O negacionismo se apresenta com escárnio e piadas de mau gosto, ante o medo, angústia e sofrimento que a pandemia provoca na população como um todo.
Por Juacy da Silva
Neste final de semana, entre hoje 18 até segunda feira, 21 de junho de 2021, o Brasil estará registrando dois acontecimentos extremamente tristes. Estaremos contabilizando MEIO MILHÃO DE MORTES POR COVID-19, além de o país estar registrando 18 MILHÕES de casos do Coronavírus, não são números, nem estatísticas, são seres humanos que tinham e tem o direito à vida, direito de serem felizes, com nomes, sobrenomes, com sonhos, esperanças, histórias de vidas, milhões de pessoas que foram infectadas, muitas, centenas de milhares dessas que foram internadas, estiveram entre a vida e a morte, entubadas, trazendo sofrimento para si mesmas e para seus familiares e quase meio milhão de vitimas que sucumbiram, deixando apenas lembranças e muito sofrimento para familiares, amigos, vizinhos e colegas de trabalho, gente que jamais poderemos nos esquecer.
Enquanto isso, nossos governantes, principalmente a cúpula do governo federal, capitaneada por Bolsonaro e seus seguidores, alguns governadores, prefeitos, políticos com mandatos ou sem mandatos, gestores, empresários e até mesmo profissionais da saúde, parece que vivem em outro país, em outro mundo onde a Covid-19 esteja ausente.
O negacionismo às vezes se apresentava e se apresenta com escárnio, com galhofas e piadas de mau gosto, ante o medo, angústia e sofrimento que a pandemia provoca na população como um todo, além do sofrimento e morte de tanta gente. Se um dia as pessoas resolverem fazer um corte temporal e analisarem os dados estatísticos (que o governo federal em determinado momento tentou “maquiar” ou impedir que se tornassem de conhecimento público, obrigando a que um grupo de veículos de imprensa formassem um consórcio para continuar mostrando para a população toda a verdade, nua e crua, do estrago que a Covid-19 estava e continua provocando em nosso país), vai se deparar com números absurdos, cenas tristes, fatos e imagens estarrecedoras como o congestionamento de ambulâncias nas portas de unidades de saúde e de hospitais, de carros funerários congestionando as entradas de cemitérios, as filas da morte, constituídas por pessoas que aguardaram e ainda aguardam dias, semanas e até meses por um leito de enfermaria ou um leito de UTI.
Para muitas dessas pessoas a vaga em um leito hospitalar chegou ou chega tarde demais e milhares acabaram morrendo, diante dos olhos de profissionais da saúde ou de seus familiares, da mesma forma que milhares morreram sufocadas por falta de respiradores ou até mesmo por falta de oxigênio nos hospitais, como na crise de Manaus e outros estabelecimentos de saúde no país.
Enquanto isso, os seguidores do “mito” continuam, seguindo seu chefe, espalhando “fake news”, combatendo todas as medidas que a OMS e a comunidade médica e de cientistas recomendavam, como o isolamento, distanciamento social, evitar aglomerações, o uso de máscaras, a higienização das mãos, enfim, cuidados básicos e necessários para evitar o contágio, impedindo que o Coronavírus ampliasse sua ação nefasta, fatal e mortífera.
Desde o início da pandemia, quando em 26 de fevereiro de 2020 foi registrado o primeiro caso e em 17 de março do ano passado quando foi registrada a primeira morte de uma pessoa infectada por Covid-19, o negacionismo instalado na cúpula do governo federal e também em empresas, em diversos estados e municípios, principalmente governados por políticos e gestores públicos Negacionistas, que, por não acreditarem na letalidade do Coronavírus, não planejaram, nem planejam ações racionais, de emergência ou rotineiras, para confrontarem esta pandemia. Tratam as pessoas como objetos descartáveis.
Além disso, os registros desta triste fase de nossa história registram, para que no futuro os estudiosos possam analisar como a negligência, a incompetência, a falta de ética, a corrupção e a visão distorcida da realidade e dos fatos contribuíram e ainda estão contribuindo para que neste final de semana estejamos registrando números absurdos de casos e de mortes em nosso país.
