Milton Ribeiro pede exoneração, depois da constatação de corrupção no Ministério da Educação.
Por Alfredo J. Gonçalves*
Foi o que se viu. O Ministério da Educação perpetrou um desmentido espetacular à falácia dos “três anos e três meses sem um caso de corrupção no meu governo”. Como protagonistas dos acontecimentos, dois pastores, o então ministro Milton Ribeiro e, de forma sempre furtiva e esquiva, o próprio presidente. Os pastores integravam o que a mídia vem classificando de um “gabinete paralelo”. Este era encarregado de distribuir verbas para as prefeituras, mediante uma espécie de pedágio em propina. Entre a solicitação e a liberação das tais verbas, pelo menos por parte de um desses pastores, o preço era nada mais nada menos do que um quilo de ouro. No momento em que escrevo, a grama do ouro custa R$ 308,00, o que, multiplicado por mil, soma a cifra nada desprezível de R$ 308.000,00. Isso sim que é dízimo a peso de ouro!
Também enquanto escrevo estas linhas, acabo de ler no portal da UOL que o Ministro Milton Ribeiro “entrega pedido de exoneração a Bolsonaro”. Em ano de eleições presidenciais, não dá para colocar panos quentes sobre uma chaga que marca a prática política do atual governo. Isso quer dizer então que se foi o tempo dos ataques destrambelhados aos demais poderes da União, dos esquemas de “rachadinhas” nos corredores escusos do legislativo, da defesa incondicional dos filhos, militares e torturadores, das bravatas contra todo aquele que ouse pensar pela própria cabeça e das mentiras repetidas à exaustão? Nada disso? Não estamos diante de uma mudança de perfil, e sim num tempo de trégua que visa garimpar alguns votos aqui e ali.
Os filhos da ditadura e do autoritarismo permanecem os mesmos. Mudam a tática e estratégia da guerra, mas esta permanece há muito declarada. Uma guerra quente e fria à ciência e seus mais respeitados representantes; à mídia livre e aberta, com seus repórteres, jornalistas e estudiosos; aos artistas, escritores, intelectuais e pensadores engajados nas causas de ordem socioambiental ou trabalhista; aos movimentos, entidades e organizações não governamentais por defenderem os direitos e a dignidade das pessoas mais frágeis e vulneráveis, como os indígenas, os negros e afro-brasileiros em geral, as comunidades quilombolas, os migrantes e refugiados, entre tantos outros; às políticas públicas, através de um desmonte estrutural e sistemático dos sistemas de saúde, segurança, educação, transporte, preservação da Amazônia; aos políticos opositores, como se se tratasse de inimigos figadais – enfim, guerra ao processo democrático, enquanto este não permite aos ditadores “fazerem o que nem entenderem”.
Num cenário de campanha eleitoral, entretanto, os arroubos, diatribes e bizarrices revestem-se de um certo verniz que procura ocultar os instintos, paixões e interesses mais mesquinhos, ao mesmo tempo que tenta dissimular o racismo, a misoginia, o autoritarismo e o descaso. Para sequer trazer à tona o espectro da brutal indiferença diante dos milhões de infectados, centenas de milhares de mortos e outros milhões de enlutados pela pandemia da Covid-19. O verniz, por sua vez, vem acompanhado de uma forte blindagem, cujo objetivo é proteger a figura do chefe da nação daquilo que ocorre de “estranho e errado” nas instâncias de seu governo. Nada melhor do que um ministro “terrivelmente evangélico” e dois pastores, os quais, ao lado do Centrão, detêm as chaves do cofre. Podem dessa forma distribuir e traficar com dinheiro, influência e favores, deixando incólume o mito e sua estátua. E mais, em sua grande maioria, as verbas convergem para o horizonte jamais esquecido da reeleição.
Ocorre que todo mito ou estátua tem telhado de vidro e pernas de barro. Cedo ou tarde, ambos tendem a reduzir-se a cinzas, ruínas e escombros. Grave é que, antes do ocaso, costumam fazer grandes estragos. O negacionismo e o desmonte são os maiores deles. Corta-se e rompe-se o tênue fio da confiança com o qual se tecemos relações elementares, por exemplo, no terreno da família e da amizade, da comunidade e da sociedade, da política e da cultura, bem como das relações nacionais e internacionais. Esse “dízimo”, a ser pago a peso de ouro, deixa um déficit para as gerações futuras, cujas feridas são de difícil cicatrização.