A gênese no algoritmo da imaginação

O humano vem aos poucos negando a sua divina descendência adotiva, pois está comendo a insaciável fruta ilegítima da soberba.

Por Márcio Oliveira Elias*

No princípio a escuridão cobria uma força vital informe, num tempo em que o tempo não existia. Há aproximados quatorze bilhões de anos pretéritos, o universo em que vivemos surgiu e se expandiu, em razão de uma explosão de luz incomensurável, inaugurando o tempo e o espaço, numa milionésima fração do segundo que nascia naquele instante cósmico. O universo manancial se expande exponencialmente, indo além dos limites que podem ser alcançados pelo nosso pensamento, mas inserto na profusão da imaginação do que o criou. Somos entremeados em luz e treva. A temporalidade e a ocupação espacial do cosmo aconteceram; e estão acontecendo indistintamente à nossa volta. E tudo isto é bom.

O resultado dessa luz em profusão gerou um infinitésimo numeral de elementos químicos, que começaram a se unir e construir estrelas, astros, galáxias e energia, nos milhões de anos que se seguiram neste imenso oceano do éter. Na convulsão cósmica desenhada por esse incontido firmamento, nasceu há quatro bilhões de anos um astro que emerge tímido, sem luz própria; mas que recebe e se completa na água e na terra primordial, que se forma e se transforma na matéria primaveril da vida; no gênesis de incontáveis corpos em gestação; intensamente. O espírito cósmico infindo pairava sobre este ponto azul; solenemente.

O planeta de terra e água vai sendo colonizado pelas suas primárias sementes de vida microscópica; plantas e ervas que expelem os seus primeiros microfrutos ao ambiente nascente; reconhecendo que isso tudo era bom. Os seus dias e as suas noites paleozoicas se construíram por centenas de milhões de anos, regidos pelo sol e pela lua, que vão impulsionando o rascunho das primeiras existências bióticas. E tudo isto é bom.

Nas águas triássicas o fenômeno da vida acontece num ativo preguiçoso, sem pressa, mas recompensado por uma multidão de seres viventes que nelas surgem, se criam e se insurgem para o acima, na secura terrena, que também se cria e se insurge para os céus. O ecossistema agora nada sofregamente, caminha no rumo do horizonte e voa num destino indefinido; um tempo jurássico que também foi bom.

Os seres viventes, segundo a sua espécie particular, completam o planeta de terra e água, onde a janela de seu paleoceno está se abrindo, evidenciando um futuro que se avizinha há alguns poucos e parcos milhões de anos à frente. Os blocos continentais continuam marchando devagar, no rumo de suas inquietas posições; o que também é bom.

No passar das sucessivas telas visionárias da sua infinitude, o imaginador fielmente inaugura o holoceno à sua imagem, numa temperança materno-paterna indistinta; inspirando-lhe o plexo na tempestade de ser vivo, de ser força, de servir e de ser humanidade. Principia um tempo humano para cuidar e proteger, para plantar e jardinar; frutificando e multiplicando no planeta de terra e água a sua divina descendência adotiva.

Tempo antropogênico

O humano cresce nas cavernas escuras de sua infância imatura, mas também repleta de experiências vívidas e pulsantes, nas centenas de milhares de semanas que o seguem. Apreende as emoções que o constroem, mas que também podem lhe destruir, e destruir seu semelhante. Cultiva a terra do planeta, bebendo a sua água, colhendo seus frutos, domesticando as feras e a sua própria fúria, iniciando assim a senda de sua história. E a tudo se contemplou; e toda a obra criadora se viu refletida na silhueta do cosmo, sentindo a energia da luz e o alento da escuridão; e é assim, por tudo isso, imensamente bom.

No tempo antropogênico que agora rege o planeta de terra e água, o humano se descobre na inerência de sua inteligência criativa, de sua liberdade de ser e de estar nesse lugar; transformando as matizes e as realidades. Do fogo ao bronze; do vapor ao núcleo do átomo; o ser que se cria livre desenvolve as suas capacidades universais; constrói os seus castelos, as suas cidades e os seus sonhos. Isso ainda é bom.

A humanidade cresce, mas agora se esquece de que no princípio a escuridão cobria uma força informe, num tempo em que o tempo não existia. O humano se afasta da ocupação espacial do cosmo, que está crescendo à sua volta, deleitando-se com suas próprias virtudes e solicitudes. Esquece a tempestade de ser vivo, de ser força, de servir, e de ser a verdadeira humanidade. Esquece a sua medida de cuidar e proteger, de plantar e jardinar.

O humano vem aos poucos negando a sua divina descendência adotiva, pois está comendo a insaciável fruta ilegítima da soberba, que envenena o espírito com a indolência de sua suficiência. Quando o criado se afasta de seu imaginador, que fielmente inaugurou a sua imagem, torna a si mesmo uma lembrança fugaz e distante; uma selfie pálida e perdida no deletério de sua história sísmica.

Neste instante de um ciclo que não cessa de regurgitar, isso dito já não é tão bom, ou compraz o espírito. Enquanto a gênese no algoritmo do imaginador permanece amorosa e compassiva de esperança, aguarda que a sua humana criança enxergue na treva a luz, reencontrando o espelho místico de seu divino interior; entendendo em si mesmo o tempo e o vento, e o que é verdadeiramente bom.

* Márcio Oliveira Elias é advogado, professor de Teologia Pastoral e palestrante. Bacharel em Teologia, com especialização em Teologia Contemporânea, Filosofia e Sociologia. Atua na formação permanente de agentes pastorais e fiéis leigos na Diocese de Cachoeiro de Itapemirim/ES. moelias@terra.com.br.

Deixe uma resposta

15 − dez =