Esta negligência e negacionismo estão presentes também na visão canhestra de quem deveria zelar pela saúde da população, tanto em relação às vacinas, cujas mensagens que tem passado tem um caráter dúbio ou de negar a eficiência das mesmas e sua fixação, ou seja, ideia fixa a respeito do que tem sido chamado de atendimento precoce ou tratamento precoce, tentando favorecer o uso de medicamentos, cuja eficácia científica jamais foi comprovada, na vã suposição de que esse tipo de curandeirismo oficial possa barrar o avanço do Coronavírus, da mesma forma que alguns líderes religiosos, seguidores do negacionismo, tentam enganar o povo com tratamentos mágicos, tentando minorar o caos e a falência de nossos sistemas de saúde.
No dia 20 de junho de 2020 o Brasil registrava 1.070.130 casos de pessoas que tinham sido infectadas desde o início da pandemia e, naquele mesmo dia, ou seja, há um ano, nosso país contabilizava 50.058 mil mortes pela Covid-19. Em um ano o número de mortes por Covid-19 foi multiplicado por dez, praticamente e o de casos quase 18 vezes.
Neste final de semana, como apontamos no início desta reflexão, estaremos contabilizando 500.000 mortes e 18 milhões de casos de Covid-19, continuamos, como o terceiro país em número de casos e o segundo em número de mortes, neste campeonato macabro.
O primeiro lugar, tanto de mortes quanto de casos registrados são os Estados Unidos, que durante pouco mais de um ano de pandemia, foi governado por Trump, um negacionista de carteirinha, a quem Bolsonaro e seus fiéis escudeiros seguiam de forma quase religiosa, com alinhamento ideológico automático, que tem uma população de 330 milhões de habitantes, que atualmente registra 35,5 milhões de casos e mais de 600 mil mortes, cujo índice de letalidade é de 1,69% (número de mortes por Covid-19 em relação percentual com o número de infectados), enquanto no Brasil este índice é de 2,80%, o terceiro maior do mundo.
O segundo país em numero de casos é a Índia, com 29,7 milhões e 381 mil mortes em que pese que aquele país tenha 1,38 bilhão de habitantes, apontando para um índice de letalidade de 1,29%, ocupando a 14ª posição entre os 15 países com os maiores números de casos e de mortes no planeta.
Vale destacar que a Índia tem 6,5 vezes mais população do que o Brasil e muito menos mortes por Covid-19, em torno de 381 mil, enquanto o Brasil ostenta meio milhão de mortes decorrentes desta pandemia.
Outro dado que chama a nossa atenção é o fato de o Estado de São Paulo, considerado a “locomotiva” do Brasil, que tem 46,3 milhões de habitantes (21,9% da população do Brasil), é responsável por 32,6% do PIB brasileiro, ostenta os melhores índices socioeconômicos, inclusive a melhor rede e sistema de saúde entre os estados brasileiros, no entanto, desde o inicio da pandemia São Paulo ostenta dados absurdos, tanto de casos quanto de mortalidade e letalidade por Coronavírus.
O Estado de São Paulo tem população praticamente igual a da Espanha e de forma absurda, apresenta um índice de letalidade de 3,40% (ou seja, de cada 100 pessoas infectadas, pouco mais de 3 acabam morrendo), enquanto este índice na Espanha é de “apenas” 2,15%; praticamente igual à média mundial que é de 2,17%, tanto o Estado de São Paulo, cujo governador aspira ser o próximo presidente, quanto o Brasil tem índices de letalidade muito superior à media mundial e dos países do G-20.
Em razão da falta de interesse e até mesmo as ações contrárias e omissões do governo Federal em relação às vacinas contra o Coronavirus, conforme a CPI instalada no Senado da República, com a finalidade de investigar as responsabilidades, principalmente do governo federal em relação a esta catástrofe e crise sanitária sem precedentes, que estamos vivendo no país, tem demonstrado sobejamente, o Brasil nesta área da imunização da população contra a Covid-19 está muito ruim na foto, como costuma-se dizer.
