Esse tempo de confinamento é um tempo de fazer muitas perguntas. Poderíamos nos confessar por telefone?
Por Maria Emerenciana Raia *
A Intenção Missionária do mês de março, proposta pelo papa Francisco, pedia para rezarmos a fim de viver o Sacramento da Reconciliação com uma renovada profundidade, para saborear a infinita misericórdia de Deus. Durante esse mês estávamos vivendo o tempo litúrgico da Quaresma, o que justificaria a Intenção e a necessidade de refletir sobre os pecados e a importância da reconciliação com Deus.
Porém, em plena pandemia, respeitando o distanciamento social, com as igrejas fechadas, como os penitentes poderiam vivenciar este Sacramento? Como os teólogos responderiam a este questionamento?
Essa nova realidade, especialmente grave para aqueles que sofrem com o vírus ou estão chegando ao fim das suas vidas, reavivou o debate em torno de uma pergunta básica: por que não podemos nos confessar pelo telefone?
Ampliar a tela
Alguns teólogos apontaram preocupações sobre a possível vigilância dos dispositivos eletrônicos, o que poderia resultar em uma violação do sigilo do confessionário virtual. Também enfatizaram que a Igreja não quer que as pessoas duvidem da disponibilidade da misericórdia de Deus e ainda precisa considerar plenamente a questão da vigilância.
O Monsenhor Liam Bergin, um teólogo irlandês do Boston College, observou que alguns governos europeus realizaram e realizam ainda reuniões de gabinete via webcam.
“Se é seguro ter uma discussão de gabinete pelo Zoom, ou em alguma outra plataforma... muitas dessas preocupações podem não ser mais necessárias”, disse ele.
“Eu acho que é realmente importante ampliar a tela”, disse Bergin, que também é ex-reitor do Pontifício Colégio Irlandês. “É importante lembrar que o poder salvífico de Deus é comunicado a nós de várias maneiras.”
George Worgul Jr., teólogo da Duquesne University, em Pittsburgh, disse que achava que a proibição das confissões à distância pode ser uma simples questão de a Igreja ainda não ter atualizado os seus cânones para refletir os desenvolvimentos modernos.
“Existem regras criadas antes da tecnologia, e a Igreja simplesmente não está tão sintonizada com a mudança desses regulamentos devido ao uso das tecnologias emergentes”, disse ele. “Não é a confissão dos pecados que é a questão crucial. A questão crucial é a misericórdia e o perdão de Deus.”
A irmã feliciana franciscana Judith Kubicki, teóloga da Fordham University, concorda. Ela observou que a Igreja nunca antes havia se confrontado com uma pandemia global na era digital. “Acho que ninguém já abordou seriamente a questão o suficiente para dar uma resposta oficial sobre a confissão por telefone”, disse Kubicki, ex-presidente da Academia Norte-Americana de Liturgia. “Não vimos isso. Não tivemos essa experiência.”
A questão da possibilidade de confissão por telefone tornou-se particularmente aguda nos hospitais, onde os pacientes com Coronavírus são mantidos em isolamento para impedir a transmissão do vírus e, às vezes, não podem receber visitas, inclusive de padres.
O Vaticano havia abordado anteriormente a dificuldade de realizar confissões durante este período em um decreto do dia 20 de março de 2020, deixando claro que é aceitável que os bispos ofereçam a absolvição geral a grupos de pessoas conforme necessário.
O decreto, emitido pela Penitenciária Apostólica, deu o exemplo de um bispo ou padre que pode ficar na entrada de um hospital e usar o sistema de som local para oferecer a absolvição às pessoas que estão no prédio.
Bergin, Worgul e Kubicki enfatizaram a natureza abundante da misericórdia de Deus e os ensinamentos da Igreja de que uma pessoa que é incapaz de se confessar ainda pode conversar com Deus diretamente e pedir perdão.
Bergin disse que, neste tempo, os padres “deveriam tranquilizar as pessoas sobre a graça e a misericórdia de Deus, em vez de brincar com os seus medos. Este é um momento precário, e não devemos duvidar da misericórdia de Deus e da graça de Deus que se estende a nós”, disse ele.
O padre irlandês chegou a dizer que havia falado com um bispo, que lhe disse: “Se alguém estivesse em circunstâncias extremas e me telefonasse para confessar seus pecados e receber a absolvição, eu o faria”.
Ao deixar claro que não é bispo nem padre, Worgul disse que daria o seguinte conselho a uma pessoa em uma emergência que procura se confessar por telefone: “Se alguém realmente quer confessar seus pecados e experimentar a misericórdia de Deus, e o melhor caminho para fazer isso é uma ligação telefônica ou uma videoconferência, que o faça. Depois que a crise acabar, se você sentir que tem a obrigação de ir à confissão, vá”, sugeriu o teólogo. “Ir pelo outro caminho, falar sobre se essa conversa telefônica é válida ou se os pecados realmente são perdoados, é realmente perder o foco na misericórdia e no amor de Deus”, disse ele.
Esse assunto pode suscitar mais perguntas do que respostas. Mas este tempo de confinamento é um tempo de fazer essas perguntas e muitas mais.