O coronavírus não conhece fronteiras. Com a fúria e a violência de um furacão endiabrado, ceifa e varre centenas de milhares de vidas pelos quatro cantos do planeta.
Por Alfredo J. Gonçalves
A pandemia exibe sua face perversa e devastadora. Efeitos de curto, médio e longo prazo, que imprimem sequelas desconhecidas e, por isso mesmo inquietantes, sejam elas de ordem física ou emocional, sejam as marcas no cérebro e sistema nervoso central. O fato é que, no momento, já se contabilizam mais de meio milhão de mortos no Brasil. Ao partirem, de forma precoce, deixaram uma enorme quantidade de famílias enlutadas. Figuram entre elas grande parte de dependentes desassistidos, filhos e filhas de uma tragédia que por todo lado espalha vítimas. Destas últimas, os migrantes o são em dupla dimensão. Não poucos perderam qualquer tipo de fonte de rendimento, por mínima que seja, enquanto outros sequer conseguiram os documentos necessários para uma cidadania segura. Para eles, à crise sanitária e humanitária, acrescenta-se a insegurança quanto à inserção no mercado de trabalho, bem como a garantia dos direitos básicos à mera sobrevivência. Os vulneráveis se tornam indesejados e “descartáveis”.
O coronavírus não conhece fronteiras. Com a fúria e a violência de um furacão endiabrado, ceifa e varre centenas de milhares de vidas pelos quatro cantos do planeta. Vale um exemplo: “Arrendar uma casa ou um quarto é uma frase que não entra nas conversas dos imigrantes acabados de chegar às grandes cidades. Em Lisboa, pagam 100 a 250 euros por uma cama ou uma vaga, dormem em beliches que ocupam todos os cantos de um assoalho. Vivem em prédios velhos e degradados (...). O elevado custo da habitação afeta tanto os portugueses como os estrangeiros, mas são maiores as dificuldades para quem vem de longe”, os migrantes. Os dados da Eurostat de 2019 confirmam as desvantagens habitacionais dos estrangeiros. No que diz respeito à superlotação das casas, Portugal é um dos países da União Europeia (EU) onde a distância entre a população de nacionalidade portuguesa e estrangeira é maior: 24,5% dos estrangeiros residem em alojamentos superlotados enquanto 7,8% dos nacionais vivem nessas condições, ou seja, menos 16,7 pontos percentuais, diz o Relatório Estatístico Anual de 2020, Integração de Imigrantes, do Alto-Comissariado das Nações Unidas para as Migrações”. (Cfr. niem-migracao@googlegroups.com, veiculado na data de 8 de julho de 2021).
O novo coronavírus, porém, encontrou no Brasil um terreno fértil para se proliferar e dizimar um número inusitado de vítimas fatais. Entre os fatores que contribuíram para esse contágio inédito, está em primeiro lugar o menosprezo quanto ao potencial mortífero da Covid-19, por parte do presidente da república, Jair Bolsonaro, em cumplicidade com outros representantes do governo federal – o que levou à consequência lógica da indiferença e desinteresse públicos. Mais grave, entretanto, foi a pretensão de medicar de forma irresponsável e incompetente remédios sem eficácia comprovada contra o coronavírus. Some-se a isso uma acentuada e repetida dose de escárnio e deboche, descaso e miopia diante da morte, da separação e do sofrimento de tantos cidadãos. Difícil perdoar quem, de tão prepotente, alheio ou insensível, torna-se incapaz de solidarizar-se com milhões de órfãos enlutados!
Na raiz de semelhante atitude, encontramos o negacionismo não somente diante da pesquisa e dos avanços científicos, mas também no que diz respeito ao bom senso e a uma convivência minimamente humana. Negacionismo que desde cedo bateu-se de forma autoritária e violenta contra as instituições e instâncias do Estado de direito, tentando a todo custo minar os alicerces da democracia. E bateu-se, ainda, com igual virulência contra os membros dos demais poderes, Judiciário e Legislativo, além da rota de colisão quase que diária e obsessivo com acadêmicos, artista, intelectuais e com os meios de comunicação em geral. Como se qualquer pessoa com o mínimo de racionalidade e de bom senso constituísse uma ameaça, na medida em que tende a ressaltar a ignorância do chefe da nação e sua seita de fanáticos. Numa palavra, desta vez é o “rei” que faz o papel de “bobo da corte”. Isso sem falar do desrespeito ostensivo quanto às normas sanitárias, tanto da OMS, quanto do Ministério da Saúde do próprio governo.