Dados recentes da CNN informam que em 05 de maio último o Brasil ocupava a 58ª posição no ranking mundial da vacinação, percentual de vacinados em relação à população total do país e, apesar do discurso oficial, inclusive do atual ministro da saúde, que segue a mesma cartilha de seu antecessor no sentido da famosa frase em relação ao presidente “um manda e o outro obedece”, general Pazuello, ambos que prestaram depoimentos na CPI e devem figurar a partir deste final de semana como investigados e não mais como testemunhas, apesar de todo este “lero lero” oficial, há três dias, em 14 deste mês de junho de 2021, o Brasil caiu para a 68ª posição no ranking mundial da vacinação, atrás de países cujas estaturas estratégicas e tamanho da economia são muito menores do que o nosso país.
Estudo recente, já requisitado e entregue à CPI, demonstra a responsabilidade tanto da administração federal quanto do próprio presidente no avanço da pandemia em nosso país, atingindo os patamares que aterrorizam a população.
Vale a pena ler o referido estudo, que inicialmente foi veiculado em janeiro último no Jornal El Pais e agora, por requisição da CPI atualizado até o último mês (maio de 2021), cujo trecho inicial nos oferece um panorama muito diferente das versões oficiais.
“A pedido da Comissão Parlamentar de Inquérito, pesquisadores do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa), ligado à Universidade de São Paulo (USP), atualizaram a pesquisa Mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil. Uma versão preliminar havia sido publicada em janeiro de 2021. Na atualização, o período estudado vai até o fim de maio deste ano. Para chegar às conclusões, a equipe se debruçou tanto sobre manifestações públicas de Jair Bolsonaro e outras autoridades quanto sobre atos administrativos, como a publicação de normas federais. Ao fim, os especialistas são taxativos e dizem que o conjunto de evidências comprova que Bolsonaro buscou a imunidade de rebanho dos brasileiros sem vacina, mesmo sabendo que a estratégia provocaria milhares de mortes que outras medidas poderiam evitar”.
Ante os indicadores, tanto em termos de número de novos casos, taxa de transmissibilidade, que nos últimos dias tem atingido 1,07, ou seja, que cada 100 pessoas infectadas, muitas assintomáticas e outras que só descobrem que estão doentes ao serem internadas, já que o Ministério da Saúde, as secretarias estaduais e municipais de saúde, jamais realizaram uma campanha massiva de testagem, para identificar a realidade do número crescente de pessoas infectadas, ou seja, cada grupo de 100 pessoas infectadas pela Covid-19, acabam infectando outras 107 e assim, a velocidade de contágio aumenta assustadoramente, principalmente com as novas CEPAS, mais letais e de maior transmissibilidade.
Quando da primeira onda, em meados do ano passado, durante pouco mais de 30 dias o número de mortes diárias por Covid-19 foi pouco superior a mil vitimas e nos últimos seis ou sete meses, em 147 dias o patamar de mortes diárias foi superior a mil, chegando em vários dias a ser superior a dois mil ou próximo de 3.000 mil vitimas.
Diante do colapso dos sistemas público e privado de saúde, a falta de UTIs e leitos de enfermaria, falta de insumos, medicamentos, pessoal técnico especializado, oxigênio, do “kit entubação”, a morosidade na produção e/ou importação de vacinas e insumos (IFAs), à morosidade, lentidão e desorganização na campanha de imunização, ao relaxamento da população e à falta de ações coordenadas e continuadas entre os entes públicos federais, estaduais e municipais, diversos analistas têm construído um cenário muito grave, dizendo que até o fim da pandemia, que pode durar muito mais do que imaginamos, talvez meses ou ainda mais de um ano, poderemos ter que enfrentar uma terceira ou quarta onda, o Brasil poderá atingir mais de 28 a 40 milhões de casos e não menos do que 850 mil ou até mais de um milhão de mortes decorrentes da pandemia da Covid-19.
