Se dou pão aos pobres, todos me chamam de santo. Se mostro porque os pobres não têm pão, me chamam de comunista e subversivo, costumava dizer Dom Helder Câmara, idealizador e um dos fundadores da CNBB.
Por Juacy da Silva*
“Se dou pão aos pobres, todos me chamam de santo. Se mostro porque os pobres não têm pão, me chamam de comunista e subversivo”, costumava dizer Dom Helder Câmara, idealizador e um dos fundadores da CNBB.
A preocupação com as questões ambientais, tanto no Brasil quanto no mundo inteiro, tem estado presente ao longo da caminhada da Igreja Católica e também de diversas outras religiões, principalmente nas últimas décadas, quando a degradação ambiental e as mudanças climáticas tem aumentado de forma vertiginosa, afetando negativamente todas as formas de vida existentes no Planeta, incluindo a vida humana.
O aquecimento global, a poluição do ar, das águas, inclusive dos oceanos; do solo incluindo erosões, desertificação, o desmatamento e as queimadas estão presentes no noticiário praticamente todos os dias no Brasil e ao redor do mundo.
No caso do Brasil esta degradação está se tornando permanente e está afetando todos os biomas/ecossistemas, mas de uma forma mais devastadora e alarmante o Pantanal, considerado um santuário ecológico e patrimônio da humanidade; a Amazônia, também considerada o pulmão do mundo e responsável pela maior reserva de ÁGUA DOCE do planeta e o Cerrado, berço de todas as nascentes que formam as bacias do Amazonas, do Paraná/Paraguai e do São Francisco.
Estamos vivendo, já há alguns anos, uma verdadeira crise hídrica, com alteração do regime das chuvas, reduzindo drasticamente o volume de água nos reservatórios que tanto abastecem a população com este precioso líquido quanto afetando de forma drástica a produção de energia elétrica, impondo um pesado ônus, em termos de custos da tarifa para todo o sistema produtivo e para a população em geral, prejudicando o dia a dia do país e também pressionando o custo de vida e as taxas de inflação.
Lamentavelmente, mesmo ante os alertas que tem sido feito há décadas pelos cientistas e estudiosos do clima quanto a este desastre anunciado, nossos governantes, ao invés de investirem de forma massiva e estimularem a produção e uso de outras fontes de energias limpas e renováveis, nas quais o Brasil é privilegiado, como a energia eólica e a energia solar, decisões equivocadas, continuam pecando pela falta de visão de futuro e de planejamento estratégico em todos os níveis de governança.
Isto vem impondo à população o medo quanto à falta de energia, do racionamento e o uso de energia de fontes sujas, poluidoras e de custos mais elevados, como o uso das usinas termelétricas, que utilizam combustíveis fósseis ou ainda a construção de pequenas ou grandes usinas hidrelétricas, que, apesar de serem consideradas limpas, impõem um elevado custo ambiental, com alagamento de enormes áreas, deslocamentos populacionais, enfim, também degradação dos ecossistemas.
Em plena crise ambiental, com queimadas que destruíram quase dois milhões de hectares do Pantanal, em Mato Grosso diversas PCHs, (pequenas centrais hidrelétricas) estão em processo de serem construídas no Rio Cuiabá e diversas outros que formam o Pantanal, decretando, sem duvida, a morte deste santuário ecológico.
Outro problema ambiental sério e grave tem sido os níveis de contaminação dos cursos d’água e dos solos pelo uso exagerado e abusivo de agrotóxicos, que tem colocado em risco a saúde pública e a vida humana e que apesar dos alertas quanto a tais riscos, pouco progresso tem sido feito nesta área, pelo contrário, o Brasil a cada ano tem permitido o registro e uso de mais agrotóxicos, indo na contramão da sustentabilidade, da agroecologia e de práticas que embasam a economia verde.
De forma semelhante, a questão ambiental urbana também vem se agravando ano após ano, seja pela forma desordenada e caótica da expansão territorial das cidades, sem infraestrutura, “empurrando” as grandes massas excluídas, milhões de famílias pobres para viverem em áreas insalubres, em encostas de morros, sem qualquer infraestrutura urbana, convivendo em meio a esgoto a céu aberto, com lixo e todas as formas de detritos que provocam doenças e sofrimento para imensas camadas populacionais.
A situação do saneamento no Brasil é simplesmente vergonhosa, principalmente se considerarmos que o nosso país é a oitava, nona ou décima maior economia do Planeta. Apesar disso, mais de 35 milhões de pessoas não tem água potável e mais de 104 milhões de brasileiros e brasileiras, inclusive crianças não tem coleta de esgoto e número muito maior que não tem acesso a esgoto tratado, cujo volume de bilhões de litros de esgoto “in natura” são despejados em córregos, rios, lagos e oceanos, aumentando significativamente os níveis de insalubridade e de miserabilidade em que vivem a grande maioria da população urbana brasileira.
Outro problema complexo e muito sério é a falta de moradia, de um teto digno para abrigar-se. Nada menos do que 220 mil pessoas vivem em situação de rua; que além da falta de teto, não dispõe de condições alimentares, de higiene e proteção contra a violência. Essa massa humana representa os párias da sociedade brasileira.
