Indica os benefícios e mazelas no interior da própria Igreja. Cuida dos pobres, exige justiça social, acompanha defesa dos direitos humanos, cuida do meio ambiente e da casa comum.
Por Alfredo J. Gonçalves
Fotos: Vatican News
Com as palavras do título, poderia ser definida a voz do Papa Francisco nestes tempos sombrios. Mensageiro de Deus, ele aponta o dedo sobre as lacunas e deficiências de um desenvolvimento desigual (denúncia) e, ao mesmo tempo, faz emergir as potencialidades das relações e da solidariedade humana (anúncio).
Indica, de outro lado, os benefícios e mazelas no interior da própria Igreja. Quatro aspectos dessa profecia merecem especial destaque como um cuidado todo particular com os valores que têm guiado culturas e civilizações: cuidado com os pobres, excluídos e vulneráveis; cuidado com as exigências da justiça social, acompanhada da defesa dos direitos humanos; cuidado com a preservação do meio ambiente, “a nossa casa comum”; e cuidado em purificar a Igreja dos pastores perniciosos.
O cuidado com os pobres excluídos e vulneráveis evidencia-se desde que Bergoglio tomou posse da cátedra de Pedro. Exemplo disso tem sido a atenção permanente aos “desplazados”, migrantes e refugiados, vítimas da guerra, da violência e da pobreza. Bastaria elencar as suas visitas à ilha de Lampedusa (Itália), de Lesbos (Grécia) e à fronteira entre Estados Unidos e México, bem como a acolhida no Vaticano de algumas famílias sírias refugiadas. Prevalece a preocupação em seguir de perto as “alegrias e esperanças, as tristezas e angústias”, as dores e os passos de milhões de pessoas e famílias “ invisíveis” ou “descartáveis” para a economia e o mercado globalizados, quer como trabalhadores/as, quer como consumidores/as. “Gestos que valem uma encíclica”, afirmava com razão um jornalista italiano.
O cuidado com a justiça social e com os direitos humanos transparece em cada um dos escritos e declarações do pontífice. Com grande veemência, jamais se cansou de fustigar, de um lado, a “economia que exclui, descarta e mata”, de outro, a desigualdade progressiva entre o pico e a base da pirâmide social.
Desde o tempo de sacerdote ou arcebispo em Buenos Aires – “no fim do mundo” – conhece como poucos o interior pobre e vazio, sórdido e despido de numerosas famílias esquecidas e abandonadas. Lares onde falta tudo, menos a fé e a esperança. Da mesma forma, conhece as agruras da falta de trabalho, bem como os gemidos silenciosos da dor e da fome. Ervas daninhas que proliferam pelos campos e pelos subterrâneos e periferias da cidade. A carta encíclica Fratelli tutti, publicada em outubro de 2020, combate simultaneamente a concentração da riqueza e a exclusão social, o pecado e a degradação humana.
O cuidado com o meio ambiente constitui outra de suas marcas registradas. A agressividade dos seres humanos sobre a natureza, com suas consequentes mudanças climáticas, há séculos vem causando, entre outras coisas, a derrubada das florestas, a desertificação do solo, a poluição das águas e do ar, o aquecimento global, a devastação dos ecossistemas. O Santo Padre lançou, em maio de 2015, a carta encíclica Laudato Si’, inspirada no Cântico das Criaturas de Francisco de Assis, a qual, sem exagero, poderia ser chamada de “evangelho do meio ambiente”. Trata-se de um verdadeiro manifesto pela preservação do planeta terra, onde emerge com força redobrada o “cuidado com a casa comum”. E Bergoglio não está só! Cientistas, ambientalistas e ativistas de todos os recantos alertam tanto para o número crescente de “refugiados climáticos”, quanto para os riscos à biodiversidade e às gerações futuras.
Enfim, no cuidado em exorcizar dos maus pastores o interior da própria casa, o Papa Francisco tem sido firme e intransigente. O vírus da pedofilia, associado a outros abusos de ordem moral, sexual ou financeiro, tem trazido podridão a determinados corredores da Igreja Católica. Longe de encobrir as denúncias e proteger os criminosos, o Vaticano vem escancarando e rasgando os tumores, para extirpar de suas entranhas o mal que corrompe e torna necrosado o tecido eclesial. Nesse sentido, a intransigência do pontífice para com os culpados só é comparável à sua ternura e prontidão no socorro às vítimas e familiares atingidos.