Os dados relativos a novos casos e novas mortes diárias, bem como a média móvel dos dois últimos meses, que no dia 16 deste mês de junho de 2021, apontavam 74.327 novos casos em 24 horas e uma média móvel de casos na ordem de 72.051, se projetados para um mês representariam mais 2.161.530 novos casos e em um ano, a partir deste mês, atingiriam mais 26.341.846 casos, que, somados com os atuais casos (17,7 milhões), estaríamos atingindo 44,0 milhões de casos.
Quanto às mortes, nas últimas 24 horas (referência 16 de junho 2021) 2.335 vítimas, com uma média móvel de 2.007 óbitos. Aplicando o mesmo raciocínio para 30 dias seriam 60.210 mortes e em um ano 733.759, que somadas às mortes já registradas totalizariam 1,22 milhões de vítimas fatais pela Covid-19.
Convenhamos, este parece um cenário de horror, mas se considerarmos a evolução da pandemia no Brasil, principalmente desde janeiro deste ano, este cenário pode ser concretizado, caso as coisas piorem ou continuem como estão no momento.
Logo nos primeiros meses da pandemia, em meados do ano passado, a Universidade de Oxford e outros cientistas apontavam que o Brasil poderia atingir mais de 300 mil mortes e mais de 10 milhões de casos, muita gente achou exagero, no entanto, mês após mês os números foram aumentando, tanto de casos quanto de mortes e chegamos onde estamos hoje (atualmente), uma tristeza e um absurdo.
Além da campanha da vacinação estar muito lenta, comparada com outros países que, praticamente, já estão retomando a uma “nova normalidade”, mesmo assim, diversas autoridades governamentais continuam apregoando uma mensagem negacionista, como há um ou dois dias, em que se tenta desacreditar as vacinas, afirmando que o contágio, ou o que é chamada de imunidade de rebanho ou coletiva, dizendo que a infecção é mais eficiente como imunização do que as vacinas, confundindo ainda mais a cabeça e a capacidade de reflexão crítica e racional por parte da população.
Todavia, parece que como já estamos iniciando uma nova campanha eleitoral, para Presidente, Governadores, Senadores, Deputados federais e estaduais, o assunto pandemia, Coronavírus, falência dos sistemas de saúde, sofrimento e morte de tanta gente, nada disso estará, a partir de agora na agenda política e governamental brasileira.
Vamos ter que continuar assistindo demonstrações democráticas e anti-democráticas, apelos para golpe e autoritarismo, carreatas, motociatas, em que os participantes, à semelhança do que aconteceu com o Titanic, enquanto o transatlântico ia afundando, o baile, a música e a alegria continuavam enfim, o Brasil, no momento atual, diante da maior e mais grave crise sanitária de nossa história, se parece muito com o desastre do Titanic, com o maestro e o timoneiro desviando a atenção dos passageiros, evitando que os mesmos percebessem ou percebam que o transatlântico (Brasil) estava naufragando.
Até quando? Só Deus e o povo sabem. Nos Estados Unidos um presidente negacionista recebeu cartão vermelho e com a chegada de um novo presidente, democrata, que valoriza a ciência, o planejamento, com objetivos e compromissos populares claros, definidos e capacidade de liderança, mudou radicalmente aquele cenário de sofrimento e morte.
Por lá, crianças com mais de 12 anos já estão sendo vacinadas e aquele país se dá ao luxo de ajudar outros países, principalmente os de baixa renda a terem vacinas para imunizar suas populações.
Esta é, talvez, a maior diferença entre negacionismo, messianismo, obscurantismo, autoritarismo em comparação com lideranças preparadas, com estatura de estadistas, que, verdadeiramente, respeitam o povo, a democracia e estão preocupados com os destinos nacionais, com a sorte da população e com a imagem interna e internacional do país.
Se o Brasil não controlar rapidamente esta pandemia e outros desafios que tem pela frente, principalmente as questões ambientais/ecológicas, poderá ser condenado a ser um pária no contexto internacional, dificultando, sobremaneira o retorno das atividades em geral, principalmente as econômicas, inclusive o comércio internacional do país.