Bispos reunidos na 59ª Assembleia Geral da CNBB lançam mensagem ao final da primeira etapa do Encontro. “A esperança não decepciona” (Rm 5,5).
Por CNBB
Guiados pelo Espírito Santo e impulsionados pela Ressurreição do Senhor, unidos ao
Papa Francisco, nós, bispos católicos, em comunhão e unidade, reunidos para a primeira etapa
da 59ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, de modo on-
line e com a representação de diversos organismos eclesiais, dirigimos ao povo brasileiro uma
mensagem de fé, esperança e corajoso compromisso com a vida e o Brasil.
Enche o nosso coração de alegria perceber a explosão de solidariedade, que tem marcado
todo o País na luta pela superação do flagelo sanitário e social da Covid-19. A partilha de
alimentos, bens e espaços, a assistência a pessoas solitárias e a dedicação incansável dos
profissionais de saúde são apenas alguns exemplos de incontáveis ações solidárias. Gestores de
saúde e agentes públicos, diante de um cenário de medo e insegurança, foram incansáveis e
resilientes.
O Sistema Único de Saúde-SUS mostrou sua fundamental importância e eficácia
para a proteção social dos brasileiros. A consciência lúcida da necessidade dos cuidados
sanitários e da vacinação em massa venceu a negação de soluções apresentadas pela ciência.
Contudo, não nos esquecemos da morte de mais de 660.000 pessoas e nos solidarizamos com
as famílias que perderam seus entes queridos, trazendo ambas em nossas preces.
Agradecemos ainda, de modo particular às famílias e outros agentes educativos, que não
se descuidaram da educação das crianças, adolescentes, jovens e adultos, apesar de todas as
dificuldades. Com certeza, a pandemia teria consequências ainda mais devastadoras, se não
fosse a atuação das famílias, educadores e pessoas de boa vontade, espírito solidário e
abnegado. A Campanha da Fraternidade 2022 nos interpela a continuar a luta pela educação
integral, inclusiva e de qualidade.
A grave crise sanitária encontrou o nosso País envolto numa complexa e sistêmica crise
ética, econômica, social e política, que já nos desafiava bem antes da pandemia, escancarando
a desigualdade estrutural enraizada na sociedade brasileira. A COVID-19, antes de ser
responsável, acentuou todas essas crises, potencializando-as, especialmente na vida dos mais
pobres e marginalizados.
O quadro atual é gravíssimo. O Brasil não vai bem! A fome e a insegurança alimentar
são um escândalo para o País, segundo maior exportador de alimentos no mundo, já castigado
pela alta taxa de desemprego e informalidade. Assistimos estarrecidos, mas não inertes, os
criminosos descuidos com a Terra, nossa casa comum. Num sistema voraz de “exploração e
degradação” notam-se a dilapidação dos ecossistemas, o desrespeito com os direitos dos povos
indígenas, quilombolas e ribeirinhos, a perseguição e criminalização de líderes socioambientais,
a precarização das ações de combate aos crimes contra o meio ambiente e projetos
parlamentares desastrosos contra a casa comum.
Tudo isso desemboca numa violência latente, explícita e crescente em nossa sociedade.
A crueldade das guerras, que assistimos pelos meios de comunicação, pode nos deixar
anestesiados e desapercebidos do clima de tensão e violência em que vivemos no campo e nas
cidades. A liberação e o avanço da mineração em terras indígenas e em outros territórios, a
flexibilização da posse e do porte de armas, a legalização do jogo de azar, o feminicídio e a
repulsa aos pobres, não contribuem para a civilização do amor e ferem a fraternidade universal.
Diante deste cenário esperamos que os governantes promovam grandes e urgentes
mudanças, em harmonia com os poderes da República, atendo-se aos princípios e aos valores
da Constituição de 1988, já tão desfigurada por meio de Projetos de Emendas Constitucionais.