Além desta calamidade da população de rua que tem crescido assustadoramente nos últimos cinco anos e em maior intensidade com o advento da pandemia do coronavírus, segundo o IBGE, 45,2milhões de pessoas, incluindo crianças, adolescentes e idosos/idosas vivem em “habitações” extremamente precárias, são essas pessoas que sofrem os impactos dos desastres naturais e dos despejos, já que muitas vezes ocupam irregularmente as áreas em que construiram seus barracos ou casebres.
Do contingente de pessoas que vivem nessas condições, em torno de 31,3 milhões 69,2% são pessoas de cor negra, parda, enfim, afrodescendentes e apenas 30,8% de cor branca, indicando que esta é ainda uma herança da escravidão e exclusão que por séculos perduraram em nosso país.
Como mencionado anteriormente, a Igreja Católica tem estado presente ao longo de nossa história, desde os tempos do descobrimento, no Império e durante todo o período republicano, ora estando mais próxima dos poderosos, das elites do poder, ora mais ao lado dos pobres e excluídos, como tem acontecido nas últimas décadas.
Diversos tem sido os desafios enfrentados pela Igreja em sua caminhada no Brasil, cabendo enfatizar que nas últimas décadas, principalmente desde o surgimento/fundação da CNBB em 14 de outubro de 1952, sob a inspiração de Dom Hélder Câmara, seu papel tem sido destacado na defesa do meio ambiente/ecologia integral, dos direitos humanos em geral, principalmente do direitos de grupos populacionais vulneráveis como os povos indígenas, os trabalhadores urbanos e rurais, os quilombolas, os ribeirinhos, os agricultores familiares, moradores de ruas, pessoas privadas de liberdade, migrantes, mulher marginalizada, além de outros grupos demográficos que constantemente sofrem violência, abusos e diversas outras formas de desrespeito à dignidade humana.
A Igreja busca alcançar, socorrer e apoiar as pessoas em sua integralidade, ou seja, cuida ou se preocupe tanto com os aspectos espirituais, transcendentais quanto dos aspectos temporais, materiais, enfim, procura ir ao encontro de todos e todas, principalmente quem está nas diversas periferias, materiais ou existenciais.
Em decorrência, desde o Concílio Vaticano II, a Igreja tem mostrado uma face mais humana, social e solidária, em consonância com sua “opção preferencial, mas não excludente, pelos pobres”, opção esta sempre enfatizada e re-enfatizada, como na atualidade pelo magistério do Papa Francisco.
No Brasil, a Igreja realiza e concretiza esta opção pelos pobres e excluídos através das ações das Pastorais, dos movimentos e diversos organismos que integram esta gama de atividades.
Podemos mencionar as Pastorais: afro-brasileira; da AIDS, dos brasileiros no exterior, carcerária, de comunicação (PASCOM), da criança, da família, da juventude, do menor, da mobilidade humana, dos migrantes, da mulher negra, dos nômades, operária, dos pescadores, da pessoa idosa, do povo de rua, rodoviária, da saúde, da sobriedade, do turismo, vocacional, do dízimo, pastoral da Terra e, um pouco mais recentes cabe destaque às pastorais do meio ambiente e por último da Ecologia Integral.
Além das ações das pastorais cabe destacar o trabalho voltando a essas camadas populacionais realizado há décadas pela Cáritas Brasileira, pelas Campanhas da Fraternidade, pelo CIMI, pela Comissão brasileira de Justiça e Paz, pelos Vicentinos; enfim, a Igreja está presente não apenas no Brasil inteiro em termos de territorialidade, desde os grandes centros urbanos até os confins da Amazônia e também, junto às periferias urbanas, rurais, nas florestas e também nas periferias existenciais.
É fundamental ter em mente que as pastorais, os movimentos e organizações através das quais a Igreja atua na sociedade, não são entidades com finalidade políticas, comerciais ou ideológicas, mas sim, escudadas na doutrina da Igreja Católica, principalmente nas Escrituras Sagradas (Bíblia Sagrada), nos Evangelhos, na Doutrina Social da Igreja, nas Encíclicas Papais, da teologia cristã/católica, nos princípios do ecumenismo e nas exortações apostólicas (emanadas pelos Papas a cada pontificado).
Por isso é que costuma-se dizer e destacar que “pastoral não é apenas mais uma ONG”; mas sim, conforme a CNBB, “A ação pastoral da Igreja no Brasil ou simplesmente pastoral é a ação da Igreja Católica no mundo ou o conjunto de atividades pelas quais a Igreja realiza a sua missão de continuar a ação de Jesus Cristo junto a diferentes grupos e realidades”.
Por isso, podemos dizer, sem sombra de dúvida que a organização e o desenvolvimento de uma Pastoral e com a Pastoral da Ecologia Integral não poderia ser diferente, com certeza é um trabalho árduo, lento, de convencimento, passa pela motivação, conversão ecológica, pelo despertar das pessoas e das consciências e do coração, pela formação de equipes regionais, arquidiocesanas/diocesanas, paroquiais e inclusive nas comunidades.
