O planeta inteiro vê-se envolvido no reino da farsa e dissimulação, da mentira e hipocrisia!
Por Alfredo J. Gonçalves *
Diante de uma solicitação por parte da mãe de dois de seus próprios discípulos e da inveja por parte dos demais, Jesus se detém, primeiro, sobre o que não deve ser a política desde um ponto de vista cristão, em seguida, sobre o que ela deve ser. Sua palavra é bem simples: “Sabeis que os governantes das nações as dominam e que os grandes as tiranizam. Entre vós não deverá ser assim. Ao contrário, aquele que quiser tornar-se grande entre vós seja aquele que serve; e o que quiser ser o primeiro dentre vós, seja o vosso servo” (Mt 20, 25-27).
A frase divide-se claramente em duas partes. A primeira descreve o que o Mestre entende por uma ação política negativa. Os protagonistas trazidos ao palco da conversa são os governantes das nações, de um lado, e os grandes, de outro. Sua identidade torna-se facilmente conhecida: as autoridades administrativas e aqueles que, por alguma razão, são tidos como poderosos. Está em jogo, no debate, o acesso ao poder e ao dinheiro. Voltando o olhar sobre suas atitudes concretas, vemos que elas apontam na mesma direção. Por outro lado, os dois verbos usados – dominar e tiranizar – traduzem com precisão a preocupação dos políticos tiranos. Exercer o domínio e a opressão em favor de interesses escusos.
Ação política positiva
A segunda parte da frase, pelo contrário, expressa o que o Mestre entende por uma ação política positiva. Neste caso, o protagonismo recai sobre o pronome plural “vós”, que indica os próprios discípulos. Em oposição ao domínio e à tirania dos governantes e dos grandes, Jesus aponta um novo horizonte para a administração pública: o primeiro deve ser aquele que serve os demais, o que equivale a dizer que o grande deve ser o servo. O poder político, desde a perspectiva de uma ética cristã, torna-se sinônimo de serviço. Administrar uma cidade ou nação significa colocar o próprio tempo e as próprias potencialidades para servir às necessidades básicas da população, e de forma particular onde a vida se encontra ameaçada.
O confronto não poderia ser mais franco e direto, taxativo e transparente. No contexto histórico do primeiro século de nossa era, bem como no contexto histórico de nossa sociedade moderna ou pós-moderna, os impérios procuram sobrepor-se não só ao seu próprio povo, mas também às demais nações. Predomina um tipo de colonialismo reciclado e requintado, as relações mantidas pelo comércio internacional possuem bases extremamente desiguais, enquanto que os frutos do trabalho de todos tende a ser carreados para os países centrais. Nos países periféricos, por sua vez, a população amarga níveis infra-humanos de progresso e desenvolvimento, o que condena os jovens à falta de trabalho e de oportunidades, acarretando uma situação crônica e perene de pobreza, miséria e fome. O resultado disso, como bem sabemos, é a fuga em massa em busca de um futuro menos intragável. Cresce com isso o número de migrantes.
Em frequentes ocasiões, porém, e o panorama atual confirma isso, o domínio e a tirania se unem para a guerra. Neste caso, a retórica persuasiva, diplomática e/ou comercial cede lugar às armas. Os mais fortes e poderosos, que o são pelo fato de terem desenvolvido por décadas uma corrida armamentista, afiam unhas e dentes e partem para os campos de batalha. Não lhes falta poder de fogo e munição para invadir e amedrontar os vizinhos. Cúmplices do massacre que se sucede, outras potências igualmente fortes, ao mesmo tempo que vendem armas para ambos os lados da trincheira, orquestram negociações e acordos de paz. O planeta inteiro vê-se envolvido no reino da farsa e dissimulação, da mentira e hipocrisia! Contemporaneamente, milhares e milhões de refugiados, como antes os migrantes, são forçados à fuga e à errância.
Entre vós não deverá ser assim! Desafio evangelicamente gigantesco: superar a força da tirania e da dominação pelo serviço humilde e solidário. Superar a atitude bélica pelo árduo processo de diálogo. Superar o poder de fogo das armas, pela capacidade de compreensão e de recíproca troca de saberes. Se isso já se revela um caminho difícil e íngreme em nível pessoal, familiar e comunitário, que dizer das relações políticas, comerciais e globalizadas?!...