Não se permita a perda de direitos dos trabalhadores e dos pobres, grande maioria da população
brasileira. A lógica do confronto que ameaça o estado democrático de direito e suas instituições,
transforma adversários em inimigos, desmonta conquistas e direitos consolidados, fomenta o
ódio nas redes sociais, deteriora o tecido social e desvia o foco dos desafios fundamentais a
serem enfrentados.
Nesse contexto, iremos este ano às urnas. O cenário é de incertezas e radicalismos, mas,
potencialmente carregado de esperança. Nossas escolhas para o Executivo e o Legislativo
determinarão o projeto de nação que desejamos. Urge o exercício da cidadania, com consciente
participação política, capaz de promover a “boa política”, como nos diz o Papa Francisco.
Necessitamos de uma política salutar, que não se submeta à economia, mas seja capaz de
reformar as instituições, coordená-las e dotá-las de bons procedimentos, como as conquistas da
Lei da Ficha Limpa, Lei Complementar 135 de 2010, que afasta do pleito eleitoral candidatos
condenados em decisões colegiadas, e da Lei 9.840 de 1999, que criminaliza a compra de votos.
Não existe alternativa no campo democrático fora da política com a ativa participação no
processo eleitoral.
Tentativas de ruptura da ordem institucional, hoje propagadas abertamente, buscam
colocar em xeque a lisura do processo eleitoral e a conquista irrevogável do voto. Tumultuar o
processo político, fomentar o caos e estimular ações autoritárias não são, em definitivo, projeto
de interesse do povo brasileiro. Reiteramos nosso apoio às Instituições da República,
particularmente aos servidores públicos, que se dedicam em garantir a transparência e a
integridade das eleições.
Duas ameaças merecem atenção especial. A primeira é a manipulação religiosa,
protagonizada tanto por alguns políticos como por alguns religiosos, que coloca em prática um
projeto de poder sem afinidade com os valores do Evangelho de Jesus Cristo. A autonomia e
independência do poder civil em relação ao religioso são valores adquiridos e reconhecidos pela
Igreja e fazem parte do patrimônio da civilização ocidental. A segunda é a disseminação das
fake news, que através da mentira e do ódio, falseia a realidade. Carregando em si o perigoso
potencial de manipular consciências, elas modificam a vontade popular, afrontam a democracia
e viabilizam, fraudulentamente, projetos orquestrados de poder. É fundamental um
compromisso autêntico com a verdade e o respeito aos resultados nas eleições. A democracia
brasileira, ainda em construção, não pode ser colocada em risco.
Conclamamos toda a sociedade brasileira a participar das eleições e a votar com
consciência e responsabilidade, escolhendo projetos representados por candidatos e candidatas
comprometidos com a defesa integral da vida, defendendo-a em todas as suas etapas, desde a
concepção até a morte natural. Que também não negligenciem os direitos humanos e sociais, e
nossa casa comum onde a vida se desenvolve. Todos os cristãos somos chamados a
preocuparmo-nos com a construção de um mundo melhor, por meio do diálogo e da cultura do
encontro, na luta pela justiça e pela paz.
Agradecemos os muitos gestos de solidariedade de nossas comunidades, por ocasião da
pandemia e dos desastres ambientais. Encorajamos as organizações e os movimentos sociais a
continuarem se unindo em mutirão pela vida, especialmente por terra, teto e trabalho.
Convidamos a todos, irmãos e irmãs, particularmente a juventude, a deixarem-se guiar pela
esperança e pelo desejo de uma sociedade justa e fraterna. Nossa Senhora Aparecida, Padroeira
do Brasil, obtenha de Deus as bênçãos para todos nós.
Brasília – DF, 29 de abril de 2022.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte – MG - Presidente da CNBB
Dom Jaime Spengler
Arcebispo de Porto Alegre, RS - 1º Vice-Presidente
Dom Mário Antônio da Silva
Bispo de Roraima, RR - 2º Vice-Presidente
Dom Joel Portella Amado
Bispo auxiliar do Rio de Janeiro, RJ - Secretário-Geral