Neste sentido, a Pastoral da Ecologia Integral deve estar inserida e integrada na vida da Igreja, articulada com as demais pastorais, movimentos e organizações, somando com os esforços que cada paroquia desenvolve, incluindo esta nova dimensão que compreende, conforme a “LAUDATO SI”, a ecologia ambiental, econômica e social; a ecologia cultural e a ecologia da vida do cotidiano, voltada para o bem comum e para os cuidados com todas as formas de criação, enfim, com a Casa Comum, dentro do princípio de que tudo, na realidade que nos cerca, esta interligado, como tanto enfatiza o Sumo Pontífice.
As vezes, mesmo tendo presente que a Encíclica Laudato Si, tenha sido publicada há seis anos, em 24 de maio de 2015, a organização da Pastoral da Ecologia Integral ainda enfrenta algumas resistências, até mesmo dentro da Igreja ou tem dificuldade de conseguir uma maior adesão tendo em vista a enorme gama de atividades já em curso com outras pastorais, movimentos e organismos que sobrecarregam as pessoas, principalmente as que já estão engajadas.
Aqui cabe a menção bíblica de que “a messe é grande, mas os trabalhadores são poucos”, urge, pois, a necessidade de formação de mais agentes de pastorais para realizar o trabalho que se espera da Igreja em momentos decisivos como o que estamos vivendo no Brasil em relação à grave crise ambiental/ecológica.
Com toda a certeza, apesar de já se terem transcorridos 6 anos desde que a LAUDATO SI foi publicada, o seu conteúdo ainda é muito pouco conhecido, difundido, discutido e refletido na grande maioria das Arquidioceses, Dioceses, paróquias e comunidades por este imenso Brasil, inclusive na Amazônia, no Pantanal e no Cerrado; três biomas que representam a maior parte do território brasileiro e que estão sofrendo de forma devastadora a destruição da biodiversidade com o desmatamento, as queimadas, a monocultura, o uso abusivo de agrotóxico e a degradação desses ecossistemas.
Da mesma forma, também a Doutrina Social da Igreja, as diversas Encíclicas, as Cartas e as Exortações apostólicas continuam como algo bem distante do dia a dia da vida da Igreja e dos cristãos. Este conjunto, incluindo o estudo da Bíblia, forma o corpo da Doutrina Católica que serve ou deveria servir de base, como uma bússola, para todas as ações da Igreja, seja no Brasil ou em outros países. Quem navega sem uma bússola corre o risco de perder-se no caminho e jamais chegar ao destino planejado.
Todavia, nem por isso devemos desanimar, precisamos preparar o terreno, preparar a equipe que vai plantar as sementes, regar, cuidar com zelo e carinho este trabalho que também faz parte da messe e onde a presença da Igreja é importante, fundamental e não pode estar ausente.
Afinal, como deseja e nos exorta o Papa Francisco, precisamos de uma Igreja em saída, missionária, apostólica, misericordiosa, profética, pobre e voltada, preferencialmente para os pobres e aqueles que estão nas periferias existenciais e da sociedade; cabendo destacar que principalmente quando se trata da degradação ambiental, da destruição do meio ambiente, ai, também, podemos identificar a presença dessas periferias existenciais e onde a Igreja não pode estar ausente.
A degradação ambiental representa a destruição da biodiversidade, da vida e atenta contra a Casa Comum, contra a obra do Criador, por isso, as Pastorais da Ecologia Integral são tão importantes tanto nas Paróquias, comunidades e outras estruturas da Igreja quanto na atualidade em nosso país, principalmente na Região Centro Oeste, no Pantanal e na Amazônia, regiões onde o meio ambiente está gemendo e clamando por socorro.
Estar ausente neste momento e nesses lugares, Diante do tamanho do desafios, representa omissão de socorro e conivência com a destruição e a degradação desta parte do Planeta, da Mãe Terra.
Em boa hora, mesmo em meio a esta pandemia que assola nosso país, tem sido possível a realização de eventos como cursos, encontros e rodas de conversa, virtuais, sobre a LAUDATO SI, sobre as Pastorais da Ecologia Integral, eventos sobre a ECONOMIA DE FRANCISCO E CLARA, discussões e ações da REPAM, encontros virtuais sobre a 6ª Semana Social Brasileira e também as ações preparativas para a Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe, além de cursos de formações de agentes da Pastoral da Ecologia Integral.
Olhando para a caminhada histórica da Igreja Católica no Brasil e na América Latina e no Caribe, podemos concluir que muitas coisas já foram feitas, muitas ações estão sendo realizadas e, por certo, muito mais poderemos realizar no futuro, que começa hoje, agora.
Esta é, sem duvida, a missão da Igreja e também nossa missão como cristãos comprometidos com a situação em que vivem e o destino das pessoas, das obras da criação e com o futuro de nosso planeta!
Concluindo, tenhamos em mente a exortação de Jesus, quando disse “Se eles (os profetas) se calarem, até as pedras falarão”, Evangelho de Lucas, 19,40.