Lágrimas que remetem a uma relação contraditória, depuram o pecado, e predispõem a uma metamorfose total da existência humana.
Por Alfredo J. Gonçalves*
As lágrimas da “mulher pecadora” lavam os pés do Messias (Lc 7, 36-50). Lavar os pés dos convidados é tarefa reservada aos escravos ou subalternos. Mas o Mestre transforma a condição daquela estranha que ousa entrar na casa do anfitrião chamado Simão. De fato, Jesus afirma não que a “intrusa” muito pecou, e sim que ela“muito amou”. Ou seja, em lugar de expor o pecado em praça pública e ao olhar dos curiosos, o Senhor ressalta o potencial de amor que mora em cada pessoa humana. Potencial que desperta naquela “pecadora”, não apenas a ação de lavar os pés, mas também de “os enxugar com os próprios cabelos e os beijar, ungindo-os com unguento”. Pranto que lava e purifica, sem dúvida, mas,sobretudo, lágrimas que transformam profundamente a existência de quem mergulha o olhar no interior da própria vida. Lágrimas que emergem de um coração que, desesperadamente, ama e busca ser amado. Ou melhor, de um coração arrependido, disposto a um processo de mudança radical.
Tendo negado a Jesus por três vezes, e tendo ouvido o canto do galo, Pedro se vê fulminado pelo olhar do Senhor. “Saindo dali, chorou amargamente” (Lc 22, 60-62). As lágrimas do discípulo refletem um estado de culpa praticamente irremediável diante do Mestre. Logo ele, o líder absoluto, que sempre se mostrava pronto, decidido; ele, homem de resposta imediata e de uma coragem aparentemente inabalável; ou talvez demasiadamente pronta e irrefletida! O certo é que, a partir daquele encontro e daquele olhar, tanto Jesus quanto Pedro irão viver uma dolorosa “via sacra”. O Mestre deverá enfrentar um julgamento injusto e a morte revestida de torturas atrozes, ao passo que o discípulo, rastejando na lama da própria culpa, deverá experimentar um sofrimento dificilmente imaginável. Enquanto um é guiado pelo olhar do Pai, o outro tenta orientar-se pelo olhar do Filho, espelho transparente de uma verdade extremamente acusatória. As lágrimas de Pedro, com intenso sabor de “amargura”, o haverão de transformar desde as entranhas mais ocultas. Lágrimas que remetem a uma relação contraditória, depuram o pecado, e predispõem a uma metamorfose total da existência humana. O discípulo irrequieto e impetuoso está se convertendo num missionário cheio de ardor, apóstolo incontestável da Boa Nova do Evangelho.
Aos pés do madeiro, sentindo no peito toda a dor do filho crucificado, não é difícil imaginar o pranto de Maria, juntamente com outras mulheres ali presentes.“Simeão os abençoou e disse a Maria: ‘este menino será causa de queda e de reerguimento para muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição – quanto a ti, uma espada traspassará a tua alma’” (Lc 2, 33-35). Lenta e dolorosamente, Jesus expira, enquanto sua mãe banha a cruz com lágrimas de indescritível sofrimento. Lágrimas que haverão de transformar para sempre a história dos seguidores do Nazareno e, depois, da própria Igreja. O pranto de Maria comove o coração de Jesus à beira do último suspiro. E Ele, ao mesmo tempo que lhe dá um outro filho, confere aos futuros cristãos uma mãe. “Jesus disse à mãe: ‘mulher, eis aí teu filho’; depois disse ao discípulo: ‘eis aí tua mãe’” (Jo 19, 25-27). Ao longo da história, a Igreja terá em Maria uma protetora de todas as horas, o que explica a devoção mariana, tão popular e generalizada.
Diz o relato evangélico: “Quando Jesus se aproximou de Jerusalém e viu a cidade, começou a chorar. E disse: ‘se tu também compreendesses hoje o que te pode trazer a paz! Agora, porém, está escondido aos teus olhos. Dias virão em que os inimigos farão trincheiras, te sitiarão e te apertarão de todos os lados. Esmagarão a ti e a teus filhos, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não reconheceste o tempo em que foste visitada’” (Lc 19, 41-44). Lágrimas estarrecedoramente proféticas! Filhas legítimas de um sentimento que faz estremecer as entranhas e de uma eloquência sem igual. Lágrimas que poderiam, sim, transformar a história da cidade e do mundo. Mas, “nenhum profeta é bem recebido em sua terra”, havia alertado anteriormente o próprio Jesus (Lc 4, 21).