romana, pois, consoante o adágio jurídico, o mais se aplica igualmente no menos. Neste diapasão, decerto as cúrias diocesanas outrossim passarão a contar com mais leigos em postos-chaves. Quem sabe um leigo como vigário judicial, ou seja, presidente de um tribunal eclesiástico?!
Cuido que o papa Francisco queira combater dois abomináveis vezos que infeccionam o grêmio da Igreja: o clericalismo e o carreirismo. A propósito, várias vezes, o santo padre tem denunciado essas mazelas, as quais descaracterizam a própria finalidade da sociedade fundada por nosso Senhor.
Com o ajutório de leigos qualificados, os clérigos disporão de mais tempo para se dedicar à cura de almas, vale dizer, às funções típicas do ministério sacerdotal: batizados, celebração de missas, oitiva de confissões, casamentos, exéquias, condução de paróquias etc. Na verdade, é exatamente destes bens espirituais inestimáveis que o povo de Deus precisa para sua salvação!
Saudemos o amantíssimo papa Francisco por mais um corajoso ato, que não enfraquece a Igreja, pelo contrário, fortalece-a, colocando-a cada vez mais em estrita adequação aos parâmetros delineados no maravilhoso Concílio Vaticano II.